Douglas Vinícius de Moraes Lima
https://orcid.org/0000-0003-0425-7666
Mestrando em Teoria e História Literária (IEL Unicamp). Especialista em Português e Literatura
(Mackenzie-SP) Tem interesse em estudos da Lírica, Teopoética e Mística. Pesquisa o poeta
Manoel de Barros em interface com o Zen-budismo.
Master's student in Literary Theory and History (IEL Unicamp), with a specialization in
Portuguese and Literature (Mackenzie-SP). He is interested in studies of Lyricism, Theopoetics, and
Mysticism. His research focuses on the poet Manoel de Barros in connection with Zen Buddhism.
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO COMERCIAL 4.0 INTERNACIONAL CREATIVE COMMONS CC BY-NC
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DA LITERATURA REPARADORA À REPARAÇÃO DA
LITERATURA: PERSPECTIVAS DA TEORIA E DA CRÍTICA
ATUAL
RESUMO
O presente artigo parte do conceito de “Literatura Reparadora”, como proposto por Cechinel (2021),
para discutir esse fenômeno, primeiro buscando entender de que forma ele vem sendo tratado na grande
mídia, e depois em outros autores, como Corpas (2024), Brown (2019) e Larsen (2011). A partir das
ideias de Lukács (2023) e Vielmi (2018), argumenta-se em torno da oposição reparação vazia vs.
reparação real, questionando se, de fato, cabe à Literatura qualquer papel reparador ou terapêutico,
como vem sendo advogado por certas correntes de teoria e crítica há alguns anos. Em defesa da ideia de
inutilidade, apresentam-se ao cabo os pensamentos de Durão (2017), para quem a força do literário,
especialmente em face do avanço irrefreável da forma mercadoria e da indústria cultural, reside
precisamente em sua insistência em recusar a noção de utilidade, bem como qualquer positividade que
o torne refém de seus arredores. A Literatura, assim, desponta como resistência, na medida em que
afirma sua negatividade e intransitividade.
Palavras-chave: Literatura. Reparação. Intransitividade.
FROM REPARATIVE LITERATURE TO THE REPARATION OF LITERATURE:
PERSPECTIVES FROM CURRENT THEORY AND CRITICISM
ABSTRACT
This article starts from the concept of “Repairing Fiction”, as proposed by Cechinel (2021), to first
discuss this phenomenon, by trying to understand how it shows up in big media; then we address the
concept’s relation to some other authors, such as Corpas (2024), Brown (2019) and Larsen (2011). From
the ideas of Lukács (2024) and Vielmi (2018), we argue around the opposition empty repairment vs.
real repairment, questioning if, in fact, it’s up to Literature to fulfill any role of healing or fixing up, as
it has been advocated by some critical and theoretical trends. In defense of the idea of inutility, we
present the ideas of Fabio Durão (2017), for whom the strength of the literary, especially in the face of
the unstoppable advance of the commodity form and the cultural industry, lies precisely in its insistence
on refusing the notion of utility, as well as any positivity that makes it hostage to its surroundings.
Literature, thus, emerges as resistance, as it affirms its negativity and intransitivity.
Keywords: Literature. Reparation. Intransitivity.
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INTRODUÇÃO - QUEM PRECISA DE TERAPIA?
Em seu ensaio intitulado “Reconfigurações ético-reparadoras do literário hoje” Cechinel
(2021) estabelece um diagnóstico do estado das coisas no âmbito dos Estudos Literários hoje:
passamos por um momento de confronto entre dois paradigmas distintos sobre a natureza da
própria Literatura ou, ainda, sobre a noção de literariedade. De um lado, há quem advogue por
uma literatura transitiva, que dialoga com os problemas de nosso tempo e se abre para leituras
fáceis e teorizações as mais variadas. De outro, ainda há quem defenda uma noção de literatura
autônoma, intransitiva, cuja leitura imanente conduz a uma experiência estética muito mais rica
e que nos mais o que pensar. Dessa oposição fulcral, decorrem um sem fim de outras antíteses
aparentemente irreconciliáveis, como: negatividade vs positividade, autonomia vs dependência,
estético vs político, obra vs texto, forma vs função, cânone vs tradição, literário vs social, entre
outras.
