Andre Rezende Benatti
https://orcid.org/0000-0001-8909-8347
Doutor em Letras Neolatinas: estudos literários hispânicos, na Universidade Federal do Rio de
Janeiro; Bolsista Capes; Mestre em Letras: estudos literários, pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (2013) e graduado em Letras, habilitação em Português/Espanhol, pela Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (2009). Atualmente é professor convocado da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul. Editor-chefe da REVELL - Revista de Estudos Literários da
UEMS. É membro da Associação Brasileira de Hispanistas - ABH.Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Literaturas Estrangeiras Modernas, na qual desenvolve pesquisas relativas às
temáticas da Violência, Cultura e Modernidade na Literatura Latino-americana e Espanhola,
especialmente na obra de Josefina Plá. E-mail: andre_benatti29@hotmail.com.
PhD in Neolatin Languages: Hispanic Literary Studies from the Federal University of Rio de
Janeiro; CAPES Scholar; Master's in Literary Studies from the Federal University of Mato Grosso
do Sul (2013) and Bachelor's Degree in Languages, with a specialization in Portuguese/Spanish,
from the State University of Mato Grosso do Sul (2009). Currently, a professor at the State
University of Mato Grosso do Sul. Editor-in-chief of REVELL - Journal of Literary Studies at
UEMS. He is a member of the Brazilian Association of Hispanicists - ABH. He has experience in
the field of Languages, with an emphasis on Modern Foreign Literatures, where he develops research
on themes of Violence, Culture, and Modernity in Latin American and Spanish Literature, especially
in the work of Josefina Plá. Email: andre_benatti29@hotmail.com.
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.
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SOBRE O VAZIO DO COTIDIANO: UMA LEITURA DO CONTO
ROSA SHWARZER VUELVE A LA VIDA, DE ENRIQUE VILA-
MATAS
RESUMO
O presente trabalho pretende analisar o conto “Rosa Shwarzer vuelve a la vida”, do escritor espanhol
Enrique Vila-Matas, presente na coletânea de contos intitulada Suicidios Ejemplares (2012), publicada
em 1991.Esta proposta de leitura gira em torno dos aspectos que envolvem a vida da personagem Rosa,
criada por Vila-Matas, a partir da relação desta com El Principe Negro, quadro do pintor modernista
suíço Paul Klee. A análise é feita também em torno do vazio existencial da personagem sente ao ponto
de cogitar cometer o suicídio; esse vazio tão imenso a leva ao limite de sua existência, não querendo
mais fazer parte do mundo empírico em que se encontra, fazendo-a perder a vontade de viver, como ela
consuma esse ato e retorna a vida novamente, esses sãoos objetos de pesquisa. Para esta leitura da
narrativa serão utilizadas questões relativas aos estudos literários, mais especificamente no tocante as
construções do texto, suas microestruturas, assim como de outras vertentes analíticas, em menor grau.
Palavras-chave: Suicídio; Enrique Vila-Matas; personagem; vazio.
ON THE EMPTINESS OF EVERYDAY LIFE: A READING OF THE SHORT STORY
ROSA SHWARZER VUELVE A LA VIDA” BY ENRIQUE VILA-MATAS
ABSTRACT
The present work aims to analyze the short story "Rosa Shwarzer vuelve a la vida" by the Spanish writer
Enrique Vila-Matas, featured in the collection of short stories titled Suicidios Ejemplares (2012),
published in 1991. This reading proposal revolves around the aspects that involve the life of the character
Rosa, created by Vila-Matas, focusing on her relationship with El Príncipe Negro, a painting by the
Swiss modernist painter Paul Klee. The analysis also centers on the existential void felt by the character
to the point of contemplating suicide; this immense void drives her to the limit of her existence, making
her no longer want to be part of the empirical world she inhabits, leading her to lose the will to live.
How she consummates this act and returns to life again are the main research subjects. For this reading
of the narrative, issues related to literary studies will be employed, more specifically regarding the text's
construction, its microstructures, as well as other analytical approaches, to a lesser extent.
Keywords: Suicide; Enrique Vila-Matas; character; emptiness.
