Estela Fiorin
https://orcid.org/0000-0002-8125-6547
Mestranda em Estudos da Linguagem (Literatura, Memória e Identidade), pelo Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Catalão. E-mail:
estelafiorinconsultoria@gmail.com.
Master's student in Language Studies (Literature, Memory, and Identity) at the Graduate Program
in Language Studies at the Federal University of Catalão. E-mail:
estelafiorinconsultoria@gmail.com.
Alexander Meireles da Silva
https://orcid.org/0000-0002-2742-2209
Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Associado
da Universidade Federal de Catalão. e-mail: alexmeireles@ufcat.edu.br
PhD in Comparative Literature from the Federal University of Rio de Janeiro. Associate Professor
at the Federal University of Catalão. E-mail: alexmeireles@ufcat.edu.br.
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO COMERCIAL 4.0 INTERNACIONAL CREATIVE COMMONS CC BY-NC
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BLADE RUNNER: A FICÇÃO CIENTÍFICA CYBERPUNK COMO
INSTRUMENTO DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
RESUMO
O aumento dos índices de violência contra a mulher que se transformam em feminicídio ainda causam
repúdio apesar dos avanços no setor legislativo em promulgar leis e punições mais duras. Nesse
contexto, a nova geração precisa estar no foco da sociedade para que seja destacado os princípios de
responsabilidade social e empatia, para além do cumprimento da legislação. Nesse contexto, a Ficção
Científica, uma das vertentes da Literatura Fantástica, é capaz de promover reflexões sociais que
envolvem a ciência e a vida dos sujeitos devido à extrapolação ou criação de situações que expõem as
relações como frágeis e abusivas. Assim, esta pesquisa tem por objetivo principal comprovar como a
Literatura Fantástica por ser usada para o debate acerca das relações de gênero na contemporaneidade,
especialmente por sua penetração junto ao universo etário escolar. Assim, espera-se comprovar que a
Literatura Fantástica, especificamente a Ficção Científica Cyberpunk, pode ser utilizada como recurso
facilitador no trabalho educativo que envolva temas de relevância social, como as questões de gênero e
a violência contra a mulher. Para tanto, a pesquisa foi realizada com metodologia qualitativa, de caráter
bibliográfico-documental, que seguiu por análises acerca das questões de neros inseridas na Ficção
Científica Cyberpunk para que, posteriormente, fosse analisado o filme Blade Runner, no intuito de
explorar sua narrativa no que tange às questões de gênero. Por fim, foram elaboradas e apresentadas
estratégias que abordaram a conscientização sobre a violência contra mulher através da exibição de
cenas do filme. Como resultado, foi possível demonstrar que o gênero Ficção Científica pode ser
utilizado como ferramenta educacional em turmas do Ensino Médio na discussão sobre a violência
contra mulher e relacionamentos abusivos.
Palavras-chave: Ficção Científica. Blade Runner. Educação. Violência Contra Mulher.
BLADE RUNNER: CYBERPUNK SCIENCE FICTION AS A TOOL TO
COMBAT VIOLENCE AGAINST WOMEN
ABSTRACT
The increase in the rate of violence against women, which has turned into feminicide, still causes outrage
despite progress in the legislative sector in enacting tougher laws and punishments. In this context, the
new generation needs to be society's focus so that the principles of social responsibility and empathy are
highlighted, in addition to compliance with legislation. In this context, Science Fiction, one of the
strands of Fantastic Literature, can promote social reflections that involve science and the lives of
individuals due to the extrapolation or creation of situations that expose relationships as fragile and
abusive. Thus, the main objective of this research is to prove how Fantastic Literature can be used to
debate gender relations in contemporary times, especially because of its penetration of the school-age
universe. We hope to demonstrate that Fantastic Literature, specifically Cyberpunk Science Fiction, can
be a facilitating resource in educational work involving themes of social relevance, such as gender issues
and violence against women. To this end, the research was carried out using a qualitative, bibliographic-
documentary methodology, which followed an analysis of the gender issues inserted in Cyberpunk
Science Fiction so that, later, the film Blade Runner could be analyzed to explore its narrative about
gender issues. Finally, strategies were developed and presented to raise awareness of violence against
women by showing scenes from the movie. As a result, it was possible to demonstrate that the science
fiction genre can be an educational tool in high school classes to discuss violence against women and
abusive relationships.
Keywords: Science Fiction. Blade Runner. Education. Violence Against Women.
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INTRODUÇÃO
Este texto é uma versão estendida e revisada do Trabalho de Conclusão de Curso
Androides Em Blade Runner: a ficção científica cyberpunk como ferramenta educacional de
combate ao assédio”, apresentado em 2021, pela então graduanda Estela Fiorin, levando
atualmente ao desenvolvimento do trabalho de Mestrado pela mesma autora na dissertação em
andamento intitulada Da Autômata Olímpia À Ciborgue Ava: a representação da violência
feminina como ferramenta de subversão de gênero. Ambos os trabalhos de pesquisa foram
orientados pelo Professor Doutor. Alexander Meireles da Silva.