Em suma, porém, o diagnóstico de Cechinel aponta para aquilo que ele chama de
guinada ético-reparadora na área dos Estudos Literários. Em suas palavras:
o desejo de “reparar o mundo” [...] confere à literatura um propósito objetivo
e nobre que, a rigor, não deixa de contrastar tanto com o diagnóstico recorrente
do seu eventual fim quanto com a tradição da poética do esgotamento,
característica de alguns dos instantes decisivos da trajetória crítico-literária ao
longo do século XX. Seja como for, num momento claramente definido pela
profunda disputa ou concorrência entre diferentes textualidades, mídias e
gêneros no campo de visibilidade da cultura, ou mesmo rivalizando com o
poder de sedução e estímulo, entre outros, de videogames, quadrinhos,
adaptações intermidiáticas, isso para não citar twitter, facebook, instagram,
youtube e seus congêneres, a literatura vê-se obrigada a, de um lado, alargar
o seu conceito de modo a incluir tudo isso como expressões “protoliterárias”
ou reconfigurações correntes suas, e, de outro, adentrar também ela o espaço
positivo do pragmatismo contemporâneo, isso sob a sombra das ameaças e do
risco iminente de desaparecer como forma dos espaços institucionais.
(Cechinel, 2021, p.93)
Ou seja, não se trata do fim da literatura, como muitos apregoavam, mas sim de uma
mudança pela qual passa a área, que aponta na direção de um anseio pela maior transitividade
do próprio literário: a vontade de que a literatura dialogue com a sociedade, a teoria, os
problemas e busque, assim, desempenhar uma função - a reparação.
A partir desse diagnóstico do desejo reparador, então, a ideia deste artigo é somar
àquelas oposições iniciais uma outra, que estende o argumento de Cechinel: a reparação vazia
versus a reparação real. O que se pretende é discutir até que ponto a literatura atual, brasileira
ou não, é realmente capaz de promover essa cura que diz almejar.
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À primeira categoria, da reparação vazia, estaria relacionada uma concepção de
literatura que não leva em conta a autonomia da obra de arte, nem seu potencial desfetichizador;
à segunda, o oposto.
A LITERATURA REPARADORA
A ideia de reparação vazia surge a partir de termos como “Band-aid fiction” ou “healing
fiction”, expressões em voga que apontam para uma suposta capacidade terapêutica da
literatura. Os termos, embora relativamente novos, constam em postagens de renomadas
editoras brasileiras
1
, e aparecem algumas dezenas de vezes também em uma busca simples na
internet, o que evidencia que tal concepção do literário tem realmente entrado na moda. Entre
os títulos usados para ilustrar o conceito, alguns sites mencionam
2
“Biblioteca da Meia Noite”,
de Matt Haig (best seller na Amazon), “Guardiã de Histórias”, de Sally Page e “Meus dias na
livraria Morisaki”, de Satoshi Yagisawa, entre tantos outros em cujos tulos encontramos
referências ao próprio literário: “biblioteca”, “livraria”, “livros” são termos recorrentes no nome
das obras.
Nos enredos, em grande parte, encontramos sempre o desenvolvimento de personagens
lidando com pequenos dramas da vida adulta. Conforme lembra Bárbara Blum, para o portal
Acessa:
em "A Biblioteca Mágica", da japonesa Michiko Aoyama, uma bibliotecária
recomenda exatamente o livro que cada pessoa precisa naquele momento. Em
"A Biblioteca da Meia-Noite", de Matt Haig, publicado pela Record, uma
mulher arrependida se pergunta como a vida seria se tivessem feito algo de
diferente. Em "Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong", da estreante Hwang
Bo-Reum pela Intrínseca, outsiders se encontram em uma pequena livraria e
estreitam vínculos em meio aos livros cuidadosamente curados.
Segundo Renata Pettengill, editora de ficção estrangeira da Record e da
Bertrand Brasil, os livros que entram sob o guarda-chuva de healing fiction
"têm um efeito terapêutico, valem como uma sessão de psicanálise". "Você se
projeta na Nora Seed [personagem de ‘A Biblioteca da Meia-Noite’], projeta
suas questões nela e, no final, absorve a experiência dela." (Blum, 2023,
online)
3
1
Os termos aparecem em postagens nos perfis do Instagram de editoras como Bertrand Brasil, e em grandes portais
como Estadão, Uol e até mesmo, pasme, Valor Econômico.
2
Ver o Guia de Compras do Uol, que dedicou uma página ao tema: <https://www.uol.com.br/guia-de-
compras/ultimas-noticias/2024/02/17/healing-fiction----literatura-de-cura----dicas-de-livros----bem-estar.htm>.
Acesso em 4 de mai. de 2024.
3
Disponível em: https://www.acessa.com/noticias/2023/12/191841-healing-fiction-leva-
historias-de-acolhimento-cotidiano-a-leitores-avidos-por-tranquilidade.html>. Acesso em 4 de mai. de 2024.