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Enrique Vila-Matas em sua coletânea de contos intitulada Suicídios Ejemplares (2012),
escreve narrativas curtas, cujas histórias, por mais diversas que possam ser, sempre têm como
primazia um ato intencional de matar a si mesmo, o suicídio. Todavia, os suicídios ocorridos
nos contos da coletânea nunca são concretizados, não são suicídios com relação ao fim da vida,
a morte, o falecimento, o desencarne, mas sim com o suicidar-se metaforicamente e deste
emaranhado de doze suicídios, nos propomos a fazer uma leitura do conto “Rosa Schwarzer
vuelve a la vida”.
Quando tomamos as acepções da personagem no texto narrativo o primeiro ponto a ser
pensado é que essa pessoa da narrativa, lembrando a nomenclatura de Edgar Morgan Forster,
em Aspectos do Romance (2004), só existe no universo criado dentro do texto, portanto, ela é
resultado da construção/criação feita pelo autor. A personagem, para Forster (2004) é uma
pessoa não existente fora das palavras do texto. Rosa Schwarzer só existe em seu conto. Beth
Brait dá destaque nesta construção de pessoa ao trabalho linguístico do autor quando revela “a
materialidade desses seres pode ser atingida através de um jogo de linguagem que torne
tangível a sua presença e sensível os seus movimentos” (Brait, 1993, p.53). A partir desta
materialidade, criada pelo jogo de linguagem, analisaremos a personagem Rosa, materialidade
esta marcada pela visão do narrador sobre a personagem na narrativa, é ele que nos dará acesso
à própria Rosa e ao ambiente de sua casa e trabalho, assim como a monotonia presente na vida
da personagem.
Segundo Brait (1993), o narrador em terceira pessoa, como é o caso do conto a ser
analisado, não está envolvido na história, ele apenas narra observando, não é personificado. Na
narrativa de Vila-Matas, chama a atenção, também, a maneira como esse narrador supostamente
conhece Rosa, a ponto de iniciar dois parágrafos da narrativa com a frase “Eu sei que Rosa
Schwarzer[...]” (2012, p. 43-44), denotando um narrador que conhece muito bem a personagem
a qual está narrando.
No conto em questão, o narrador criado por Vila-Matas, nos apresenta a história de uma
pretensa suicída, mas, sem coragem para o ato, sempre arranja um motivo para continuar
vivendo, ora pelo filho, ora pelo marido que a trai. Em todo o decorrer do conto, se por um lado
o narrador nos apresenta a vida medíocre e sem sentido de Rosa, por outro lado a personagem
se sente sempre muito envolvida por um dos quadros cuidados por ela no museu onde trabalha.
Esse quadro, de certa forma, manipula seu psicológico, é como se a conhecesse intimamente,
soubesse dos seus problemas e a convidasse diariamente para ir conhecer seu “país”, isto é o
país dos suicidas. Como em uma relação às avessas de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar
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Wilde, cuja personagem principal, Dorian, não consegue olhar para seu retrato, Rosa sente-se
atraída pelo retrato de outra pessoa.
Rosa Shawarzer é uma mulher comum, como tantas outras, casada, mãe de dois filhos,
tem um emprego mediado, mas sua vida foi escolhida por ela própria. Além de uma rotina
monótona, têm muitos problemas, o marido a trai, o filho mais velho com uma doença mortal,
e existe nela uma vontade enorme de morrer, o que a diferencia das demais mulheres são seus
amigos fictícios.
Os sentimentos de tristeza “[…] a tientas en el vacío incoloro e insípido de su triste vida
[…]” (Vila-Matas, 2012, p. 44), e de infelicidade tomam conta de Rosa no decorrer da narrativa,
a personagem vive em uma solidão interior, o que acaba afetando sua vida exterior, levando-a
ao delírio diário de suicídio, a personagem vive terrivelmente cansada de tudo e de todos,
perdeu o apreço pela vida e mergulhou num vazio existencial imenso, vivendo não por si, mas
pelo seu filhonecessitadode seus cuidados “[...] y que aquella era una verdadera razón para
seguir viviendo”
(Vila-Matas, 2012, p. 46).
