RECOCINE | v. 2 - n. 3 | set-dez | 2024 | ISSN: 2966-0513  
Eduarda Gracília Ramos Pedroso Romagnolli Fattori  
Graduada em Letras pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e mestranda em  
Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua nas áreas de representação feminina,  
ordem patriarcal, interartes e intermidialidade.  
Graduated in Literature from the Federal University of Technology Paraná (UTFPR) and a Master's student  
in Literature at the Federal University of Paraná (UFPR). Works in the fields of female representation,  
patriarchal order, interarts, and intermediality.  
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.  
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO COMERCIAL 4.0 INTERNACIONAL CREATIVE COMMONS CC BY-NC  
O PAPEL SOCIAL DA MULHER E A REVERSÃO DOS PODERES DE  
GÊNERO EM BOLO DE NOZES  
RESUMO  
A desvalorização feminina na sociedade é uma questão profundamente enraizada na lógica patriarcal,  
que há muito tempo impõe normas restritivas e negativas às mulheres, especialmente àquelas que se  
desviam das expectativas ditadas pelo universo masculino. Esta lógica se manifesta de várias maneiras,  
muitas vezes invisíveis, mas com impactos significativos na vida das mulheres. No estudo em questão,  
buscou-se explorar essas imposições sociais e as reviravoltas que elas provocam na dramaturgia,  
utilizando como objeto de análise a peça Bolo de nozes (1988), de Edla Van Steen. A escolha desta obra  
se justifica pela riqueza de elementos que ilustram as tensões entre as normas patriarcais e a resistência  
feminina. Para realizar essa análise, o estudo recorreu a uma série de textos teóricos, visando identificar  
e discutir as marcas do patriarcado presentes no desenrolar da trama. A relação entre Theo e as figuras  
femininas da peça, como Nina, Lili e Carlota, foi um dos focos principais, com uma atenção especial ao  
conflito entre Nina e Theo. Nina, como protagonista, representa a mulher que não se conforma com o  
papel submisso esperado pela sociedade e, em particular, por seu marido. Ela busca desviar-se do padrão  
patriarcal que caracteriza sua relação com Theo, o que gera um conflito central na peça. Esse embate  
revela muito sobre as expectativas masculinas em relação às mulheres e sobre a resistência feminina a  
essas expectativas. A partir da análise da peça, pôde-se compreender que Bolo de nozes não é apenas  
uma narrativa sobre relações pessoais, mas também uma crítica às estruturas sociais que limitam e  
moldam a experiência feminina. A trama desenvolve-se, portanto, em torno do esforço de Nina para  
desafiar e superar essas imposições, fazendo da peça um espaço de reflexão sobre o papel da mulher na  
sociedade e as possibilidades de subversão das normas patriarcais.  
Palavras-chave: Bolo de nozes. Dramaturgia. Edla Van Steen. Figuras femininas. Patriarcado.  
THE SOCIAL ROLE OF WOMEN AND THE REVERSAL OF GENDER POWER IN  
BOLO DE NOZES  
ABSTRACT  
The devaluation of women in society is a deeply ingrained issue rooted in patriarchal logic, which has  
long imposed restrictive and negative norms on women, especially those who deviate from the  
expectations dictated by the male-dominated world. This logic manifests in various ways, often  
invisible, but significantly impacts women's lives. The study sought to explore these social impositions  
and the twists they provoke in dramaturgy, using the play Bolo de nozes (1988) by Edla Van Steen as  
the object of analysis. The choice of this work is justified by its rich elements that illustrate the tensions  
between patriarchal norms and female resistance. To carry out this analysis, the study drew on a series  
of theoretical texts, aiming to identify and discuss the marks of patriarchy present in the unfolding of  
the plot. The relationship between Theo and the female characters in the play, such as Nina, Lili, and  
Carlota, was one of the main focuses, with special attention given to the conflict between Nina and Theo.  
Nina, as the protagonist, represents the woman who does not conform to the submissive role expected  
by society and, in particular, by her husband. She seeks to deviate from the patriarchal pattern that  
characterizes her relationship with Theo, which generates a central conflict in the play. This clash reveals  
much about male expectations of women and female resistance to these expectations. Through the  
analysis of the play, it became clear that Bolo de nozes is not just a narrative about personal relationships  
but also a critique of the social structures that limit and shape the female experience. The plot, therefore,  
revolves around Nina's effort to challenge and overcome these impositions, making the play a space for  
reflection on the role of women in society and the possibilities of subverting patriarchal norms.  
Keywords: Bolo de nozes. Dramaturgy. Edla Van Steen. Female Figures. Patriarchy.  
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INTRODUÇÃO  
Edla van Steen foi uma autora brasileira amplamente reconhecida por suas contribuições  
à literatura e dramaturgia, recebendo diversos prêmios ao longo de sua carreira. Suas obras são  
conhecidas por abordarem temas sociais relevantes, com ênfase especial na crítica à estrutura  
social imposta às mulheres. Uma dessas obras, a peça Bolo de nozes, é um exemplo claro de  
como Van Steen (1998) utilizava sua escrita para explorar e denunciar as injustiças e limitações  
enfrentadas pelas mulheres em uma sociedade patriarcal. Este artigo se propõe a analisar as  
questões sociais que permeiam a vida feminina representada na obra, destacando a maneira  
como Van Steen constrói suas personagens e as dinâmicas de poder entre elas.  
Para iniciar essa análise, é essencial compreender que o papel social da mulher, de  
maneira ampla, especialmente na cultura ocidental, sempre esteve ligado à esfera doméstica e  
ao cuidado dos filhos. Esse papel foi historicamente construído e reforçado por uma série de  
normas e expectativas sociais que ditavam o lugar da mulher na sociedade. Nas últimas décadas,  
no entanto, essas funções começaram a se transformar, acompanhando as mudanças sociais,  
econômicas e tecnológicas que afetaram a sociedade como um todo. Apesar dessas mudanças,  
ainda há uma expectativa generalizada de que as mulheres assumam uma posição de submissão  
e servidão, especialmente dentro do ambiente familiar. Com base nessa premissa, este artigo  
investiga como essas expectativas são representadas em Bolo de nozes e de que maneira a peça  
questiona e subverte essas normas.  