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Considerada como uma espécie de panaceia, a literatura aparece aqui como capaz de
desempenhar uma função - a de curar subjetividades, de dar voz aos oprimidos, de unir pessoas
em torno de suas dores comuns. Nesse sentido, a literatura hoje teria o papel de, como afirma
Cechinel (2021), fazer o bem. Para o autor, isso representaria uma mudança de paradigma na
literatura atual, que corresponde a um “gradativo descrédito ou desuso da ideia de
‘intransitividade’, ‘inutilidade’ ou ‘negatividade’ da literatura - traços seus não raro
compreendidos como radicais e políticos ao longo do século XX” (Cechinel, 2021, p.78). Em
outras palavras, a literatura hoje estaria - muito ironicamente - deixando de lado aqueles traços
que outrora eram vistos como mais revolucionários e libertadores para promover uma nova
forma de revolução: aquela que se pela cura, a inclusão. Sai a literatura da angústia do sujeito,
e surge a literatura da empatia - para usar outra palavra da moda. Impressiona notar como o
fenômeno é global: enquanto Cechinel fala principalmente de obras brasileiras, as healing
fictions são, em sua maioria, obras de autores japoneses, coreanos ou americanos.
Há que se questionar, porém, se isso é possível ou até mesmo desejável - afinal, parece
um tanto forçado e ingênuo esperar que a literatura desempenhe esse papel curativo.
Contra essa ideia, um primeiro argumento que se pode fazer é estético. Segundo
Ronaldo Vielmi (2018), Lukács, em sua famosa Estética, estabelece uma dura crítica à arte dita
engajada de seu tempo; para ele, a literatura panfletária comunista era fraca na medida em que,
convertida em propaganda e pouco preocupada com recursos estéticos, não era capaz de realizar
o que deveria: a catarse, que aqui deve ser compreendida como a elevação da consciência do
leitor para a percepção da heterogeneidade que é constitutiva do mundo. Assim, essa literatura
deixaria de ser arte para se confundir com pura propaganda política.
O argumento de Lukács, mutatis mutandis, pode nos ajudar a entender como a literatura
reparadora acaba operando uma reparação vazia, que não consegue realmente curar ou reparar
ninguém. A analogia é simples: tal como a obra dita “proletária” acaba não o sendo, pois não
realiza seu papel desfetichizador, a obra dita reparadora também não o faz. Lukács resume essa
oposição ao afirmar que a obra de arte deve lutar contra a fetichização:
Balzac and, in relation to certain areas of life, Tolstoy rank among the few in
whom this tendency pervades their entire work. The struggle for the integrity
ofman, against any semblance and any modes of appearance of his
deformation, constitutes the essential content of their works, as it of course
also does in the case of other major artists. Only when a capitulation to
fetishism comes into being, as happens in not unimportant parts of late
bourgeois art of the imperialist period, must art relinquish its main meaningful
content: this fight for the integrity of man, the criticism of life from this
standpoint. The taking of a position towards fetishism, regardless of whether
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this is recognised as such, turns into the watershed between progressive and
reactionary art praxis.[…] The central problem with this capitulation consists
in the fact that it stops at the immediacy of fetishised forms of life and, even
when their inhumanity is completely evident, it does not head towards the
essence in order to reveal the true relationships but unresistingly accepts the
fetishised surface as ultimate truth. The subjective forms of response in this
comportment can be extraordinarily diverse. Yet for the issue that is decisive
here, whether nihilism, cynicism, despair, angst, mystification, complacency,
etc. are expressed therein is only of secondary importance. The point is
whether in the given case the direction of movement in the attempted reflection
of reality is a defetishising one or whether it pseudo-artistically perpetuates
that which is fetish-like in society. (Lukacs, 2023, p.609-610, grifos nossos)
A oposição é simples: obras que desfetichizam e outras que não. Resta-nos entender,
portanto, por que essa “nova literatura” não produz a desfetichização tão desejada por Lukács.
Ainda em Lukács, conforme Vielmi (2018), a própria discussão sobre a origem do
estético nos ajuda a compreender o fenômeno. Segundo o pesquisador brasileiro, em Lukács
a ideia de que o estético só surge enquanto tal a partir do momento em que se distancia do útil.
O exemplo clássico trabalhado por Lukács é o do ritmo: embora esteja presente na natureza -
na materialidade, portanto - é somente quando o ritmo se liberta da esfera do trabalho e ganha
uma capacidade evocativa, direcionada à dimensão interna do homem, que se pode falar em seu
valor estético. Ou seja, em Lukács, distingue-se a ideia de que o estético é um algo além - do
social, do psicológico, etc.; e ainda que é somente quando atua de forma peculiar e estrita que
arte pode, sim, ter um papel libertador - ou desfetichizador, como propõe Vielmi (2018).
Assim, para nossa discussão caberia perguntar: até que ponto a literatura “reparadora” se afasta
de uma perspectiva do “útil” para se aproximar do estético? Acreditamos que muito pouco.