O presente estudo tem por objetivo principal comprovar como a Literatura Fantástica
pode ser usada como instrumento de debate acerca das relações de gênero na
contemporaneidade, especialmente por sua penetração junto ao universo etário escolar. Para
tanto, a pesquisa irá utilizar a adaptação cinematográfica da novela de Philip K. Dick, Do
androids dream of electric sheep? (1968), o filme Blade Runner (1982), com o propósito de
propor estratégias destinadas à conscientização e discussão contra a violência contra a mulher
para serem aplicadas em sala de aula.
Além disso, este artigo tem como objetivos específicos demonstrar como os androides
podem ser utilizados na representação de símbolo do corpo feminino em debates sobre a
temática e apresentar como o filme Blade Runner pode ser aplicado no ambiente escolar como
forma de contextualizar a discussão acerca da violência indireta. Por fim, pretende-se propor a
elaboração de uma atividade de escrita de um texto dissertativo-argumentativo, a ser realizada
por alunos de Ensino Médio, cujo tema principal seja a análise de conteúdo motivador e
proposta de intervenção para a problema debatido.
Diante disso, esta pesquisa se justifica pela percepção em relação ao modo como a
sociedade se posiciona injustamente acerca dos valores morais e éticos. Apesar dos avanços
nos âmbitos legislativo e social no que diz respeito aos direitos das mulheres, os altos índices
de violência veladas que se transformam em feminicídio ainda assustam
1
. Além da criação de
leis e punições mais duras, é necessário modificar, principalmente, o modelo de sociedade
patriarcal, no qual o homem se configura como a figura central e a mulher é apenas um “esteio”.
Com isso, é preciso que as novas gerações se tornem foco da sociedade para que sejam
instruídos sobre a responsabilidade social e empatia. Nesse contexto, tem-se a ideia de que a
realidade brasileira pode ser transformada por meio da educação, utilizando-se diversas
1
Ver números sobre feminicídio em 2023 em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-
03/cada-24-horas-ao-menos-oito-mulheres-s%C3%A3o-vitimas-de-violencia>.
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estratégias como o ensino da literatura fantástica e do cinema por meio do universo cyberpunk
no cenário escolar, especialmente no Ensino Médio, por envolver a faixa etária entre 14 e 17
anos.
Para tanto, partiremos do princípio proposto por Marleen S. Barr em sua obra Alien to
Femininity: Speculative Fiction and Feminist Theory (1987) de que a FC é um recurso
educacional poderoso por criar utopias críticas e cognitivas, expor a mulher e suas relações
como vulneráveis e, dessa forma, causar choque e desconstrução de parâmetros utilizando
realidades alternativas de organização sexual e social.
A pesquisa foi realizada com metodologia qualitativa, de caráter bibliográfico-
documental, em que, inicialmente, foi realizada uma análise sobre as questões de gênero
inseridas na Ficção Científica (FC) e na FC Cyberpunk. Posteriormente, seguindo a mesma
lógica de análise, o filme Blade Runner foi explorado para que fosse identificada uma nova
leitura acerca das questões de gênero dentro de suas narrativas. Por fim, foram elaboradas e
apresentadas estratégias que buscam abordar, conscientizar e descontruir a temática relacionada
à violência contra a mulher por meio da exibição de cenas do filme analisado.
Com base no que foi apresentado, espera-se que seja comprovado que a Literatura
Fantástica, especificamente, a Ficção Científica Cyberpunk, possa ser utilizada como
ferramenta facilitadora no trabalho de temas de alta relevância social dentro do ambiente
escolar, uma vez que as histórias de FC se baseiam na extrapolação e até mesmo criação de
novas realidades, por meio do discurso de que a tecnologia e a ciência são capazes de gerar
sentimentos como estranheza, tensão e medo. Dessa forma, a vertente do fantástico aqui
discutida se posiciona como instrumento de crítica em detrimento de algum movimento
polêmico da sociedade, provando, assim, seu valor como ferramenta que promove a criação de
argumentos e novas ideias para a discussão e conscientização de temas importantes, como o
abordado nesta pesquisa.
A REPRESENTAÇÃO DA FIGURA FEMININA NA FC CYBERPUNK
A Ficção Científica passou por diversas fases ao longo de sua história, e cada uma dessas
fases tem sua própria temática e forma de abordar questões diferentes, sempre trazendo às suas
narrativas os temas da época, seja refletindo, seja questionando. Além disso, o gênero Ficção
Científica é uma das vertentes que habitam o campo do fantástico, tanto na literatura quanto em
outras expressões artísticas, como cinema, histórias em quadrinhos, games e role playing
games. Em princípio, podemos considerar que a FC retrata narrativas que exploram
extrapolações de teorias científicas, produtos, personagens e espaços vinculados ao
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racionalismo, promovendo a reflexão do indivíduo em relação ao mundo, ao outro ou a ele
mesmo. No entanto, estabelecer os critérios que definem uma narrativa como FC é uma tarefa
complexa, dada a ampla gama de contribuições críticas ao longo da história.
Para Darko Suvin, em Metamorphoses of Science Fiction (1979, p. 4), uma obra de FC
deve causar no leitor o que ele chama de “estranhamento cognitivo”. Para o autor, a
representação estranha nos permite reconhecer um elemento, que, ao mesmo tempo, não nos é
familiar, é estranho ao mundo real no qual habitamos. Porém, a simples presença de um
elemento que cruze a linha da realidade, por si só, não é suficiente para caracterizar a narrativa
como FC. Logo, esse elemento deve estar inserido na narrativa de forma lógica.