Além disso, o artigo busca examinar a inversão de poderes entre o casal principal da  
obra e o papel do sexo na relação de poder entre os personagens. A obra de Van Steen revela  
como o controle e a manipulação dentro das relações íntimas podem ser reflexos das dinâmicas  
de poder mais amplas presentes na sociedade. O estudo dos textos de filósofos e sociólogos  
como Michel Foucault (1988), Louis Althusser (1970) e Pierre Bourdieu (2012) fornece uma  
base teórica para comparar suas ideias com as situações apresentadas na peça. Através dessa  
análise, é possível interpretar as relações femininas em Bolo de nozes como parte de uma  
ideologia dominante que impõe às mulheres um papel de submissão em relação aos homens,  
penalizando-as quando tentam resistir ou desafiar essas imposições. Assim, a obra não só  
reflete, mas também critica a condição feminina, utilizando a dramaturgia como um meio de  
questionar e desestabilizar as normas patriarcais.  
A OBRA - BOLO DE NOZES  
A peça Bolo de nozes de Edla van Steen é estruturada em três atos que se passam em  
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diferentes períodos de tempo: 1968, 1977 e 1987. Esses momentos capturam o desenvolvimento  
e a deterioração das relações entre os personagens principaisNina, Theo, Lili e Carlotaao  
longo de quase duas décadas. Cada parte da peça não só avança na linha do tempo, mas também  
oferece uma visão mais profunda das complexidades das relações interpessoais e das pressões  
sociais e políticas que moldam as vidas dos personagens.  
A primeira parte da peça se desenrola em 1968, um ano significativo tanto para a história  
pessoal dos personagens quanto para o contexto político do Brasil, marcado pelo início da  
ditadura militar. Aqui, encontramos Nina e Theo celebrando seu primeiro ano de casamento.  
Theo, um professor universitário e ex-professor de Nina, e ela, uma artista plástica promissora,  
vivem um momento de amor e esperança. O clima desta primeira parte é dominado por um  
romantismo jovem, refletido nos diálogos cheios de nostalgia e nos planos ambiciosos para o  
futuro. Mesmo em meio ao romance, há menções sutis ao cenário político do país, oferecendo  
uma camada adicional de tensão ao ambiente aparentemente idílico.  
A segunda parte da peça, ambientada em 1977, revela um cenário muito diferente.  
Agora, no décimo aniversário de casamento de Nina e Theo, o clima de discórdia é evidente  
desde o início. As discussões entre o casal refletem não apenas as tensões do relacionamento,  
mas também as pressões externas, como a cassação de Theo na universidade e sua relutância  
em ajudar Nina a administrar a malharia da família, que ela herdou após a morte dos pais. O  
desgaste emocional entre os dois é palpável, com Nina esquecendo-se do aniversário de  
casamento e sendo lembrada do evento pela chegada surpresa de suas irmãs, Lili e Carlota. Esta  
parte da peça destaca como os sonhos e esperanças do início do casamento se desintegram frente  
às dificuldades da vida real e às expectativas sociais.  
A terceira e última parte, situada em 1987, mostra o completo colapso do casamento de  
Nina e Theo. A relação entre os dois se deteriorou a tal ponto que Theo está envolvido  
romanticamente com Carlota, enquanto Nina busca sua independência, tanto emocional quanto  
profissional. Ela está se preparando para se separar de Theo e inicia um relacionamento com  
Raul, que também tem uma ligação com Lili. Este ato final não só explora a fragmentação das  
relações interpessoais, mas também as escolhas de vida dos personagens: Theo, fiel a suas  
convicções ideológicas, recusou a chance de retornar à universidade, optando por dar aulas  
particulares, enquanto Nina prospera na administração da malharia, mostrando sua capacidade  
de adaptação e crescimento.  
A peça culmina de forma abrupta e trágica. Uma ligação anuncia que a malharia está  
pegando fogo, e as irmãs, em um gesto de ironia ou resignação, cantam "Parabéns" para Theo,  
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enquanto o som de um tiro ecoa no fundo. Este final abrupto e dramático deixa uma sensação  
de desespero e impotência, sugerindo a inevitabilidade do colapso, tanto das relações pessoais  
quanto das instituições e sonhos que uma vez foram tão importantes para os personagens.  
O PAPEL DE SUBMISSÃO DA MULHER NA ESTRUTURA SOCIAL  
O papel social da mulher tem passado por transformações significativas, especialmente  
nas últimas décadas, com o avanço dos movimentos feministas, mudanças nas leis de igualdade  
de gênero, e o aumento da participação feminina no mercado de trabalho e na esfera pública.  
No entanto, apesar dessas conquistas e das transformações culturais e sociais, certos aspectos  
desse papel permanecem praticamente inalterados. Um dos exemplos mais evidentes dessa  
continuidade é o papel atribuído à mulher dentro do ambiente doméstico e na dinâmica das  
relações entre homem e mulher, particularmente no contexto do casamento.  
Dentro do lar, a mulher ainda é frequentemente vista como a principal responsável pelas  
tarefas domésticas e pelo cuidado dos filhos, mesmo quando ela também exerce atividades fora  
de casa. Essa expectativa se mantém como uma norma social que, embora tenha sido  
questionada e contestada, ainda resiste em muitas culturas e classes sociais. No contexto do  
casamento, essa desigualdade é ainda mais evidente. Tradicionalmente, as relações entre os  
sexos são estruturadas em uma base hierárquica, no qual o homem é frequentemente colocado  
em uma posição de autoridade e controle sobre a mulher. Essa dinâmica de poder, que Costa  
(2008) observa como um aspecto pervasivo das relações de gênero, sustenta a ideia de que o  
homem deve ser o provedor e a figura dominante, enquanto a mulher ocupa uma posição de  
subordinação.  
Mesmo com a crescente conscientização e os esforços para promover a igualdade de  
gênero, essas estruturas de poder continuam a influenciar as expectativas sociais e os  
comportamentos dentro dos relacionamentos heterossexuais. A permanência dessas normas  
reflete a dificuldade de superar séculos de construções culturais e ideológicas que moldaram as  
identidades de gênero de forma rígida e desigual. Essa persistência não só reforça a posição de  
domínio do homem sobre a mulher, mas também perpetua um sistema de valores que naturaliza  
a desigualdade, tornando a mudança uma tarefa complexa e gradual. Assim, enquanto o papel  
social da mulher está em evolução, ele ainda enfrenta barreiras significativas que o mantêm  
preso a padrões tradicionais de subordinação dentro do contexto doméstico e das relações  
conjugais.  