Isso ocorre por diversas razões. Em primeiro lugar, que se considerar que essa
literatura é, como diz Danielle Corpas, “sem arestas” - sem maiores preocupações formais,
extremamente homogênea e “afável, palatável” (CORPAS, 2024, p.3). Para ela, a literatura
brasileira dos últimos trinta anos tem se valido de recursos previsíveis para revestir de sentido
político suas narrativas. A autora lista, entre esses recursos:
1) narradores que se mostram confiáveis, seja pela legitimidade do testemunho
do autor implícito, seja pela proximidade em relação às personagens, seja por
conta das duas coisas juntas; 2) o investimento na descrição que faz sobressair
singularidades do território onde se passa a ação, às vezes com traços
documentais e/ou tonalidade pitoresca; 3) a clareza por vezes pedagógica em
passagens da narração que soam como momentos programaticamente
destinados a esclarecer a matéria social em pauta (Corpas, 2024, p.3)
Essa literatura, formalmente uniforme e sem maiores novidades, parece estar a serviço
da transmissão de conceitos, valores e ideologias, mais preocupada com noções como
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“representatividade” e “identidade”. O tom pedagógico, o narrador fácil, as descrições
pitorescas - tudo isso colabora para a emergência dessa tendência que, visando à inclusão e à
reparação, nada incomoda - pelo contrário, oferece apenas uma leitura óbvia, previsível,
confortável. Sobre essa nova literatura, Corpas afirma que:
houve uma reconfiguração parcial do campo da cultura que ampliou, ainda
que timidamente, a representatividade de grupos oprimidos em função de
marcas de gênero, raça e/ou condição de classe. Aqui, como em todo o globo,
títulos que tematizam experiências coletivas e subjetivas dessa ordem vêm
ganhando destaque no mercado editorial, em prêmios e feiras literárias, assim
como na universidade. São escritas reconhecidas como legítimas porta-vozes
das periferias, de minorias, de grupos sociais que, salvo raras exceções, antes
só constavam na literatura como objeto de representação, quando constavam.
Celebramos essa heterogeneidade dos “lugares de fala” como uma conquista
política; a emergência de pontos de vista provindos de territórios, corpos,
epistemologias marginalizados ou divergentes vem alimentando a afirmação
da diferença como motor do debate crítico (Corpas, 2024, p. 2).
A consequência dessa nova onda de representatividade é a homogeneização de que
falávamos antes. Não que isso represente, per se, um problema. Porém, que se questionar
que valor tem uma literatura que quase chega a deixar totalmente de lado suas preocupações
formais e que não elabora qualquer tensão estética.
Nesse sentido, Pécora nos ajuda ao lembrar que:
[...] não se pode pensar a arte sem a correspondente produção de uma forma objetiva,
cabal, que se impõe sobre o seu auditório. Produção de uma forma não é ilustração do
conceito que se imagina estar em sua origem ou ao cabo de seu resultado. O que é
inalienável da obra de arte é o gesto produtivo, não o conceito que lhe é associado
(Pécora, 2014, p.308).
Ora, se a produção de uma obra não é a ilustração de um conceito, o que dizer das obras
“reparadoras”, que parecem escritas justamente para ilustrar os pontos que defendem?
Retornando a Corpas, a autora reconhece nesse “movimento” dos últimos anos a constituição
de narrativas que, de tão estáveis e parecidas entre si, criam um clima de apaziguamento, mesmo
quando tematizam as matérias sociais mais complexas e assustadoras. O resultado é a
construção de sentidos “um tanto consensuais, previsíveis, que são apreendidos e confirmados
com razoável facilidade” (CORPAS, 2024, p.3). A autora atribui a isso, inclusive, o fato de que
muitos desses sentidos são exteriores às obras,estando disponíveis de antemão por meio dos
discursos sociais, ou nas teorias mais “da moda” nas universidades. É nesse ponto em que a
crítica de Pécora encontra o diagnóstico de Danielle Corpas: uma literatura que abriu mão de
seu “gesto produtivo para “ilustrar um conceito” é uma obra que se “desobrou”. Lukács
questionaria se é mesmo obra de arte, enfim.
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Aqui há também uma outra ideia importante para nosso argumento contra a capacidade
terapêutica da literatura: a de que o discurso e o sentido vêm de fora. Assim, na senda das ideias
de Corpas, parece-nos claro que a verdadeira reparação não é operada pelas obras em si, mas
pelos discursos sociais e as teorias vigentes no âmbito universitário
4
. Nesse sentido, a literatura
emerge como mero pretexto, sendo produzida não para suscitar discussões e debates, mas para
confirmar e ilustrar aqueles já existentes. Ao invés de problematizar o mundo, desempenhando
seu histórico papel questionador, ela se torna apenas instrumento de problematizações que lhe
são alheias, como aquelas que vêm da sociologia (questões do feminino, da luta contra o
racismo, da inclusão das minorias) e da psicologia (transtornos mentais, problemas de
identidade de gênero, questões da sexualidade). Exemplos de livros escritos sob esses moldes
não faltam.