Em seu emprego de vigia no museu de Dusseldorf, Rosa Schwarzer cuida de várias
obras de artes em uma sala dedicada ao pintor Paul Klee, onde há dois quadros, os quais vigia
com zelo e carinho, mais que sua própria vida, e um em especial, chamado “Príncipe Negro”,
um sedutor africano pintado pelo artista suíço, para Rosa, vive convidando-a para entrar em seu
país. Nesse país dos suicidas, em seus delírios, emergida em uma profunda melancolia, escuta
sons vindo do quadro, um som como batidas de tambor a incita e incentiva a entrar em seu país:
[…], pues desde hace un rato, mezclándose con el sonido de la lluvia que cae
sobre el jardín del museo, ha empezado a llegarlle, procedente del cuadro El
príncipe negro, la seductora llamada del oscuro príncipe que, para invitarla a
adentrarse y perderse en el lienzo, le enviael arrogante sonido del tam-tam de
su país, país de los suicidas. (Vila-Matas, 1991, p. 43)
Para Leyla Perrone-Moisés, o fator sedutor está ligado a toda e qualquer parcela da vida
humana, portanto também à sua linguagem “o seduzido não está simplesmente entregue a
fantasia neurótica. nele, antes de tudo, o desejo de entrar em outra linguagem, de sair daquele
círculo em que está aprisionado [...]” (Perrone-Moisés, 1998, p. 17). Exatamente como Rosa
deseja sair da vida à qual se encontra: [...] aprovecharse de aquella ocasión, tan fácil como
inmerojable, que se le apresentaba para quitarse la vida y alcanzar la libertad al desprenderse
de todo y de todos, salir por fin de este trágico y grotesco mundo (VILA-MATAS, 1991 p. 46).
A sedução exercida pelo príncipe do quadro de Paul Klee sobre Rosa, a envolve em
todas os momentos de sua vida, todavia, a personagem não sabe, ou ao menos não é
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demonstrado é que, se pensarmos em uma personagem com uma “vida” antes do retrato
fotografado no conto, mediante as acepções de Cortázar ao conto enquanto forma, desde antes
de conhecer O Príncipe Negro, Rosa estava ligada a ele de alguma forma. Paul Klee, de
acordo com Rosana Costa Ramalho de Castro (2010), nasceu em Münchenbuchsee, Suíça, foi
pintor e poeta, naturalizado alemão, influenciado por várias tendências diferentes, incluindo o
expressionismo, cubismo e surrealismo, e foi também um dos principais teóricos do movimento
construtivista nas artes plásticas. Klee pinta o quadro expressionista Príncipe Negro em 1927.
Quando voltamos um pouco nossa discussão ao título do conto, "Rosa Schwarzer vuelve la
vida" e buscando o significado da palavra Schwarzer, percebemos que a palavra provém do
alemão e sua tradução para o espanhol, língua oficial do conto, significa negro, o mesmo
significado do nome do quadro o qual Rosa cuida: Schwarzer Fürst em espanhol, El Príncipe
Negro.
De acordo com Sónia Pérez Castro, o nome de Rosa, assim como a história que se conta
na narrativa não se dá pela primeira vez no livro Suicidios Ejemplares (2012).
Revisando la obra de Vila-Matas comprobamos que esta no es la primera vez
que aparece este nombre; lo encontramos en un artículo dentro del libro El
viajero más lento, que corresponde con la parte denominada “Alemania en
otoño”, una colección de artículos que aparecieron en Diario 16 en el año
1989, con fecha, por lo tanto, anterior a la publicación de los relatos. En esta
sección de El viajero más lento lo que hace Vila-Matas es una especie de diario
de viaje de su estancia en Alemania cuando estaba allí promocionando su obra.
Leyendo ambos textos comprobamos que apenas existen diferencias entre el
principio de los dos relatos, simplemente el segundo, el que pertenece a
Suicidios ejemplares, es una reelaboración del primero (Pérez Castro, 2006,
p. 2).