Porém, no que diz respeito ao papel das mulheres, como autoras ou personagens, o
mundo da FC antes dos anos 60 pode ser classificado como predominantemente masculino
(Freedman, 2000, s.p.). Nesse período, a contribuição das mulheres se resumia a importantes
participações, porém ocasionais, como a obra O mundo resplandecente (1666), de Margaret
Cavendish. Será em 1818, com Frankenstein, de Mary Shelley, que virá a primeira obra de
autoria feminina na qual se identificou o gênero FC. Adam Roberts (2006) afirma que, nesse
contexto social, a primeira geração de escritoras de ficção científica retratava o feminino em
bases realistas através do senso de solidariedade para com as outras mulheres. Algumas dessas
autoras ainda buscavam jogar luz sobre a necessidade de igualdade ao se tratar de seus direitos,
articulando o feminismo dentro do gênero.
Mary Shelley retrata, de acordo com Rocque e Teixeira (2001), as personagens
femininas de acordo com os traços que caracterizavam o papel da mulher na sociedade
patriarcal do século 19: abnegadas, sentimentais e ocupando posições sociais dedicadas ao lar.
Quanto aos homens, a eles era confiado o papel de guardiães da razão e do intelecto,
corroborando a concepção masculina do trabalho científico.
Robin Anne Reid (2009) afirma que a representação realista do universo feminino em
Frankenstein ilustra as personagens como meras coadjuvantes, porém sem deixar de lado a
crítica feminista às relações de poder e atribuição de papéis de gêneros diferenciados. Esse fato
antecipa alguns dos questionamentos abordados pela segunda onda feminista, movimento com
início datado entre o fim de 1960 e início dos anos 70, por sua vez inserido na fase da FC
chamada de “Nova Onda”.
É importante ressaltar que a explicação mais comum sobre a evolução do movimento
feminista ao longo da história faz menção a diferentes períodos e reivindicações das mulheres,
chamados de “onda do feminismo”. Segundo Abreu (2002), a primeira onda se iniciou entre o
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fim do século XIX e início do século XX com exigências das mulheres pelo direito à plena
cidadania através do voto.
Já a segunda onda surgiu a partir do radicalismo da década de 1960, e lutou não apenas
focada no gênero, mas também na interseccionalidade entre diversos assuntos como classe,
raça, sexualidade, serviço doméstico, reprodução, violência contra mulheres, entre outros
(Fraser, 2019). A Nova Onda foi um movimento em que escritores e escritoras passaram a fazer
experimentações estilísticas e temáticas, incorporando temas ligados a outras ciências, como a
Linguística, Psicologia, Religião, História, dentre outros campos do saber. De acordo com
Amaral (2004), a tecnologia aparece integrada à vida cotidiana, gerando o medo da perda da
identidade humana em meio aos avanços tecnológicos que é, por sua vez, revelado pela FC. A
pesquisadora ainda acrescenta que as narrativas, violentas e sexualizadas, carregavam um tom
pessimista sobre as fronteiras da realidade, as relações de poder e os elementos tidos como
constitutivos do ser humano.
Todavia, impulsionados pela revolução sexual contemporânea, os escritores e escritoras
da Nova Onda passaram a retratar não a (re)constrão do papel da mulher na sociedade,
mas a explorar, também, a sexualidade e o erotismo. A primeira heroína de FC dos cinemas
surge em um contexto de liberdade sexual e feminismo. Barbarella é um filme de 1968, dirigido
por Roger Vadim e estrelado por Jane Fonda, adaptado dos quadrinhos de Jean-Claude Forest,
em que uma mulher jovem, bonita e sensual protagoniza aventuras corajosas.
No filme, como cita Saffou (2015), apesar da objetificação da protagonista, a quebra de
tabus prevalece, pois dentre suas batalhas, Barbarella vê o despertar do seu desejo sexual, vive
uma experiência lésbica e causa a destruição de uma máquina chamada Orgasmotrom,
desenvolvida por um cientista para matá-la por excesso de prazer. O episódio envolvendo
Orgasmotrom tornou-se um ícone para representação do prazer cibernético na FC, ainda que
comandado por um homem o cientista e criado com o objetivo de matar a personagem de
Jane Fonda.
O erotismo na FC da Nova Onda retrata a sexualidade de uma maneira particular ou,
como Heldreth (1986) definiu, experimentação sexual sem as limitações impostas pela
realidade, além do sexo na Terra. Isso acontece porque a biotecnologia permite meios de
interação sexual e reprodução assexuada entre essas espécies diferentes, estreitando ainda mais
a relação homem-tecnologia, confundindo os limites entre corpos humanos, tecnologia e outras
espécies (Reid, 2009).
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Na década de 1980 até o final do século XX, a terceira onda surgiu focada nas questões
de reconhecimento das relações de gênero e a diversidade dentro do próprio movimento
(Ferreira et al., 2022). Esse cenário sociopolítico, então, marcou conquistas para o movimento
feminista e isso passou a ser retratado por autores e autoras da FC nos anos 70 a 80. O
questionamento ao sexismo e à desigualdade social passou a ser mais ativo ao deixar de lado a
representação realista da opressão vivida pelo sexo feminino, dando espaço à liberdade criativa
de se criar situações e circunstâncias para se colocar à mulher.