Sobre isso, cabe retornar à Lukács mais uma vez para recordar seus embates com Bertolt
Brecht. Conforme Vielmi (2018), ambos os pensadores empreenderam um vigoroso debate em
torno da categoria da catarse. Para Brecht, a catarse era vista como algo negativo, uma vez que
tendia a criar uma audiência passiva, dominada por suas emoções; daí Brecht ter promovido
um teatro muito mais voltado ao aspecto intelectual do que às emoções - ou seja, Brecht
defendia um teatro “com mensagem”, que exortasse o pensamento crítico, algo bastante
parecido com a literatura analisada por Corpas e Cechinel, que parte de um conceito para ilustrá-
lo didaticamente. Por outro lado, Lukács acreditava que a arte deve tomar o homem por inteiro,
inclusive no aspecto emocional, sob pena de perder sua especificidade e tornar-se qualquer
outra coisa. Assim, Lukács defende a capacidade catártica da arte enquanto possibilidade de
evocar emoções no homem e, por meio delas, transformá-lo em sua totalidade, não de maneira
fácil, como criticava Bretch, mas de forma profunda, integrando corpo e espírito. É nisso que
reside, para Lukács, o caráter desfetichizador da arte.
Mas o que caracteriza essa catarse forte, defendida por Lukács? E por que não está
presente nas healing fictions”? Para Vielmi (2018), a catarse em Lukács tem um caráter
eminentemente libertador na medida em que promove um certo estranhamento - não no sentido
formalista - em relação ao cotidiano. Em outras palavras, a obra de arte nos retira da vida
comum, ordinária e imediata, abrindo um espaço, uma distância que nos permite ver o mundo
como que “de fora”, tornando-nos capazes de reconhecer os problemas de nosso tempo, do
indivíduo e da história - que de outra forma não reconheceríamos, cegados pela rotina.
4
Essa ideia, assim como a concepção desse ensaio, veio como fruto das discussões tidas durante o curso e posterior
evento “Estética e Política”, organizado por Fábio Durão para o PPG em Teoria e História Literária do IEL,
Unicamp, em 2024.
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Daí que nos cabe perguntar, mais uma vez, em que medida uma literatura confortável,
palatável é capaz de promover tal ruptura? Como pode, por exemplo, um narrador confiável,
transportar o leitor para uma dimensão inesperada e reveladora?
Corpas (2024), que se debruçou sobre questionamento semelhante, fala com
estranhamento sobre o romance Via Appia, de Geovane Martins, que mais parece celebrar do
que criticar os problemas que tematiza. Difícil imaginar de que maneira uma obra que não
incomoda o leitor, que não se presta a nenhuma dificuldade - formal, estilística, de conteúdo -
e que diz o que o leitor espera ouvir (porque ouviu fora) pode ser, no sentido
Lukacsiano, catártica.
Esse ouvir de fora, aliás, relaciona-se a outro sintoma da inversão corrente entre literário
e social: a emergência de um sem-número de clubes de leitura, que surgem para discutir esses
livros e que, se olhados mais de perto, confundem-se facilmente com sessões de terapia em
grupo. Novamente, não nada especialmente errado aqui, mas é preciso reconhecer que o que
ocorre nesses grupos é um cooptação do literário pelo social/terapêutico, a tal ponto em que a
experiência com a leitura parece estar dada no próprio nome e descrição desses grupos:
“Clube do Livro Feminista”, “Clube de Leitura Ubuntu
5
”, “Clube Feminista Bazar do tempo”.
6
Palavras como “empoderar”, “dar visibilidade”, “acolher”, “transformar” são recorrentes nesses
espaços.
O problema com essa espécie de “leitura teorizante” foi muito bem apontado por
Larsen, que o chama de “falácia da aplicação”. Para ele, qualquer tentativa de aplicar uma teoria
a um “texto” resulta em uma perda de sentido. Como diz o autor:
“Teoria” e “texto”, “interpretação” e “crítica”, não são meramente acidentes
mútuos, mas são estruturados como antinomias. A partir do momento em que
seu objeto torna-se um “texto”, qualquer teoria “aplicada” a ele não
5
Na descrição do clube, consta que “O Clube de Leitura Ubuntu é um coletivo que nasceu em março de 2019 no
Instituto Federal de São Paulo, câmpus Matão, com o intuito de promover o prazer pela leitura e divulgar as obras
de temática e autoria negra, trazendo a pauta étnico-racial para o câmpus e também para a comunidade externa. O
clube atua para difundir conhecimento sobre autoras e autores negras e negros, revelando suas narrativas para
ampliar as possibilidades de conhecimento no mundo em que vivemos.”. Disponível
em<https://www.araraquara.sp.gov.br/noticias
/direitos-humanos-e-participacao-popular/casa-sp-afro-recebera-clube-de-leitura-
ubuntu#:~:text=O%20Clube%20de%20Leitura%20Ubuntu,tamb%C3%A9m%20para%20a%20comunidade%20
externa.>. Acesso em 4 de mai. de 2024
6
No portal do clube, as atividades são descritas assim: “Um clube de assinatura mensal que quer ampliar o acesso
a múltiplas vozes, corpos e territórios feministas e criar uma poderosa rede de encontros, debates e troca de
experiências, fortalecendo o pensamento crítico, a produção intelectual de mulheres e também suas atividades e
ações. A partir de encontros e debates mensais em torno do livro do mês e do compartilhamento de ideias,
informações e vivências, o Clube F. ambiciona a construção de uma grande rede colaborativa.” Disponivel em:
https://clubef.bazardotempo.com.br/>. Acesso em 4 de mai. de 2024.