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Como já vimos em muitas outras oportunidades, esta subalternidade,  
determinante na condição feminina, é fruto do seu papel de gênero. Sabemos  
que a sociedade através de suas instituições (aparelhos ideológicos), da  
cultura, das crenças e tradições, do sistema educacional, das leis civis, da  
divisão sexual e social do trabalho, constrói mulheres e homens como sujeitos  
bipolares, opostos e assimétricos: masculino e feminino envolvidos em uma  
relação de domínio e subjugação.  
[...]Isso significa dizer que o domínio patriarcal (masculino) apresenta na  
sociedade distintas manifestações. Ele está presente no cotidiano do mundo  
doméstico e do mundo público. Não é preciso praticar a discriminação aberta  
contra a mulher ou a violência explícita para demonstrar sua presença na  
medida em que esse poder de gênero está assegurado através dos privilégios  
masculinos e das desigualdades entre homens e mulheres (Costa, 2005, p. 3-  
4).  
A citação de Costa (2008) oferece uma reflexão profunda sobre a condição feminina e  
a maneira como a subalternidade das mulheres é construída e perpetuada na sociedade. Ao  
afirmar que essa subalternidade é um produto direto do papel de gênero imposto às mulheres,  
o autor nos lembra de como a sociedade utiliza suas instituiçõeso que Althusser (1970)  
chamou de Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE)para criar e reforçar identidades de gênero  
que são fundamentalmente assimétricas. Essas instituições, que incluem a família, a escola, as  
tradições culturais e religiosas, bem como o sistema legal, operam de forma a consolidar uma  
divisão bipolar entre o masculino e o feminino: o primeiro é associado ao poder e à autoridade,  
e o segundo à submissão e à passividade.  
Costa (2008) destaca que o domínio patriarcal se manifesta de maneiras tanto sutis  
quanto explícitas, permeando tanto o mundo doméstico quanto o público. Esta onipresença do  
poder masculino significa que, mesmo na ausência de discriminação aberta ou violência contra  
as mulheres, a desigualdade de gênero continua a ser uma realidade constante. A citação sugere  
que o patriarcado não precisa se afirmar de forma agressiva para ser eficaz; ao contrário, ele se  
sustenta por meio dos privilégios que os homens desfrutam e das desigualdades estruturais que  
são profundamente enraizadas nas normas sociais.  
O comentário de Costa (2008) também sublinha a ideia de que as identidades de gênero  
são construções sociais, e que, por serem construídas dessa maneira, elas podem ser  
desconstruídas e transformadas. No entanto, essa transformação é complexa, dado que as  
desigualdades de gênero estão naturalizadas na cultura e nas instituições sociais, tornando-se  
parte do "senso comum". Ao reconhecer que o domínio patriarcal é assegurado de forma sutil  
e institucional, a citação nos desafia a refletir sobre as maneiras pelas quais essas estruturas de  
poder podem ser questionadas e eventualmente subvertidas, promovendo uma sociedade mais  
equitativa e justa para todos os gêneros.  
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Além disso, a visão subalternizada da mulher é reforçada e legitimada por mecanismos  
ideológicos que operam de forma insidiosa e eficaz dentro da sociedade, os quais Louis  
Althusser (1970) denomina como Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Esses aparelhos  
consistem em instituições fundamentais, como a família, a escola, as religiões, os meios de  
comunicação, e o sistema legal, entre outros, que desempenham um papel crucial na reprodução  
das ideologias dominantes. Segundo Althusser (1970), essas instituições não apenas  
disseminam e reforçam as normas e valores que servem aos interesses daqueles que detêm o  
poder, mas também moldam as percepções e comportamentos dos indivíduos de maneira que  
estes internalizem e aceitem essas normas como naturais e inevitáveis.  
A família, em particular, é destacada por Althusser (1970) como um dos principais  
AIEs, desempenhando um papel central na transmissão das expectativas de gênero. Desde a  
infância, meninos e meninas são socializados para ocupar papéis específicos dentro dessa  
estrutura hierárquica: os meninos são preparados para exercer autoridade e liderança, enquanto  
as meninas são educadas para a submissão, o cuidado e a manutenção do lar. Essa socialização  
inicial é fundamental para a perpetuação das relações de poder desiguais entre os gêneros, pois  
estabelece as bases para a aceitação de uma ordem social que coloca o masculino em posição  
de superioridade em relação ao feminino.  
Se os AlE «funcionam» de maneira massivamente prevalente pela ideologia,  
o que unifica a sua diversidade é precisamente este funcionamento, na medida  
em que a ideologia pela qual funcionam é sempre unificada apesar das suas  
contradições e da sua diversidade, na ideologia dominante que é a da «classe  
dominante» (Althusser, 1970, p. 48).  
Althusser (1970) nos revela é o poder dos AIEs em moldar a consciência e o  
comportamento dos indivíduos de uma maneira que favorece a manutenção da estrutura de  
poder existente. Essa operação ideológica sutil e eficaz é um dos pilares da dominação social,  
pois ela legitima e naturaliza as relações de poder, tornando-as parte do senso comum e,  
portanto, difíceis de contestar  
Neste contexto, a classe dominante é identificada como a classe masculina, que se  
beneficia diretamente da ideologia patriarcal para manter e reforçar a estrutura social existente.  
O patriarcado, enquanto sistema de dominação masculina, cria e perpetua normas e práticas que  
asseguram a subordinação das mulheres em relação aos homens, consolidando a desigualdade  
de gênero de maneira sistemática. A ideologia patriarcal não é apenas uma crença ou um  
conjunto de normas explícitas, mas um complexo sistema que se infiltra em todos os aspectos  
da vida social e cultural, moldando as percepções e comportamentos de forma insidiosa.  