Foi nesse contexto de movimentação, nos Estados Unidos dos anos 80, que a FC viu o
início desse novo subgênero que, dentro do contexto finissecular, desloca as narrativas utópicas
para a distopia do caos urbano altamente tecnológico. Essa imersão no mundo cibernético
resulta diretamente no cyberpunk. Nesse cenário, as promessas da visão da tecnologia como
solucionadora dos problemas sociais não se realizam, mantendo a baixa qualidade de vida de
grande parte da população, algo resumido na ideia do High Tech vs Low Life (Lemos, 2004).
Na ficção cyberpunk, a tecnologia passa a integrar, substituir partes ou até mesmo a
reproduzir o corpo humano por completo, nascendo novas formas de vida, tais quais os
ciborgues, seres que mesclam partes orgânicas e mecânicas, ou androides, seres mecânicos
criados com a aparência semelhante à do humano. McCarron (1996) define que a interação
entre o homem e a máquina, além de indissociável, apresenta-se como elemento central na
narrativa cyberpunk.
Neste cenário, a estudiosa Judith Butler (2003) observa que a cultura tem o poder de
significar e valorizar a desigualdade social entre os sexos através da concepção de gêneros
binários, bem como da naturalidade do desejo heterossexual. Como o que é tomado por natural
é difícil de ser questionado, simplesmente por existirem, as narrativas de FC, com seu caráter
fantástico, questionam estigmas, relações de poder e interações sociais de qualquer natureza.
Nesse sentido, para a FC, a inserção dessas novas formas de vida pós-humana em suas
narrativas traz implicações teóricas e práticas para o debate, como Amaral (2004) exemplifica:
na teoria, quando relacionada à construção da organização social, bem como às subculturas e
aos estilos de vida alternativos; e, na prática, atuando pela diminuição da diferença entre
animais, humanos, androides, entre outros.
O texto de Donna Haraway, A Cyborg Manifesto (1989), é relacionado quando se trata
do estudo das formas de vida da narrativa cyberpunk, principalmente abordando questões
concernentes à identidade de gênero. Para a pesquisadora, a FC usa de metáforas e noções de
identidade sexual que são muito importantes para o entendimento do mundo atual. Ela ainda
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acrescenta que “os ciborgues são um mapeamento ficcional da nossa realidade social e corporal,
além de uma fonte imaginativa que sugere algumas associações muito frutíferas” (Haraway,
1989, p. 244).
Uma dessas associações, mais precisamente entre a figura do ciborgue e de que forma
ele representa a subjetividade feminina, é de grande interesse a este estudo. Seguindo a linha
de estudo de Haraway (1989), o ciborgue é um híbrido tanto no quesito homem-máquina quanto
no quesito masculino-feminino, por isso é a chave para a quebra de conceitos como a oposição
entre homem e mulher.
Nesse sentido, Silva (2019) explica que as figuras fantásticas, como os ciborgues e
androides, ao existirem na narrativa, têm a função de apresentar, e não apenas ser, o motivo
causador de estranhamento. Para exemplificar este conceito, o pesquisador cita a cena do filme
Alien, o Oitavo Passageiro (1979), em que o personagem Kane “dá à luz” ao predador,
simbolizando a violação sexual masculina. Essa abordagem do elemento sexual, deslocada do
feminino para o masculino, revela a interação entre cognição e sensação de estranhamento e
caracteriza a obra como FC, ou seja, a ficção científica precisa romper com a realidade
conhecida e confortável para que incomode seu espectador. Portanto, é importante analisar
como a questão de gênero é abordada nas obras de FC, para o posterior desenvolvimento de
estratégias para o combate à violência contra a mulher na contemporaneidade.
Outro aspecto muito importante a se trazer à discussão é a componente inteligência
artificial, que ao mesmo tempo em que aproxima os ciborgues de obter sua humanidade,
também os afasta ainda mais do humano. A engenharia genética e a inteligência artificial criam
corpos idênticos ao corpo humano, preenchido com biotecnologia que, de alguma forma em
particular, potencializa o poder do corpo cibernético, mas também lhe traços do conflito
humano de ordem existencial. Tal fato pode ser observado nos androides do filme Blade
Runner, chamados replicantes, que evidenciam vários dualismos importantes como homem-
máquina, mente-corpo, homem-mulher, conforme será analisado em mais detalhe neste artigo.
ANDROIDES E O PAPEL DO FEMININO EM BLADE RUNNER: CAÇADOR DE
ANDROIDES
Blade Runner: Caçador de Androides é uma adaptação para o cinema da novela Do
androids dream of electric sheep?, de Philip K. Dick. O filme, dirigido por Ridley Scott, de
acordo com Puhl e Amaral (2008), é uma narrativa de dualidades que se opõem e se
complementam. Essa afirmação é comprovada se for observado que a trama apresenta as
interações humana e mecânica como indissociáveis, porém conflituosas, em um jogo de
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hierarquias que não possibilita saber quem responde a quem: o humano à máquina ou o
contrário. Featherstone e Burrows (1996) ainda complementam essa ideia ao colocarem as
novas tecnologias como ferramentas de escape a esses dualismos, porque superam os limites
do corpo humano físico, abrindo um campo de possibilidades que transcendem questões como
identidade de gênero, por exemplo.