Desta maneira, podemos perceber que as personagens do conto e do quadro têm um
“relacionamento” muito próximo,assim como a relação que envolve o autor e o conto. Pois,
percebemos que a cor negra rodeia a tela do príncipe no quadro de Klee, também rodeia a vida
de Rosa, cor esta sempre relacionada ao sombrio, à tristeza. Nas palavras de Vila-Matas (1991,
p. 61), “Rosa Schwarzer comprende enseguida que se trata de volver a suicidarse, en este caso
de practicar el gesto al revés, un suicidio que la haga caer, no del lado de la belleza sino del
lado opuesto, del lado de la vida”. Dessa maneira, grande importância a relação do título
com o desenvolver da história, ou seja, uma ideia de polaridade exposta, relacionando o nome
e os desejos de Rosa. O restante do título “vulve a la vida”, tomando-se assim a possibilidade
que Rosa necessita para sair do estado o qual se encontra, fuga da morte, mas não a morte física,
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a morte espiritual leva essa mulher a suportar todos os tipos de humilhação por aqueles ao seu
redor.
De acordo com Antonio Candido (2002), personagens são seres criados na ficção, cujos
fatos se relacionam à sua vida estão intimamente ligados aos componentes ficcionais, ou seja,
às estruturas da narrativa, bem como a visão da vida decorrente dos significados e valores que
os animam. Assim, a personagem é o o ser mais “vivo” na narrativa. No conto de Vila-Matas,
Rosa espera que sua vida torne a ser bela como era antes, quando conheceu seu marido, quer
ser amada e respeitada por todos de sua casa, sua vida é considerada por ela um vazio enorme,
por mais que tente ser feliz não consegue, porque felicidade sozinha não se completa, ela precisa
preencher essa lacuna, precisa de algo depara dar a ela um sentido real, uma atenção especial
para continuar vivendo, pois com o tempo, as chamas do amor foram se apagando, o
encantamento amoroso se extinguindo, até se transformar em traição [...] para seguir
intentando que su marido recuperara La alegría y volviera a ser aquel hombre encantador que
había conocido en el parque de Hofgarten, una maravilhosa mañana de domingo, treinta años
antes [...](Vila-Matas, 2002, p. 45).
[...] na vida estabelecemos uma interpretação de cada pessoa, a fim de
podermos conferir certa unidade à sua diversificação essencial, à sucessão dos
seus modos de ser. No romance, o escritor estabelece algo mais coeso, menos
variável, que é a lógica da personagem. A nossa interpretação dos seres vivos
é mais fluída, variando de acordo com o tempo ou as condições da conduta.
No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação da
personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência fixada
para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza do seu modo
de ser (Candido, 2002, p. 58-59).
Quando pensamos na curvatura dada por Vila-Matas à personagem Rosa Schwarzer,
essa Rosa está desde o título marcada pela escuridão, Rosa Negra, percebemos as
delimitações dadas pelo escritor impedem que a personagem aja diferentemente do mundo o
qual vive, mesmo assim desejando, buscando tal feito neste país de suicidas.
Sobre a vida dada por Vila-Matas a Rosa,
En realidad su marido, engañándola a diario de aquella forma tan zafia con la
vecina (y creía el muy desgraciado que ella no sabía), era merecedor de…,
para seguir intentando que su marido recuperara la alegría y volviera a ser
aquel hombre encantador que había conocido en el parque de Hofgarten, una
maravillosa mañana de domingo […] (Vila-Matas, 2012, p. 45).
No dia do seu aniversário em meios a tantos pensamentos vazios, e as ocasiões
tempestuosas, ainda assim Rosa pensava duas vezes antes de se matar, saindo para comprar
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batatas, resolve fazer uma parada e tomar um café, havia muito tempo que não fazia isso, ela se
sentiu animada.