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Para Pierre Bourdieu (2012), a imposição patriarcal se manifesta de maneira indireta,  
utilizando símbolos e práticas culturais que são frequentemente percebidos como naturais e  
inofensivos, mas que têm um impacto profundo e duradouro sobre as relações de gênero. Esses  
símbolos podem incluir a linguagem, os comportamentos cotidianos, as representações  
culturais e os valores sociais que reforçam a superioridade masculina e a subordinação  
feminina. Por exemplo, os papéis de gênero tradicionalmente atribuídos, as expectativas sociais  
sobre a aparência e o comportamento das mulheres, e as normas que limitam as oportunidades  
e os direitos das mulheres são todos aspectos que operam por meio de um simbolismo sutil.  
Através desse simbolismo, a ideologia patriarcal se torna mais difícil de contestar, uma  
vez que muitas dessas normas e expectativas são internalizadas desde cedo e apresentadas como  
parte do senso comum. As práticas que reforçam a subordinação feminina são muitas vezes  
naturalizadas e invisibilizadas, fazendo com que a desigualdade de gênero pareça uma  
consequência inevitável da natureza humana, e não o resultado de um sistema social construído  
e mantido por interesses específicos.  
Bourdieu (2012) argumenta que essa forma de dominação é mais eficaz porque opera  
através de uma "violência simbólica" que não é explícita ou física, mas que tem um poder  
igualmente coercitivo. A violência simbólica se manifesta na forma como as normas sociais e  
culturais são internalizadas e aceitas como legítimas, moldando a forma como as mulheres  
percebem seu próprio papel e suas possibilidades na sociedade. Assim, a classe dominante  
masculina consegue manter seu poder e privilégio de maneira discreta, mas extremamente  
eficaz, perpetuando um sistema de desigualdade que parece autoevidente e imutável.  
A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa  
justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem  
necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem  
social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a  
dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho,  
distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos,  
de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo  
o lugar de assembléia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa,  
reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o  
salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura  
do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de  
ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos (Bourdieu,  
2012, p. 18).  
Pierre Bourdieu (2012) destaca como a ordem patriarcal masculina se estabelece como  
uma estrutura social naturalizada que não necessita de justificativa explícita. Bourdieu (2012)  
argumenta que a visão androcêntrica é imposta como uma norma neutra e universal, tornando-  
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se uma parte intrínseca das práticas sociais e culturais. Essa naturalização ocorre porque a  
ideologia patriarcal está profundamente enraizada, tornando-se invisível e, portanto, percebida  
como a norma natural da sociedade.  
Bourdieu (2012) descreve a sociedade como uma “máquina simbólica” que perpetua a  
dominação masculina por meio de práticas e estruturas que são frequentemente aceitas como  
naturais. A divisão de trabalho, por exemplo, é estrita e reflete uma atribuição desigual de  
responsabilidades: as mulheres são frequentemente encarregadas do trabalho doméstico e do  
cuidado familiar, enquanto os papéis de liderança e produção pública são predominantemente  
masculinos. Essa divisão contribui para a manutenção da desigualdade de gênero ao restringir  
as oportunidades e o reconhecimento das mulheres.  
A estrutura espacial também reforça a hierarquia de gênero, com espaços de poder e  
decisão, como o mercado e a política, dominados por homens, e a casa, junto com as atividades  
domésticas, associada às mulheres. Dentro do ambiente doméstico, a divisão do espaço entre  
áreas masculinas e femininas reforça a ideia de que os espaços de poder são masculinos.  
Além disso, o ciclo de vida e as etapas da vida são estruturados de acordo com normas  
de gênero, com momentos significativos e públicos associados aos homens e as experiências  
femininas, como a gestação, confinadas ao âmbito privado.  
A força dessa estrutura reside na sua capacidade de se manifestar de maneira implícita  
e automática, fazendo com que a desigualdade de gênero pareça uma parte natural da ordem  
social. A ideologia androcêntrica não precisa ser explicitamente defendida, pois está  
incorporada e aceita como parte do senso comum. Bourdieu (2012) sugere que a análise crítica  
dessas normas e práticas pode revelar e questionar as bases da dominação patriarcal, desafiando  
as estruturas que sustentam a desigualdade de gênero.  
Posto isso, pode-se compreender que o papel da mulher, conforme construído e  
internalizado na cultura ocidental, é profundamente entrelaçado com a ideologia patriarcal que  
impõe a submissão das mulheres em relação aos homens. Essa ideologia, que permeia diversas  
esferas da vida social, econômica e política, estabelece que o feminino deve ocupar uma posição  
subordinada e dependente, enquanto o masculino é visto como o padrão de autoridade e  
liderança.  
Dentro desse sistema, as características e funções atribuídas ao feminino são  
sistematicamente desvalorizadas. O que é considerado feminino não apenas é relegado a uma  
posição inferior, mas frequentemente é ridicularizado ou desmerecido quando comparado ao  
que é visto como masculino. Essa desvalorização se manifesta de várias maneiras, desde a  
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representação cultural e a linguagem até as práticas institucionais e sociais. Por exemplo, as  
atividades e competências tradicionalmente associadas às mulheres, como o cuidado e o  
trabalho doméstico, são frequentemente minimizadas e não recebem o mesmo reconhecimento  
ou compensação que as funções associadas aos homens, como a liderança e a produção pública.  
Além disso, essa dinâmica de desvalorização é reforçada por meio de estereótipos e  
normas sociais que perpetuam a ideia de que o masculino é o ideal de força, competência e  
racionalidade, enquanto o feminino é associado à fraqueza, emocionalidade e irracionalidade.  
Esses estereótipos não apenas justificam a desigualdade existente, mas também impedem a  
mudança ao manter as mulheres em uma posição de inferioridade e os homens em uma posição  
de privilégio.  
A internalização dessas normas e valores faz com que a desigualdade de gênero pareça  
uma característica inata e inevitável, em vez de uma construção social passível de  
transformação. Como resultado, a posição da mulher na sociedade continua a ser moldada por  
uma ideologia que perpetua a dominação masculina e a subordinação feminina, reforçando uma  
estrutura de poder que favorece a continuidade das desigualdades de gênero. Para superar essas  
desigualdades, é necessário um exame crítico e uma desconstrução dessas normas sociais e  
culturais, promovendo uma reavaliação dos papéis de gênero e uma valorização equitativa das  
contribuições de todos os indivíduos, independentemente de seu gênero.  