Em 2019, Los Angeles sofria com a escassez de recursos e altos níveis de poluição no
planeta Terra e isso obrigou a raça humana a agir: a solução era realizar a exploração e
colonização espacial. O Off-World (espaço) era um lugar hostil aos humanos e vidas tinham
altos custos para as empresas. Por isso, a Tyrell Corp inventou a ciência da replicação para
atender essa demanda. Até que, então, os androides iniciaram uma rebelião na colônia e quatro
deles fugiram para a Terra com o objetivo de prolongar suas vidas: Roy, com o perfil para ações
militares; Pris e Zohra, voltadas à prostituição; e Leon, desenvolvido para matar.
Os replicantes possuíam aparência física idêntica aos humanos e eram mais fortes e
ágeis. Os problemas eram a instabilidade emocional, a empatia reduzida e o comportamento
agressivo. Eles foram programados para terem um período de vida limitado de apenas 4 anos.
O Nexus-6 foi último modelo de replicante produzido pela corporação. Eles eram mais
eficientes e inteligentes que os modelos anteriores.
More human than human era o slogan da Tyrell Corp, a empresa hich-tech que
produzia replicantes no filme Blade Runner. Cada vez mais humanizados, recebiam implantes
de memória de um ser humano real, com o objetivo de gerar respostas emocionais verossímeis
e de exercer controle sobre eles. Uma das falas de Tyrell no filme diz: “Se nós lhe damos um
passado, nós criamos um colchão ou um travesseiro para suas emoções e nós podemos controlá-
los melhor” (Blade Runner, 1982). A memória, então, atua de maneira importante na narrativa,
pois é uma fonte para a geração da identidade dos personagens, induzindo ainda mais dúvida e
complexidade ao dualismo homem-máquina (Featherstone; Burrows, 1996). Rachel era uma
Nexus-6, que, por sua vez, habitante da Terra, possuía funções afetivas e desconhecia sua
condição enquanto androide.
Outro importante personagem é Deckard, o caçador de androides acionado para capturar
e matar os replicantes rebeldes. Seu encontro com Rachel desencadeia questionamentos
existenciais importantes para a trama quando Deckard aplica a ela um teste capaz de revelar a
verdadeira identidade do analisado, seja humano ou androide. Nesse momento, ela toma
conhecimento de sua verdadeira natureza, ao passo que instaura dúvidas em Deckard ao
levantar a questão sobre ele mesmo ser um replicante. São deixadas dúvidas quanto à identidade
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dos personagens, que se ramificam em outra dúvida: o critério que define ser ou não ser
humano.
A vida dos replicantes e sua relação com a vida humana revelam subjetividades não
atreladas ao corpo físico (carne e osso), que podem ser entendidas sob um viés de
entrelaçamento entre os quesitos cultural, social e tecnológico (Featherstone; Burrows, 1996).
Por meio da natureza questionadora do homem-máquina, é possível observar a representação
feminina da tecnologia em Blade Runner. Puhl e Amaral (2008) apontam e explicam a presença
de três características no filme, que evidenciam a analogia do ciborgue com a identidade
feminina:
1) Submissão: na narrativa, os androides são escravizados, controlados pela
relação de poder com os humanos, assim como as mulheres ainda são reféns do
controle exercido por figuras masculinas em diversas culturas;
2) Sentimentos: a sensibilidade, um traço normalmente relacionado à feminilidade,
faz parte da construção da identidade de Roy mediante a sua relação com os
outros replicantes;
3) Alteridade: a alteridade em Blade Runner, ou seja, o que é distinto e representa
uma oposição, é o confronto entre homem e inteligência artificial, assim como
a identidade feminina é a alteridade do masculino, desencadeando
questionamentos, como a relação entre Rachel e Deckard.
Para além, e muito importante para essa pesquisa, a figura do personagem Deckard e
sua relação com os replicantes é a própria afirmação do poder masculino sobre o feminino,
principalmente com relação a Rachel, com quem ele desenvolve maior proximidade. Em uma
de suas cenas juntos, o personagem comete uma forma de violência contra Rachel: ao descobrir
que é uma replicante, ainda muito fragilizada, procura por Deckard que, bêbado, tenta beijá-la
e é rejeitado. Então, ele fica nervoso e a persegue até a porta, jogando-a contra a janela e
beijando-a à força ao som de uma trilha sonora romântica. A cena é rodeada por uma violência
implícita, e, assim, o público é incentivando a se deixar levar pelo clima supostamente sedutor
da situação. Em determinado diálogo nessa cena, Deckard faz com que Rachel repita que ela o
quer, obrigando a personagem a consentir com a violência: “Agora, você me beija. Diga ‘me
beije’” (Blade Runner, 1982). Fica clara então, a expressão de poder masculino sobre a figura
feminina.