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importando que seja a psicanálise, narratologia estruturalista, ou mesmo o
marxismo, não importando sua riqueza imanente e mediação conceitual é
reduzida a um mero fetiche intelectual, uma espécie de tautologia abstrata. O
mesmo vale, inversamente, para os “textos”: enquanto “lidos” por uma teoria
compreendida, a priori, como externa a sua própria mediação objetiva,
tornam-se cifras rígidas, tão sem sentido, finalmente, em relação à
interpretação quanto são significantes em seus próprios contextos imanentes
(Larsen, 2010, p.51).
Se a crítica de Larsen se aplica às melhores leituras e interpretações, feitas pelos mais
bem treinados acadêmicos, onde ficam as leituras “amadoras” realizadas por esses clubes do
livro, claramente enviesadas? Que sentido poderiam ter, além da mera confirmação das
expectativas de seus participantes? Onde, nisso tudo, reside qualquer possibilidade de
transformação, como desejada por Lukács?
Sobre isso, Brown (2019) nos traz mais um importante insight. Para ele, as obras de arte
que abrem mão de sua autonomia - uma longa discussão que foge ao escopo desse trabalho -
acabam por se reduzir a meras mercadorias e, como tal, destituem-se de sentido: e o que não
tem sentido não pode ser interpretado. Assim, seguindo esse argumento, cabe-nos aqui
questionar: que papel curativo pode desempenhar uma literatura que não tem sentido? A partir
de que, e com que força, ela colocaria em prática essa cura?
Ou talvez nos caiba apenas reconhecer que essas healing fictions de fato não têm sentido
algum, como quer Brown, tratando-se apenas de mercadorias criadas para suprir um mercado -
aí então a questão ganha contornos sociais, não literários.
Para ilustrar seu ponto, Nicholas Brown traz o exemplo do filme Avatar:
It might seem absurd to say the art commodity is uninterpretable, but think for
a moment of James Cameron’s science-fiction film Avatar, still a kind of high-
water mark of culture-industrial spectacle. The memory of critics producing a
welter of completely incompatible (but also vaguely plausible) interpretations
is an amusing one, and the phenomenon did not go unnoticed by the critics
themselves. This empirical profusion is insignificant in itself: all of these
interpretations (or all but one) could have been wrong. But it is also possible
that since the film is concerned only with producing a set of marketable
effects, it cannot at the same time be concerned with producing the minimal
internal consistency required to produce a meaning (Brown, 2019, p. 9).
Tal como Avatar, em Literatura brasileira, poderíamos pensar no exemplo do recente
sucesso de vendas, Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Júnior. O romance foi objeto de disputas
acaloradas na dia especializada, sem que nenhum dos críticos pudesse, aparentemente,
chegar a uma conclusão sobre o livro - aliás, algo absolutamente desnecessário, pois que todas
as conclusões vinham na orelha e sinopse, que aqui reproduzimos. O trecho é longo, mas
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ilustra bem como essas chamadas healing fictions vêm sendo vendidas com uma espécie de
manual de instrução, que promove uma leitura já pronta para o mercado:
A história contada em Salvar o fogo tem várias camadas e muitos significados.
Sua força reside na forma habilidosa que Itamar Vieira Junior mescla a
trajetória íntima de seus personagens com traços da vida social, emocional
e cultural brasileira. Moisés vive com o pai, Mundinho, e sua irmã, Luzia,
em um povoado rural conhecido como Tapera do Paraguaçu, às margens do
rio de mesmo nome, no interior da Bahia. Os outros irmãos estão espalhados
pelo mundo. Tapera é uma comunidade de agricultores, pescadores e
ceramistas de origens afro-indígena que vive à sombra do poder da igreja
católica (dona de um mosteiro construído no século XVII e detentora do
domínio das terras) e dos humores de seus membros religiosos, também
suscetíveis à cobiça e às paixões. Órfão de mãe, Moisés encontra afeto não
livre de algumas escaramuças com Luzia, uma jovem mulher estigmatizada
entre a população por seus supostos poderes sobrenaturais. Para ganhar a vida,
Luzia se torna uma diligente lavadeira do mosteiro e passa a levar uma vida
de profundo sentido religioso, o que a faz educar Moisés com rigidez. Sua
proximidade com a igreja também garante ao menino a formação que os
irmãos mais velhos não tiveram. A vida escolar junto aos padres, porém, irá
colocar Moisés em contato com experiências que marcarão sua vida para
sempre e cujos reflexos podem mesmo estremecer sua relação com a irmã.