A INVERSÃO DE PODERES ENTRE NINA E THEO  
Nas duas primeiras partes da peça, a dinâmica entre Theo e Nina é reveladora de uma  
relação de poder que é claramente construída socialmente. Inicialmente, a estrutura de poder é  
inequívoca, com Theo assumindo uma posição hierárquica superior na relação. Esta supremacia  
masculina é evidenciada pelo modo como Nina se submete às decisões e preferências de Theo.  
Um exemplo notável dessa subordinação ocorre quando Nina, ao lidar com a gravidez, permite  
que Theo assuma o controle das decisões relacionadas a esse aspecto pessoal e significativo de  
suas vidas. Da mesma forma, Nina deixa Theo determinar se o casal deve ou não viajar para o  
exterior, demonstrando uma deferência que reflete a hierarquia masculina predominante.  
Na primeira parte da peça, essas dinâmicas de poder são manifestadas em vários  
aspectos da vida do casal, no qual Theo exerce controle não apenas sobre as decisões  
financeiras, mas também sobre as direções importantes da vida de ambos. A forma como Nina  
concede a Theo a autoridade em questões cruciais evidencia a internalização de normas  
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patriarcais que priorizam a voz masculina sobre a feminina, reforçando a ideia de que as  
mulheres devem se submeter aos desejos e decisões dos homens.  
Porém, na segunda parte da peça, uma mudança significativa começa a ocorrer na  
relação entre Theo e Nina. O cenário muda quando Theo decide abrir mão de sua posição de  
superioridade e delegar a Nina o controle da fábrica, o que inclui também o controle financeiro  
da família. Esta mudança representa uma inversão importante na estrutura de poder estabelecida  
anteriormente. A decisão de Theo de permitir que Nina assuma essas responsabilidades e, por  
conseguinte, uma posição de maior autonomia, sinaliza um reconhecimento tácito da  
capacidade de Nina de gerenciar e tomar decisões importantes, desafiando a hierarquia  
tradicional que ele mesmo havia estabelecido.  
Essa alteração na dinâmica de poder ilustra uma reavaliação das normas de gênero e dos  
papéis tradicionais que moldaram a relação do casal até aquele momento. A transformação  
gradual na relação entre Theo e Nina não apenas reflete a evolução da dinâmica pessoal entre  
eles, mas também pode ser vista como um microcosmo das mudanças sociais mais amplas que  
questionam e redefinem as estruturas de poder de gênero na sociedade.  
NINA - Entendi. O sacrifício deve ser meu, não é? THÉO - Sinto muito, Nina.  
Mas não vejo outra saída. Fracassei no meu ramo... NINA - Aí é que está.  
Você podia se realizar fazendo outra coisa. THÉO - E fracassar de novo? Não,  
obrigado. Eu gosto de dar aulas e de estudar. Só para isso que eu tenho algum  
talento, entendeu? NINA - Na hora que eu mais necessito, você me abandona  
e não abre mão de fazer aquilo que gosta. Você não é mais o homem com  
quem me casei. E um egoísta. THÉO - Desculpe, você escolheu o homem  
errado. NINA - Acho que sim. Me enganei. THÉO - Você não é também a  
mulher que eu pensava. (Van Steen, 1998, p. 8)  
No entanto, a decisão de Theo de abrir mão de seu papel dominante ocorre de forma  
inconsciente e é marcada por uma ambiguidade significativa. Theo opta por delegar a Nina o  
controle da fábrica e, consequentemente, das finanças da família, mas essa decisão é realizada  
sem uma real reflexão sobre o impacto profundo dessa mudança na dinâmica de poder entre  
eles. Ele parece agir movido mais por uma necessidade de evitar confrontos diretos e manter  
sua situação confortável do que por uma verdadeira vontade de promover uma redistribuição  
de poder.  
Theo está imerso em uma posição de privilégio que lhe confere um nível de conforto e  
prestígio, como evidenciado por sua posição de professor universitário. Essa posição não  
apenas assegura seu status social, mas também alimenta seu ego, fornecendo-lhe uma  
identidade pública que ele valoriza imensamente. A ideia de abrir mão dessa distinção, ou  
mesmo de se ver reduzido a uma posição de menor autoridade, é algo que Theo evita a todo  
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custo. Ele não está disposto a sacrificar sua posição de prestígio ou a enfrentar a possibilidade  
de que essa mudança possa abalar sua autoimagem e o reconhecimento social que recebeu ao  
longo dos anos.  
Além disso, a disposição de Theo para transferir responsabilidades financeiras e de  
gestão para Nina, sem uma real consideração ou reconhecimento do impacto que isso pode ter  
em seu próprio papel e identidade, sugere uma falta de compromisso genuíno com a igualdade  
de gênero. A transferência de responsabilidade é realizada mais como uma forma de evitar  
conflitos ou desconforto pessoal do que como um passo consciente em direção à equidade e à  
redistribuição do poder.  
Em suma, Theo age de maneira a preservar sua posição de conforto e prestígio, enquanto  
tenta suavizar as tensões na relação. No entanto, sua falta de disposição para enfrentar a  
realidade de uma mudança real e significativa na estrutura de poder revela uma resistência  
implícita à verdadeira transformação das normas de gênero e ao impacto que isso poderia ter  
em sua identidade e prestígio pessoal.  
Na parte final da peça, os papéis de poder entre Theo e Nina são explicitamente  
invertidos, marcando uma reconfiguração significativa na dinâmica da relação conjugal e  
econômica do casal. A consolidação de Nina na posição de diretora da fábrica representa uma  
mudança drástica, na qual ela assume o controle das finanças e das decisões econômicas da  
família. Esta mudança estabelece Nina como a principal detentora do poder econômico dentro  
da relação, uma virada notável em comparação com a estrutura anterior na qual Theo dominava  
essas esferas.  
No entanto, apesar dessa inversão econômica e do avanço de Nina para uma posição de  
maior autonomia e influência externa, as relações de poder dentro da esfera conjugal e  
doméstica continuam a refletir a influência das normas patriarcais, embora de maneira abalada.  
A transição para uma nova configuração de poder não elimina automaticamente os padrões  
profundamente enraizados de dominação masculina que persistem no contexto do  
relacionamento pessoal e das interações diárias entre os cônjuges. A estrutura de poder ainda é  
moldada por velhos hábitos e expectativas, evidenciando que mudanças no domínio econômico  
não necessariamente se traduzem em uma alteração profunda e imediata das dinâmicas de poder  
pessoal e emocional.  