A relação dos androides de Blade Runner entre si evidencia a visão de Haraway (1989)
quanto aos ciborgues e seu papel na desconstrução do contexto sociocultural dualista, baseada
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na transformação das relações sociais. As novas formas de vida das narrativas cyberpunk
problematizam status e definem novos níveis de subversão às relações de poder existentes, que
são fortalecidas, dentre outros fatores, pela diferença de gêneros. Por fim, Puhl e Amaral (2008)
complementam, ao acrescentar que o gênero híbrido do androide, porém afinado com o
feminino, desloca o eixo das relações de poder de gênero do dualismo para a dialética nos
debates de temas definidos pela dominação proposta pela superioridade do gênero masculino.
Para além da importância do questionamento sobre a dualidade do masculino-feminino
em relação ao homem-máquina, temos, no filme, a clara superioridade do homem em relação
ao feminino, como ainda persiste, mesmo após as lutas das ondas do feminismo, na sociedade
patriarcal. Por isso, nesta pesquisa, a seguir, trazemos uma proposta de atividade para o Ensino
Médio, de modo a promover o debate, a partir da ficção científica cyberpunk, sobre a violência
contra a mulher.
A FC CYBERPUNK COMO INSTRUMENTO EDUCACIONAL NO COMBATE À
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
De acordo com os estudos realizados até aqui, sobre a FC cyberpunk e a violência
demonstrada pelo filme Blade Runner, observa-se que, a partir do filme, é possível trabalhar
com o tema violência contra a mulherem sala de aula. Ao pensar na possibilidade, surge o
questionamento: por quê? De início, tem-se a sala de aula como ambiente de formação: em um
primeiro momento, de formação acadêmica, em que os estudantes aprenderão o que consta na
grade curricular exigida pelos órgãos da Educação; mas, por outro lado, a escola se faz um local
adequado para a convivência e para o aprendizado pessoal e social do cidadão.
Por tudo isso, propõe-se a utilização do filme em sala de aula através de uma atividade
de redação envolvendo a exposição da cena em questão e a leitura de textos para embasar e
inspirar ideias e argumentos. Neste caso, como a proposta pensada é direcionada ao Ensino
Médio, que, desde o primeiro ano se prepara para o Enem, a intenção inicial é a de que o
gênero solicitado seja o dissertativo-argumentativo, embora outros gêneros, como crônica,
relato, carta, entre outros, também tenham suas relevâncias ao tratarem sobre o assunto. O texto
dissertativo-argumentativo (texto D.A.), por seu turno, exigirá que o aluno tenha não somente
uma bagagem de conteúdo sobre a temática, como também argumentos pontuais e convincentes
sobre isso (Fernandes, 2019, p. 5).
O texto D.A, via de regra, possui competências a serem seguidas pelo escritor da
redação, como: norma padrão da ngua portuguesa, adequação ao tema e ao gênero, habilidades
de argumentação, elementos coesivos e proposta de intervenção que solucione a problemática
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apresentada no decorrer do texto e que não fira os direitos humanos (Brasil, 2023). Por esse
motivo, mais do que informações e posicionamentos concretos, será necessário que o aluno
dispende uma solução, ou seja, abrange todos os requisitos que a temática solicita ao ser
abordada. Então, propõe-se que a atividade se dê da seguinte maneira:
a) Exposição da cena do filme em que é demonstrada a violência: nesse momento,
sugere-se a utilização da cena descrita na seção anterior, entre Deckard e Rachel.
A escolha se justifica pelo caráter implícito da violência cometida. No início,
Rachel se nega a beijá-lo e, ao tentar ir embora, é impedida violentamente por ele.
Na cena, alguns elementos caracterizam e ao mesmo tempo romantizam o
momento, como, por exemplo, a música. Observa-se que no momento em que
Rachel inicia seu movimento para sair do apartamento de Deckard, a música se
torna sombria e a violência se inicia. Quando ele se impõe a ela e faz com que ela
permita o beijo e até peça para ser beijada, a música romântica começa. O término
da cena propõe que houve o envolvimento sexual entre os personagens, e os
momentos de intimidade, proximidade e proteção dele para com ela, caracterizam
uma situação de violência recorrente nos dias de hoje e que é ainda mais fácil de
ser mascarada: aquele cometido na relação entre um casal, por exemplo.
b) Proposta de redação: a proposta conterá textos motivadores, retirados de jornais
e revistas on-line, blogs, charges e/ou gráficos, que retratem como a violência é
vista/lidada na atualidade. A intenção é a de que o aluno tenha faculdade mental
para: 1) demonstrar domínio da norma padrão de escrita da Língua Portuguesa; 2)
desenvolver o tema explorando seus principais aspectos; 3) selecionar, organizar e
relacionar fatos, opiniões e argumentos pertinentes ao tema; 4) articular as partes
dos textos, de modo a utilizar elementos coesivos e coerentes; e, 5) elaborar uma
proposta de intervenção inovadora, que seja bem articulada com a discussão
proposta no decorrer das aulas.
Proposta de redação
A partir da apresentação do trecho da obra cinematográfica Blade Runner, da leitura dos textos
motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija um texto
dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da Língua Portuguesa sobre o tema A
persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, apresentando proposta de
intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa,
argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
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Texto I
Exibição do trecho do filme (71’ 72’39’’), em que Deckard, em uma cena violenta, ordena que Rachel
peça seu beijo e diga que o ama. Aqui, serão analisadas a atuação das personagens, tanto a de assediador,
correspondente a Deckard, quando a de vítima, relacionada à Rachel, e a trilha sonora correspondente
ao momento que, romantizada, naturaliza a cena de violência, fazendo com que o espectador confunda
essa violência com sedução e romantismo.