Para celebrar que había decidido continuar viva, entro em el Comercial a
tomar um te, y lo hizo com la satisfación de quien por fin se atreve a tomar
uma decisión largo tiempo aplazada, pues hacía años […], sintió que estaba
viviendo unos momentos de intensa libertad. (Vila-Matas, 1991, p. 48-49)
Para Antonio Dimas, em Espaço e romance (1986), entre as várias microestruturas
textuais, o espaço pode adquirir grande importância no texto literário, e em alguns textos por
estar diluído entre as outras microestruturas, pode ter importância secundária. No conto de Vila-
Matas, o espaço adquire importância a partir do ponto que pensamos no lugar onde Rosa
trabalha, um museu, e o contato o qual ela tem com o que a leva ao “país dos suicidas”, dá todo
o desenrolar de suas ações, o transporte desta para outro local, de uma sala a um país. O espaço,
desta forma, exerce grande função na narrativa segundo Bachelard em A poética do espaço
(2008),
É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fosseis de duração
concretizados por longas permanências. O inconsciente permanece nos locais.
As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem
especializadas. Mais urgente que a determinação das datas é, para o
conhecimento da intimidade, a localização nos espaços da nossa intimidade.
(Bachelard, 2008, p. 29)
Neste mesmo espaço se desenvolverá todas as ações de Rosa. Ao tentar se animar com
sua ida ao café a personagem conhece um homem, o qual tinha o mesmo nome de seu filho, faz
uma breve amizade e saí junto caminhando pela cidade, os espaços transitam e mudam
constantemente nesta fase da narrativa, mas o que vem junto a esse caminhar é o fato dele
também achar a realidade desagradável; percebemos, nesse momento, que até a caminhada,
Rosa traz em sua mente a presença do príncipe negro em sua vida, por três vezes pensa em se
matar, mas a presença do homem desconhecido, neste trânsito de espaços, faz Rosa deixar por
alguns momentos o vazio de sua vida, e passa a ser preenchida por essa companhia e pelo novo
lugar.
Ya eran três las oportunidades que habia desperdiciado aquella mañana, tres
rotudas y claras ocasiones para matarse. Eso le hacía sentirse tan segura y era
tal confianza que en aquel momento tenía en sí misma que se atrevió a invitar
al desconocido de la capucha a pasear con ella por el barrio (Vila-Matas, 1991,
p. 51).
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O contato com a novidade, seja ela o amigo ou a espacialidade do passeio, faz com que
Rosa se abra ao desabafo de seus pensamentos mais íntimos. Ao novo amigo, contou-lhe seus
mais íntimos desejos de suicídios e a maneira como queria realizá-los intuitivamente em cada
momento de desespero, mas seu amigo lhe deu um conselho, que o fizesse, de uma maneira
mais sutil, com mais estética e então lhe deu uma garrafinha de uísque falando era cianureto:
Mira, tienes que hacerme un favor, Rosa. La próxima vez que quieras matarse
no recurras a la lejía ni al patio de la vecina a las ruela de un coche. Son
muertes poco estéticas, la verdade. En caso de necesidad le dijo él basta
con decapitar el botellín y tomar el veneno de un solo trago, así de sencilla es
la cosa […]. – Te juro que es cianureto. El botellín sólo esta para despistar, ¿
es que no lo comprendes? (Vila- Matas, 2012, p. 52).
Neste exato momento ela não escuta mais o som do tambor do país dos suicidas, pois
está do lado de um homem que mesmo desconhecido acaba substituindo o Príncipe Negro, este
novo homem não a convida para o país dos suicídios, mas oferece o veneno para quando quiser
suicidar-se, o veneno já está em sua mão.
Assim, o novo devaneio de sua ida ao país dos suicidas ganha novo espetáculo, neste
não mais precisa viajar um “país” totalmente desconhecido a ela, basta um gole e irá
definitivamente ao encontro do local suicida. Como lembra Bachelard (2008), na citação acima,
o devaneio no qual Rosa se encontra a leva a um estado fora do mundo próximo, a leva ao
mundo do Príncipe Negro.
[...] o devaneio alimenta-se de espetáculos variados; mas por uma espécie de
inclinação inerente, ele contempla a grandeza. E a contemplação da grandeza
determina uma atitude tão especial, um estado de alma tão particular que o
devaneio coloca o sonhador fora do mundo próximo, diante de um mundo que
traz o signo do infinito. (Bachelard, 2008, p. 189)
Para além das questões relativas à personagem de Rosa e suas relações no decorrer da
narrativa de Vila-Matas, parece-nos relevante explorar uma das questões que, apesar de
mencionada anteriormente, não foi completamente marcada, pois nos vimos às voltas com as
sensações apenas da personagem principal.