Luzia, por sua vez, carrega a recordação dos irmãos que partiram, um a um,
em busca de uma vida melhor por não encontrarem na aldeia perspectiva de
terra, trabalho e dignidade. Sozinha, teve que cuidar da casa e do irmão,
amparar o pai, além de lidar com a violência de uma comunidade que parece
esquecer das próprias raízes. Ela ainda alimenta a esperança de reunir a família
novamente, especialmente a irmã mais nova, que deixou a casa ainda na
adolescência sem nunca ter retornado. Anos depois um grave acontecimento
pode ser a oportunidade para que a família se reúna, e este reencontro promete
deixar de lado décadas de segredos, sofrimentos e silêncios. A história se refaz
pouco a pouco, à medida que a desconhecida história da aldeia se revela
descortinando junto com essa história familiar e particular um quadro mais
amplo sobre o Brasil e seu povo. Épico e lírico, com o poder de emocionar,
encantar e indignar o leitor a cada nova página, Salvar o fogo nos mostra que
os fantasmas do passado de uma família muitas vezes não se distinguem dos
fantasmas do país. Uma trama atravessada pelos traumas do colonialismo que
permanecem vivos, como uma ferida ainda aberta (ONLINE
7
).
Um romance que vem acompanhado de mais de quatro mil caracteres de explicação
dificilmente pode ser chamado de “aberto a interpretações” - a Amazon vende o livro e a
interpretação pronta, cabendo ao leitor apenas confirmá-la. Ainda por cima, houve quem
tentasse censurar as poucas vozes dissidentes que ousaram apontar falhas no livro de Itamar - é
o caso da excelente crítica de Lígia Diniz
8
, da UFMG, que teve de lidar com a fúria do próprio
7
Retirado da página de venda do livro na Amazon.br. Disponível em:<https://www.am
azon.com.br/Salvar-fogo-EDI%C3%87%C3%83O-CAPA-DURA/dp/6556924172>. Acesso em 4 de mai. de
2024.
8
A íntegra da crítica de Lígia pode ser lida em:<https://quatrocincoum.com.br/resenhas/literatura/
literatura-brasileira/espirito-do-tempo/>. Acesso em 4 de mai. de 2024.
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autor e que veio a ser “resgatada” por José Eduardo Agualusa. É como se, uma vez tendo
agradado o deus mercado, nada mais reste a fazer, a missão da obra-mercadoria está cumprida;
e que ninguém ouse questioná-la.
Nesses casos, em que a literatura se torna, como quer Brown (2019) pura mercadoria,
não assusta que ela se pretenda reparadora - ela é concebida e criada como um remédio, com
vistas a um grupo de “doentes” específicos - os chamados “nichos”, que vão desde as minorias
mais variadas até mulheres cinquentonas em busca de aventuras erótico-literárias. O que não
podemos, então, para seguirmos na esteira do argumento de Brown, é chamá-la de literatura. O
que se produz aqui é outra coisa.
Em face de tudo que foi exposto, parece-nos claro que o embate entre reparação vazia
e reparação real oculta um outro. O que está em jogo, no fim, é o embate pelo literário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - E A REPARAÇÃO DA LITERATURA?
Em guisa de conclusão, podemos afirmar que a ideia de que a literatura deva operar
qualquer função, seja ela a de reparar os males do mundo, de curar as subjetividades adoecidas
pelo século XXI ou de consertar os enganos do passado oculta aquilo que Cechinel já apontara
em seu ensaio: a de uma literatura transitiva. O que essa posição esconde, ou que ao menos
parece passar ao largo da vista de muita gente, é que advogar por uma literatura da transitividade
e da positividade acaba inevitavelmente descambando para uma desvalorização do próprio
literário.
Todos os autores citados anteriormente são unânimes ao afirmar, em alguma medida, a
necessidade da autonomia artística e da intransitividade como um valor literário - artístico, na
verdade. Não se trata de um elitismo barato ou de uma espécie de “reserva de mercado” em que
os estudos literários precisam se manter para justificar sua posição institucional na academia:
é, antes, o mero reconhecimento do valor da literatura enquanto tal, como fenômeno per se,
completo e complexo, que tem o que dizer dentro de seus próprios termos e seguindo suas
próprias regras.