Fonte: Blade Runner (1982)
Texto II
A cada 24 horas, ao menos oito mulheres são vítimas de violência
No ano de 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os
dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança (BA,
CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP).
A informação consta do novo boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver, divulgado nesta quinta-
feira (7). Ao todo, foram registradas 3.181 mulheres vítimas de violência, representando um aumento
de 22,04% em relação a 2022, quando Pará e Amazonas ainda não faziam parte deste monitoramento.
Ameaças, agressões, torturas, ofensas, assédio, feminicídio. São inúmeras as violências sofridas que não
começam ou se esgotam nas mortes registradas. Os dados monitorados apontaram 586 vítimas de
feminicídios. Isso significa dizer que, a cada 15 horas, uma mulher morreu em razão do gênero,
majoritariamente pelas mãos de parceiros ou ex-parceiros (72,7%), que usaram armas brancas (em
38,12% dos casos), ou por armas de fogo (23,75%).
“A mobilização contra o feminicídio e outras formas de violência salva vidas. Nós perdemos mulheres
demais, e ainda perderemos. É a denúncia incansável que preservará a vida de tantas outras”, disse a
jornalista Isabela Reis, que assina o principal texto desta edição do relatório.
Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-03/cada-24-horas-ao-menos-oito-mulheres-
s%C3%A3o-vitimas-de-violencia >. Acesso em: 07 jun. 2024.
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Texto III
Abusos sexuais no mundo do cinema: quais as chances de uma verdadeira mudança?
O produtor Harvey Weinstein foi basicamente escorraçado da própria produtora, denunciado por uma
lista de mulheres do calibre de Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow e expulso da Academia de Artes e
Ciências Cinematográficas e da Guilda de Produtores da América. Tudo graças aos casos de assédio
sexual e estupro que remontam décadas finalmente vindo à tona desde outubro. A polícia de Nova
York tem uma investigação em curso a partir de tantas denúncias, e a chance dele ir para a cadeia é
real.
Mesmo com essa ficha, uma grande interrogação pairou na cabeça de que acompanha mais de perto as
notícias do mundo do cinema quando as denúncias contra Weinstein tomaram uma proporção
gigantesca: quantos mais vão cair em desgraça como o magnata? Ou melhor, alguém de fato vai cair?
Afinal de contas, burburinhos e fofocas sobre relações de poder nada corretas na indústria
cinematográfica nunca foram novidade.
O efeito dominó, porém, mostrou-se plausível em 2017. Num movimento praticamente sem precedentes,
começamos a ver outros casos de toda sorte de homens do ramo sendo acusados de algum tipo de abuso,
com as vítimas finalmente sendo ouvidas e as mulheres perdendo o medo de denunciar que o assédio
moral e sexual em Hollywood não é novidade e nem exclusividade do caso Weinstein.
Os diretores Oliver Stone, Brett Ratner, Lars Von Trier e Giuseppe Tornatore; os atores Kevin Spacey,
Ben Affleck, Dustin Hoffman, Danny Masterson, Jeffrey Tambor e Steven Seagal; e o agente Adam
Venit são alguns dos que sofreram os efeitos da promessa de uma nova direção à maneira como a
indústria hollywoodiana encara o assédio às profissionais mulheres s-caso Weinstein. E a lista
aumenta.
[…]
As denúncias, aliadas a um front cada vez maior de mulheres, parece apontar para uma perspectiva de
mudanças nas condições de trabalho delas em Hollywood e para além do mundo do cinema também.
No domingo (12), centenas de pessoas marcharam no distrito de Los Angeles contra o tratamento
indigno às mulheres, seguindo um trajeto que seguia do Hollywood Boulevard e Highland Avenue,
passando pela Calçada da Fama e chegando aos escritórios da CNN. Intitulada #MeToo, a marcha se
posicionou a favor das vítimas de abuso sexual e contra a cultura permissiva de assédio às mulheres.
Disponível em: <http://www.cineset.com.br/abusos-sexuais-no-mundo-do-cinema-quais-as-chances-de-uma-verdadeira-
mudanca/>. Acesso em: 07 jun. 2024. Adaptado.
Texto IV
Disponível em: < https://blogs.correiobraziliense.com.br/aricunha/laranjal-e-feminicidio-mostram-um-brasil-que-nao-
respeita-suas-mulheres/ >. Acesso em: 07 jun. 2024.
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Texto V
Tipos de violência contra a mulher
Existem diferentes formas de violência contra a mulher das quais destacamos a violência intrafamiliar
ou doméstica, violência física, sexual, psicológica, moral, patrimonial e institucional. A violência
intrafamiliar é uma forma que muitas mulheres são submetidas, e ocorre entre os membros da família,
independentemente se o agressor mora na mesma casa ou não.
[...] A violência doméstica está presente em diferentes classes econômicas, entre casais heterossexuais
e também homossexuais. Em menor número, também há casos de violência doméstica contra homens.