Costa (2018) explora como os movimentos feministas do século XX foram  
fundamentais para facilitar a entrada das mulheres no mercado de trabalho, permitindo-lhes  
ocupar posições de maior visibilidade e influência econômica. Esses movimentos promoveram  
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mudanças legislativas e culturais que abriram portas para a igualdade no emprego e na  
remuneração, possibilitando que as mulheres desafiassem a antiga estrutura patriarcal que as  
confinava a papéis de subordinação e dependência financeira. Apesar desses avanços no  
mercado de trabalho, Costa também observa que, no ambiente doméstico, muitas mulheres  
ainda enfrentavam expectativas tradicionais que as relegavam a posições de submissão.  
Esse contraste entre os avanços no mercado de trabalho e a persistência das normas  
patriarcais no âmbito doméstico reflete uma realidade complexa cuja igualdade econômica não  
necessariamente resulta em uma igualdade total de poder e respeito dentro do lar. Assim,  
enquanto Nina consegue ganhar poder econômico e profissional, as questões de poder e controle  
nas esferas íntimas e domésticas continuam a ser uma batalha em aberto, sublinhando a  
necessidade de uma transformação mais abrangente que aborde tanto as dimensões públicas  
quanto privadas da desigualdade de gênero.  
[...] Na verdade, muitos deles [direitos] conseguiram ampliar a renda familiar,  
garantir o acesso das mulheres à saúde, a educação etc., mas não  
proporcionaram mudanças significativas na posição das mulheres. Estas  
continuaram subjugadas, excluídas de qualquer esfera de decisão e autonomia.  
Não podemos esquecer que a incorporação massiva das mulheres no mercado  
de trabalho, em especial na indústria, apesar de garantir um incremento na  
renda familiar e retirar a mulher do isolamento doméstico, não proporcionou  
uma autonomia do sujeito feminino ou qualquer divisão sexual do trabalho.  
Acarretou, isso sim, numa sobrecarga de trabalho (a segunda jornada), num  
aumento de responsabilidades, no abandono dos filhos, uma maior  
vulnerabilidade ao assedio e a violência sexual (Costa, 2018, p. 5).  
Nina não se encaixa perfeitamente na descrição de Costa (2018) sobre a mulher da classe  
trabalhadora, uma vez que ela pertence à classe burguesa e é proprietária de um meio de  
produção significativo, a malharia. Esse posicionamento econômico e social diferencia Nina  
das trabalhadoras fora de casa, conferindo-lhe uma distinção e um grau de autonomia que  
parecem descolar a dinâmica de poder de gênero tradicional. No entanto, essa distinção  
econômica não se traduz em uma emancipação completa dentro do âmbito doméstico. Apesar  
de seu papel como gerente da malharia e sua posição econômica privilegiada, Nina continua a  
enfrentar os constrangimentos impostos pela ideologia patriarcal dentro do espaço privado.  
Dentro de casa, a tentativa de Theo de manter Nina em uma posição subordinada reflete  
uma persistência das normas patriarcais, independentemente de suas conquistas externas. À  
medida que Theo experimenta a perda de seu papel tradicional de provedor e a consequente  
diminuição de seu poder sobre o ambiente doméstico, ele busca maneiras de restaurar seu  
controle, ainda que de forma simbólica e dissimulada. Esse esforço para reafirmar sua posição  
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dominante se manifesta através da violência simbólica, um conceito elucidado por Pierre  
Bourdieu (2012) e discutido por Costa (2008).  
A violência simbólica que Theo exerce sobre Nina se manifesta de várias maneiras sutis,  
mas profundamente impactantes. Entre essas formas, estão a negação de atenção e o controle  
sobre a vida sexual de Nina, estratégias que visam reafirmar seu poder e manter a dinâmica de  
submissão. Ao impor esses controles, Theo tenta recuperar um sentido de autoridade e domínio  
que se vê ameaçado pela mudança na estrutura de poder econômico. A violência simbólica,  
conforme descrita por Costa (2008), é uma forma encoberta e insidiosa de manutenção de poder,  
que se diferencia da violência física explícita por sua capacidade de ser integrada nas interações  
cotidianas e nas expectativas sociais.  
Costa (2008) descreve essa violência simbólica como uma estratégia de poder que opera  
através de mecanismos sutis e muitas vezes invisíveis, projetando-se para preservar a hierarquia  
social estabelecida e garantir que as desigualdades de gênero sejam mantidas mesmo em  
contextos em que as mudanças econômicas e sociais parecem desafiar a ordem tradicional. A  
persistência da violência simbólica, portanto, reflete a complexidade da luta pela igualdade de  
gênero, cujos avanços externos podem coexistir com a manutenção de estruturas de poder  
dissimuladas e profundamente enraizadas no contexto doméstico.  
Isso significa dizer que o domínio patriarcal (masculino) apresenta na  
sociedade distintas manifestações. Ele está presente no cotidiano do mundo  
doméstico e do mundo público. Não é preciso praticar a discriminação aberta  
contra a mulher ou a violência explícita para demonstrar sua presença na  
medida em que esse poder de gênero está assegurado através dos privilégios  
masculinos e das desigualdades entre homens e mulheres. (Costa, 2008, p.4)  
No último diálogo entre Theo e Nina, a insatisfação e o ressentimento de Theo em  
relação à inversão de poder que ocorreu entre eles se manifestam de maneira explícita e  
emocional. Ele expressa seu descontentamento ao afirmar: “THÉO - Então, o que não tem  
remédio, remediado está. Perdi coisas mais importantes na minha vida: fui capado como ser  
humano.” Essa declaração revela a profundidade do desconforto de Theo com a mudança na  
dinâmica de poder e o impacto psicológico que isso teve sobre ele. Theo não apenas se sente  
ameaçado pela ascensão de Nina, mas também pela perda de seu status tradicional de provedor  
e figura dominante na relação.  