A Arte Moderna é a criação alocada convencionalmente num período o qual chamamos
modernidade, é, assim como qualquer forma artística, uma percepção impressa pelo visual,
pictórico, tal qual a literatura o faz por meio de palavras, ou seja, é a forma com que o homem
de tal época viu e representou o mundo que o cercava naquele momento. Quando pensamos
neste mesmo aspecto da literatura espanhola, percebemos existir um ‘rompimento’ iniciado
pelo homem Romântico, o qual caracteriza o início do que vai concretizar-se no chamado de
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Modernismo. Este homem moderno que, para além das nomenclaturas temporais, passa a ver a
si próprio representado nas artes de maneira distinta.
Para Marshall Bermann (1999), a diferença entre este homem moderno e o homem de
outros tempos, o moderno, tem consciência das transformações pelo qual mundo que o cerca
passou. Há uma lembrança recente do viver para a razão e o viver para o espírito, e o viver um
tempo de revolução e explosão em todas as parcelas da vida: pessoal, social, política,
econômica, cultural e artística, “é dessa profunda dicotomia, dessa sensação de viver em dois
mundos simultaneamente, que emerge e se desdobra a ideia de modernismo e modernização”
(Bermann, 1999, p. 19). Assim, influídos por fatores externos à literatura há uma aceleração do
rompimento do artista com valores estéticos clássicos, e como resultado há também uma nova
forma de representar o mundo, a inquietação com a realidade circundante se apossou do homem
moderno.
Ao pensarmos tal relação de representação da pintura e da literatura, e mais
propriamente da pintura na literatura, e suas influências na história contada pela literatura,
aproximando-nos mais ainda do conto de Vila-Matas, é praticamente impossível não pensar na
obra marcante no assunto, o romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, de 1890, no
qual as relações conturbadas de Dorian com seu próprio retrato, a ojeriza que ocorre por parte
de Dorian por não consegue ver a “realidade” de sua própria vida, como ele realmente é.
Todavia as relações entre pintura e literatura que nos interessam falar diferem um pouco das
relações de Dorian Gray e seu retrato. Trata-se de uma relação oposta a esta, uma relação não
de ojeriza, mas de sedução, como falado anteriormente.
Na narrativa de Vila-Matas, o quadro do Príncipe Negro é “lido” pela personagem Rosa
com tristeza e escuridão, este dá vazão ou intensifica as sensações na vida da personagem, que
naquele momento, enfrentava solidão, tristeza e rejeição em sua vida fora do museu. O príncipe
negro, personagem do quadro, chama Rosa a visitar o país dos suicidas, para onde foi
transportada em companhia do próprio príncipe, para outro lugar, descrito no conto “o outro
lado da existência” e, de certa forma, era para onde Rosa, por várias pensou em ir para o país
do Principe Negro, quando pensava em suicídios. Podemos perceber, portanto, a relação entre
o quadro e Paul Klee e a personagem de Vila-Matas, está de tal maneira interligada que se
misturam ambas histórias, o escritor espanhol integra a história pintada pelo artista suíço à sua,
tornando-as uma narrativa única.
Essa passagem é descrita no texto como uma tontura balançando Rosa para frente e a
faz entrar no quadro: “Subitamente mareada de muerte, ella da una fuerte cabezada hacia
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adelante y cuando está a punto de desplomarse siente que há entrado em el cuadro [...]”, (Vila-
Matas, 1991, p. 60-61), após tomar um líquido do vidro de uísque, até então, como cianureto:
“De um solo y fulminante trago ingiere el veneno, y casi de inmediato el tam-tam la envuelve
com la más cálida sensualidad”.(Vila-Matas, 2012, p. 60). O que se entende como uma tontura
pela personagem e essa tontura a deixou em estado de alucinação.