É por esse motivo que a denominação de violência contra a mulher passou a ser violência conjugal,
abrangendo assim, os homens.
[...] Violência física é qualquer agressão que se sobre o corpo da mulher. Pode se dar por meio de
empurrões, queimaduras, mordidas, chutes, socos, pelo uso de armas brancas ou de fogo.
[...] A violência sexual é qualquer ato onde a vítima é obrigada, por meio de força, coerção ou ameaça,
a praticar atos sexuais degradantes ou que não deseja. Este tipo de violência também pode ser feito pelo
próprio marido ou companheiro da vítima. O Brasil registrou 1 estupro a cada 11 minutos em 2015,
atualmente são 3 vítimas a cada 11 minutos. São os Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e
Ipea, os mais utilizados sobre o tema.
[...] Violência psicológica e moral é a violência que se no abalo da autoestima da mulher por meio
de palavras ofensivas, desqualificação, difamação, proibições, etc.
A violência patrimonial é qualquer ato que tem por objetivo dificultar o acesso da vítima à autonomia
feminina, utilizando como meio a retenção, perda, dano ou destruição de bens e valores da mulher.
Violência institucional é qualquer ato constrangedor, fala inapropriada ou omissão de atendimento
realizado por agentes de órgãos públicos prestadores de serviços que deveriam proteger as vítimas dos
outros tipos de violência e reparar as consequências por eles causados.
Disponível em: < https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11306/Violencia-domestica-e-familiar-o-impacto-
na-relacao-com-a-Lei-Maria-da-Penha >. Acesso em: 07 jun. 2024.
O objetivo a ser alcançado com a atividade é promover a reflexão dos alunos em torno
de situações de violência possivelmente vividas ou presenciadas por eles, de maneira a
conscientizá-los e prevenir que sofram, participem ou até mesmo causem situações similares
no futuro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O gênero FC, como uma das vertentes que habitam o campo do fantástico, seja na
literatura ou nas telas de cinema, promove reflexões sobre o impacto da ciência ou elementos a
ela relacionadas sobre a vida dos indivíduos na esfera individual ou social. Neste caso, uma
obra de FC deve causar ao leitor o que ele chama de “estranhamento cognitivo”, ou seja, a
presença de elementos irreais, estranhos ao mundo real, o qual o leitor habita.
Dentro desse quadro, este projeto foi articulado na tentativa de estabelecer caminhos
para aulas no Ensino Médio, a fim de contextualizar o aluno, a partir da literatura e do cinema,
sobre situações que envolvem a violência contra o feminino. Nesse sentido, buscou-se propor
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soluções para essa problemática tão presente nos dias atuais e, infelizmente, perpetuada ao
longo da história.
Concluiu-se, portanto, que a FC, em especial a FC cyberpunk, é uma importante
ferramenta educacional, uma vez que, ao apresentar uma proposta de debate, também informa
e alerta seu espectador. Nesse tocante, o cyberpunk é um ótimo representante do gênero, pois
apresenta elementos que questionam desigualdades, propõe novas fórmulas sociais e a
desconstrução de padrões, como por exemplo, os androides, estudados neste artigo através dos
personagens retratados no filme Blade Runner: Caçador de Androides. No filme, os androides
mulheres são, em sua maioria, criadas com funções ligadas à satisfação do prazer masculino.
A ficção científica, considerada um meio de causar estranhamento ao público espectador
ao propor reflexão da relação do ser humano com a ciência e seus produtos, é composta por
narrativas que abordam a vida da sociedade em um cenário marcado pelos avanços da ciência
e da tecnologia. O gênero, então, utiliza dessa ferramenta para exagerar elementos presentes na
vida real ou criar novos, de maneira a colocar à frente das pessoas seus maiores medos, dentre
eles a perda de sua identidade humana para a tecnologia.
Dessa forma, a FC é capaz de criticar socialmente os mecanismos que estruturam a vida
em sociedade, mostrando-se elemento de grande valor para abertura do diálogo em torno de
temas polêmicos. Com isso, provando seu valor como estratégia de debate no ambiente escolar
em busca da conscientização dos alunos acerca de situações como a violência contra a mulher,
que muitas vezes não é identificada pela vítima, seja pela falta de informações, seja pela
imposição a situações de submissão.
O filme Blade Runner, ao mostrar uma cena violenta em que a violência cometida pelo
caçador de androides Deckard contra a ginoide/replicante Rachel, momento esse romantizado
e, talvez por isso, até mascarado, traz o importante debate sobre a violência naturalizada. A
análise da cena mediante a atividade proposta em sala de aula pode, então, conscientizar os
alunos sobre o caráter duvidoso de certas situações, informando e prevenindo que se tornem
vítimas ou até mesmo protagonistas de atitudes violentas, principalmente contra mulheres.
O propósito desta pesquisa, então, enquanto demonstração de que a FC, em especial a
FC Cyberpunk, pode ser utilizada como ferramenta educacional de combate à violência contra
as mulheres é válida e tem condições de corroborar com a hipótese de que a educação tem o
poder de transformar toda uma sociedade, como esta pesquisadora, enquanto mulher, mãe,
pesquisadora, professora e futura mestre, acredita, por mais utópico que possa parecer.
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