Para Theo, a inversão de papéis é não apenas uma mudança econômica, mas uma  
questão profundamente pessoal que atinge sua identidade e autoimagem. Ele se vê como um  
"capado", no sentido metafórico de ter sido castrado de sua autoridade e prestígio. A metáfora  
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de ser "capado como ser humano" sugere que Theo sente que sua identidade e valor pessoal  
foram severamente diminuídos pela mudança na estrutura de poder, refletindo uma sensação de  
impotência e diminuição que transcende o plano meramente econômico.  
Theo fica profundamente incomodado ao ver Nina ocupando o papel que ele  
tradicionalmente deveria desempenhar: ela vai trabalhar e sustenta a casa, enquanto ele se vê  
confinado ao ambiente doméstico. A inversão das funções, em que Nina ganha prestígio e  
reconhecimento profissional, enquanto Theo luta para se manter em uma posição de menor  
importância, como dar aulas particulares, exacerba ainda mais seu sentimento de inadequação.  
Essa mudança faz com que Theo desmereça os esforços e as conquistas de Nina. Ele minimiza  
suas contribuições, desconsiderando a importância do trabalho que mantém a família e rejeita  
suas tentativas de auxiliá-lo, subestimando a magnitude de sua própria dependência do sucesso  
e da segurança financeira proporcionados por Nina.  
Theo vê a presença de Nina no mercado de trabalho e sua ascensão profissional como  
uma ameaça direta à sua masculinidade e posição social. A recusa em reconhecer os esforços  
de Nina reflete uma resistência a aceitar a nova realidade e uma tentativa de preservar a  
hierarquia tradicional, mesmo quando o trabalho e o sustento da família são, paradoxalmente,  
garantidos pela contribuição de Nina. A incapacidade de Theo em reconhecer e valorizar o  
trabalho de Nina ilustra uma atitude profundamente enraizada nas normas patriarcais que ainda  
definem seu entendimento de valor e poder dentro da relação. Essa dinâmica destaca a  
complexidade das questões de poder e identidade em jogo, na qual as transformações externas  
não garantem automaticamente a transformação das percepções internas e das relações de  
poder.  
THÉO - E, sim. Você me queria lá na fábrica, fingindo ter dado a volta por  
cima nos problemas da universidade. Eu, o infeliz professor cassado,  
transformado em medíocre executivo, em marido da presidente, de terno e  
gravata, almoçando com gerentes de bancos, com fornecedores, fazendo pose  
de eficiente, de bem sucedido - o carro possante último tipo estacionado na  
garagem - e que chega em casa exausto, louco para tomar um porre e esquecer  
o prostituto que se tornou. NINA - Você se sente muito melhor, assim como  
está? THÉO - Pelo menos posso olhar minha cara no espelho sem sentir nojo  
de mim. NINA - Entendo. Falando francamente, aprendi a gostar da fábrica.  
Não me pesa mais. (Van Steen, 1998, p. 28).  
Nina fez uma escolha significativa ao abrir mão de sonhos e aspirações pessoais para  
apoiar Theo e manter a estabilidade familiar. Ela sacrificou suas próprias ambições e  
oportunidades para que Theo pudesse seguir com seus objetivos profissionais e manter sua  
posição tradicional de provedor e figura dominante. Este ato de renúncia demonstra o  
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compromisso de Nina com a relação e a família, refletindo uma dedicação que muitas vezes é  
invisibilizada ou desvalorizada dentro de dinâmicas patriarcais.  
Em contraste, Theo não apenas recusou a abrir mão de suas próprias ambições, mas  
também usou o sacrifício de Nina como um ponto de crítica contra ela. Em vez de reconhecer  
e valorizar o esforço e a renúncia de Nina, Theo a utiliza como um meio de justificar seu próprio  
ressentimento e insatisfação. Ele critica Nina e desmerece suas conquistas e esforços, usando  
sua posição de poder para desvalorizar o trabalho que sustenta a família. Essa atitude revela  
uma falta de empatia e um profundo egoísmo, no qual o sacrifício de Nina é reificado para  
alimentar suas próprias inseguranças e ressentimentos.  
A resistência de Theo a aceitar a mudança na dinâmica de poder e sua recusa em  
reconhecer os esforços e sacrifícios de Nina são impulsionadas por um ego ferido. O fato de  
que o papel masculino tradicional de Theo foi abalado resulta em um ataque à sua identidade e  
ao seu senso de valor pessoal. A alteração das normas de gênero e a ascensão de Nina ao papel  
de provedor desafiam as expectativas que Theo tem de si mesmo e de sua posição social,  
provocando uma crise de ego que se manifesta em críticas e desdém direcionados a Nina.  
A ferida no ego de Theo é uma expressão clara da dificuldade em lidar com a perda do  
status masculino e com a alteração das expectativas sociais que definem sua masculinidade.  
Em vez de enfrentar essa mudança e reconhecer a realidade da nova configuração de poder,  
Theo escolhe usar a própria vulnerabilidade para atacar e criticar Nina, desviando a atenção de  
suas próprias inseguranças e fracassos. Esse comportamento sublinha a complexidade das  
dinâmicas de poder e identidade em uma relação em que os papéis de gênero e as expectativas  
sociais desempenham um papel central na configuração das interações e das percepções mútuas.  
O SEXO COMO PODER  
Apesar de ter perdido o poder econômico dentro da relação conjugal, Theo ainda  
manteve um significativo controle sobre o poder sexual no casamento. Embora Nina tenha  
assumido o papel de provedor e gerente da malharia, Theo preservou a capacidade de exercer  
controle sobre a vida sexual do casal, utilizando esse domínio como uma das últimas formas de  
reafirmar sua autoridade e influência.  
O controle sobre a sexualidade é particularmente significativo em contextos de  
desequilíbrio de poder, uma vez que a esfera sexual frequentemente representa uma das últimas  
fronteiras em que o poder masculino pode se manifestar e ser exercido de maneira explícita.  
Theo, ao reter o controle sobre a intimidade e as relações sexuais dentro do casamento, tenta  
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manter uma forma de domínio que não é facilmente visível ou desafiada pela dinâmica  
econômica alterada. A capacidade de decidir se e quando buscar Nina para atividades sexuais  
permite a Theo continuar a exercer um controle simbólico e emocional sobre ela, mesmo  
quando suas outras formas de poder e autoridade foram enfraquecidas.  
