37
Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE | v. 2 - n. 3 | set-dez | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás
É por isso que Goodman dirá que “Ao representar um objeto, no copiamos tal traduo ou
interpretação — alcançamo-la” (2006, p. 40-41).
Isto está de acordo com o modo mesmo como percebemos a realidade. Num nível ainda
anterior a esta discusso, Ernest Gombrich nota que “ver no apenas registrar”, mas “uma
reao de todo o organismo à luz que estimula o fundo do olho” (2007, p. 252): “A distinção
entre sensao e percepo, plausvel como parecia, teve de ser abandonada” (Gombrich, 2007,
p. 252). E a percepo, ele dirá logo adiante, “está ligada a expectativas e, em consequncia, a
comparaes” (Gombrich, 2007, p. 254). A partir dessas ideias gombrichianas, Goodman
afirma que “[o] olhar chega sempre atrasado ao trabalho, obcecado com o seu prprio passado
e com velhas e novas insinuações do ouvido, do nariz, da língua, dos dedos, do coração e do
crebro” (2006, p. 39-40).
Alguns teóricos do documentário subscrevem tais considerações que apontam o que
conhecemos da realidade como uma interpretação e a representação como uma invenção que
de alguma maneira alcança a interpretação da realidade, muitas vezes prévia à própria obra. Um
deles, Guy Gauthier, observa:
Tout cinéaste, comme tout auteur, a derrière lui une expérience, des idées,
qu’il infuse dans ses films. (…) Le paradoxe serait de penser que le
documentariste en tournage est accrédité, par quelque privilège
incompréhensible, d’un regard neuf et impassible. Il emmène avec lui son
expérience, son savoir, et quelquefois aussi, son imaginaire mystificateur
(Gauthier, 1995, p. 122).
A representação no cinema documentário tem, entretanto, especificidades. Em primeiro
lugar, a ideia de uma inscrição verdadeira — que se liga às noções um tanto vagas de
autenticidade e honestidade. Segundo Edgar Morin, “há uma verdade que o cinema romanesco
no pode captar e que a autenticidade do vivido” (Morin apud Da-Rin, 2006, p. 107). Está de
acordo Gauthier para quem “l’authenticité du tournage est le problème central du
documentaire” (1995, p. 112). A isso, devemos acrescentar a necessidade, por mais imprecisa
que esta noção possa ser, de uma honestidade do filme em sua edição para que essa
autenticidade continue a caracterizar o documentário. Deve-se atentar, ainda, que a noção de
honestidade e autenticidade varia ao longo da história, se manifestando em cada obra e em cada
forma de assisti-la de uma maneira diferente: deste modo, podemos compreender que Nanook,
por exemplo, fora para o documentarista Alberto Cavalcanti la vie elle-même (Cavalcanti apud
Teixeira, 2004, p. 13), enquanto para Consuelo Lins, em seu estudo da obra de Eduardo