Ao exigir o oposto, que a literatura dialogue, que desempenhe algo, que se abra para
incluir causas e ideias (coisas que ela sempre pode fazer, mas pode fazer também), a nova onda
das healing fictions parece esquecer quase totalmente o literário, mais preocupada que está com
o politicamente correto e o anseio por reparação e inclusão, que vêm assombrando o debate
público há anos - às vezes, de maneira bastante pertinente, mas em muitos casos, como neste,
de forma um tanto quanto insólita.
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A solução é salvar o literário, e os caminhos para tal foram muito bem desenhados
por todos os autores aqui mencionados, mas em especial chamamos atenção para as ideias de
Durão:
A primeira ideia é a de que a literatura não é um discurso. Não há qualquer
espécie de atributo ou característica, qualidade, traço, aspecto ou recurso
composicional que possa garantir por si só que determinado texto mereça ser
chamado de obra.5 Geralmente, quando a referência é feita a um “discurso
literário”, o que se tem em mente é 1. um uso formal ou erudito da língua, 2.
a presença da ficcionalidade, 3. um cânone de obras dadas, cujo princípio
ordenador não está em jogo, 4. um recurso publicitário. A conceituação que
gostaria de defender do literário é outra; ele seria a decorrência da fatura
exitosa do artefato, de sua articulação interna: prova material de que existe
como um objeto que se sustenta, algo que não é derivado, que não repete
simplesmente os achados e conquistas de escritores anteriores (Durão, 2017,
p. 3, grifos nossos).
Assim, a ideia é de que a literatura precisa ser considerada per se, como coisa-em-si-
mesma, ainda que pareça, vista de longe ou por olhos mal treinados, inútil.
Muito se pode dizer sobre essa inutilidade - e muito de fato já foi dito. Num mundo em
que o avanço da Inteligência Artificial e da robótica parecem apontar para um futuro em que
mais e mais o trabalho será explorado, sempre de forma cada vez mais eficiente, tecnológica e
racionalizada; num mundo em que uma onda de apps, coachs e livros de autoajuda prometem
melhorar a produtividade do homem em todos os seus aspectos - social, pessoal,
comunicacional, no trabalho, no amor, na vida -, no mundo do espetáculo e do cansaço
9
, é
quase um clichê dizer que a inutilidade se converte em ato de resistência revolucionária.
O que ainda não é clichê é apontar o óbvio: a inutilidade - nome vulgar da
intransitividade - é a única reparação real possível por enquanto. Não queremos com isso
apontar para uma postura de passividade em que nos restaria admirar que grandes obras ainda
são possíveis, enquanto assistimos à derrocada climática e às crises intermináveis do mundo
pós-moderno. O que pretendemos é apontar que, se à literatura cabe qualquer coisa como uma
função terapêutica, esta será muito mais bem localizada naquilo que a literatura sempre fez,
sem que para isso tenhamos que inventar termos, operar por artifícios narrativos frouxos, apelar
para modismos identitários ou criar um clube do livro depois do outro: ela nos dá prazer.
Seja por nos permitir dispor do nosso próprio tempo - enquanto leitores ou escritores;
seja por nos abrir horizontes de experiências estéticas, cognitivas, emocionais; seja por nos pôr
em confronto com o que há de mais humano em nós - contradições e anseios de sujeitos sempre
9
Foge ao escopo desse trabalho conceitualizar os termos, mas as obras de Guy Debord e Byung-chul-han se
tornaram canônicas; empregamos os termos aqui pensando nos usos desses dois filósofos.
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inacabados - a boa literatura é sempre prazerosa - o que não quer dizer confortável, muito menos
que seja moral, como lembra Durão (2017) - mas para que assim proceda é preciso que a
respeitemos em sua integridade. Como nos lembra Durão:
No máximo seria possível dizer que a literatura alarga horizontes mentais e
fortalece a inteligência, que pode ser usada para qualquer fim, inclusive,
naturalmente, os mais maléficos. [...] Se a indiferença em relação ao Bem
dificulta que a literatura seja justificada institucional e socialmente, o segundo
aspecto aprofunda mais ainda sua crise de legitimação, pois, como tal, ela não
possui utilidade alguma. Qualquer saber que se busque em uma obra
específica pode ser mais proficuamente obtido em uma disciplina particular
(Durão, 2017, p. 5).
Ou seja, não podemos querer legar à literatura um papel que não é o dela, nem esperar
que faça o que não pode. Uma tentativa de incluir no literário o terapêutico é como procurar
esconder na comida da criança o remédio: pode até funcionar para curar a criança, mas
certamente vai estragar o gosto da comida.
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REFERÊNCIAS
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