Essa estratégia de Theo está alinhada com a teoria de Michel Foucault (1988) sobre o  
controle da sexualidade como uma forma eficaz de dominação e controle dos indivíduos.  
Foucault argumenta que a sexualidade é uma área crucial na qual o poder se manifesta e se  
perpetua, pois regula comportamentos e estabelece normas sociais que vão além das dimensões  
econômicas e políticas. Ao controlar a sexualidade, Theo não apenas busca reafirmar sua  
posição de poder dentro da relação, mas também exerce um controle que afeta profundamente  
a identidade e o bem-estar de Nina.  
O domínio sexual, nesse contexto, serve como uma ferramenta para reforçar a hierarquia  
de gênero e manter a subordinação feminina. O controle da sexualidade é uma forma insidiosa  
de poder que pode operar de maneira discreta, mas que tem um impacto profundo na dinâmica  
de poder e nas relações interpessoais. Ao restringir ou dirigir a vida sexual de Nina, Theo busca  
recuperar um senso de controle e prestigio que foi comprometido pela mudança econômica,  
evidenciando como o poder pode ser exercido através de múltiplas camadas de interação social  
e pessoal. Essa prática demonstra a persistência das normas patriarcais, que não são facilmente  
desfeitas mesmo quando outros aspectos da relação são transformados.  
Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, mas um  
dos dotados da maior instrumentalidade: utilizável no maior número de  
manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de articulação às mais variadas  
estratégias (Foucault, 1988, p. 99).  
Além disso, Theo se envolve em um affair com Carlota como uma estratégia para  
restabelecer sua sensação de poder e controlar a situação em que se vê deslocado. O  
relacionamento com Carlota é significativo por várias razões. Primeiro, Carlota se posiciona  
como submissa e subalterna em relação a Theo, refletindo o tipo de dinâmica que ele deseja  
reafirmar após a perda de seu poder econômico e sua incapacidade de controlar a vida sexual  
de Nina. Ao manter Carlota em um papel de completa subordinação, Theo procura reafirmar  
sua masculinidade e autoridade em um cenário em que essas qualidades estão em crise.  
O relacionamento extraconjugal com Carlota não só serve como um meio para Theo  
recuperar um senso de controle e domínio, mas também intensifica a competição com Nina.  
Theo vê seu envolvimento com Carlota como uma forma de afirmar sua virilidade e influência  
sexual, contrastando com a situação de Nina, que está buscando satisfação sexual fora do  
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casamento. Esse comportamento é uma tentativa de restaurar um equilíbrio de poder, na medida  
em que Theo se esforça para mostrar que ainda possui uma posição superior na esfera sexual,  
mesmo que essa demonstração seja fora do casamento.  
Theo experimenta um agravamento de sua crise de poder quando percebe que não  
controla mais a vida sexual de Nina e que ela está encontrando satisfação sexual em outros  
relacionamentos. Esse sentimento de perda é exacerbado pela consciência de que Carlota, que  
ele vê como uma substituta ideal para o papel submisso de Nina, está agora no centro de sua  
experiência sexual. A perda de controle sobre a vida sexual de Nina e a descoberta de que ela  
está buscando e encontrando prazer fora do casamento representa a última linha de defesa do  
poder de Theo dentro do relacionamento conjugal, que agora está completamente  
comprometida.  
O affair com Carlota, portanto, não é apenas uma tentativa de Theo de recuperar um  
senso de poder e controle, mas também uma forma de demonstrar sua capacidade de manter  
uma relação sexual que reafirma sua masculinidade e posição. A dificuldade de Theo em aceitar  
a autonomia sexual de Nina e sua própria impotência frente a essa nova realidade evidenciam  
a fragilidade das estruturas de poder tradicionais e a profundidade do impacto que a mudança  
nas dinâmicas de relacionamento pode ter sobre a identidade e o ego masculino.  
CONSIDERAÇÕES FINAIS  
Em suma, a análise das relações entre homens e mulheres revela uma estrutura  
hierárquica profundamente enraizada na sociedade, cuja perpetuação é sustentada por  
ideologias criadas especificamente para manter o poder e o controle nas mãos dos homens.  
Essas ideologias são elaboradas para reforçar e justificar a desigualdade de gênero, criando um  
sistema em que as necessidades e facilidades são desenhadas para beneficiar  
predominantemente o lado masculino. Essa estrutura não apenas define os papéis e expectativas  
sociais para homens e mulheres, mas também legitima e institucionaliza a desigualdade de  
maneira a assegurar a continuidade do domínio masculino.  
Dentro desse contexto, a peça Bolo de nozes se apresenta como uma expressão  
dramática das hierarquias sociais que influenciam profundamente o ambiente doméstico. A  
obra não apenas reflete a realidade de como essas estruturas de poder se manifestam nas  
relações interpessoais dentro do lar, mas também ilustra a forma como as expectativas  
ideológicas impostas às mulheres são desafiadas e contornadas. A tentativa de Nina, a  
protagonista, de se libertar dessas expectativas e afirmar sua autonomia demonstra a resistência  
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feminina contra um sistema que prioriza e protege o poder masculino. Essa resistência não só  
desafia a estrutura de poder patriarcal, mas também abala a confiança e o ego dos homens que  
se veem ameaçados pela mudança.  
Portanto, Bolo de nozes funciona como uma crítica contundente à perpetuação das  
hierarquias de gênero e à imposição de papéis sociais que sustentam a desigualdade. A peça  
explora como a busca da mulher por emancipação e a quebra das expectativas tradicionais não  
apenas afeta as dinâmicas de poder no relacionamento, mas também questiona e desestabiliza  
o status quo que sustenta o domínio masculino. Através da narrativa e das interações dos  
personagens, a obra evidencia a tensão entre a necessidade de mudança social e a resistência a  
essa mudança, proporcionando uma visão profunda das complexas relações de poder e controle  
que definem a experiência feminina.  
REFERÊNCIAS  
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial  
Presença, 1970.  
BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11 Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.  
COSTA, Ana Alice. Gênero, poder e empoderamento das mulheres. Salvador:  
NEIM/Ufba. 2008.  
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 13 ed. Rio de  
Janeiro:Graal, 1988.  
STEEN, Edla Van. Bolo de nozes. São Paulo: Hamdan, 1998.  
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