Na narrativa, porém não se confirma se o quido ingerido por Rosa era mesmo
cianureto, o que a mataria em poucos instantes a personagem. na narrativa, indícios de Rosa
nunca havia experimentado uma gota de álcool “aunque no está segura de que el whisky
despierte, nunca probado uma gota de alcohol y no sabe cómo puede sentarle, pero se
arriesgará.” (Vila-Matas, 1991, p. 60), portanto fica a dúvida de Rosa para o mundo dos
suicidas, se foi adormecimento por efeito alcoólico, ou se foi efeito do veneno que a levou
temporariamente, a estado de alucinação.
Como fator principal da personagem, descrita na narrativa como uma das várias
tentativas de suicídios de Rosa, a experimentação real da morte, associada a situação de
melancolia da personagem, a leva a outra perspectiva: a morte não resolve nem afasta os
sentimentos de Rosa: “La felicidad mata y estos suicidas imitan no lo inimitable sino lo
inexistente, piensa Rosa Schwarzer, mientras recuerda que también la irrealidad es
desagradable.” (Vila-Matas, 1991, p. 61).
Essa nova cultura é incompreensível e diferente para Rosa, esta sente um desagrado ao
ver que aquele mundo, não era o mundo o qual ela gostaria de habitar, pois apesar da beleza
que ela presenciava, não preencheu o seu vazio existencial.
Y es que a pesar de la exultante belleza del príncipe, del humo azul ardiente y
del deslumbrante país en el que se encuentra, comienza a sentirse incómoda
en esa cultura incompreesible, en ese lejano y misterioso lugar en el que se
celebra la muerte. (Vila-Matas, 2012, p. 61).
Assim, permitimo-nos “pensar que o suicida não quer morrer, ele quer apenas dar um
sentido ao vazio de sua vida, com a morte” (Silva, Nogueira, Fraga, 2009, p. 105). Diante da
expectativa de Rosa frente ao príncipe negro e à morte, percebemos que um suicida conhece a
morte não pode falar sobre ela, no caso de Rosa o que morreu estava em seu interior, por mais
vazia que seja a vida ela pode ser preenchida com sonhos e esperanças. A morte pode até ser
bela, pois não a vivenciamos literalmente, porém, ela não nos leva a uma existência, ao
contrário ela tira de nós o sonho, o prazer e o eu, enquanto ser vivente.
Logo, podemos nos perguntar o que é a morte, se não um vazio, um nada? Poderíamos,
assim, dizer que seria um homem buscando tornar-se nada por sua total insatisfação com o que
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o cerca. Todavia, não se é ou deixa de ser nada, desta forma não existe vida e tudo continuará
sendo vazio, pois a vida é a morte desde quando nascemos e está chega ao fim não deixa de ser,
há uma perda de vida total e o fim.
Rosa Schwarzer no lo piensa dos veces, se acerca a una de las columnas de
humo y aspira profundamente, com todas sus fuerzas, y en tan sólo unos
instantes se halla de nuevo sentada en su silla del museo, junto a la que
descansa, rota en mil pedazos, la cápsula embriagadora. (Vila-Matas, 1991, p.
62)
Por motivos claramente expressos no conto, Rosa estava cansada da vida e de viver,
pois via na realidade um desagrado: a falta de sentido para seguir vivendo, em um diálogo com
um homem boêmio é possível perceber esse sentimento conforme segue: “– Por que la realidad
es desagradable. / - ¡Que gracioso Le dijo¿ y acaso no lo es también la irrealidad, amigo?”
(Vila-Matas, 2012, p. 50).
Depois que Rosa conheceu o país do Príncipe Negro, percebeu sua falta de identificação
com ele e volta ao seu mundo novamente, entende que não se ouve mais o clamor apaixonado
do país dos suicidas, aliviada, volta a assumir sua vida, uma vida escassa de propósitos:
Todavía algo mareada, recompone su figura mientras comprueba que todo
sigue igual. O mejor dicho, casi todo igual, porque ya no se aprecia el reclamo
enamorado y constante del tam-tam de los suicidas. Inmóviles están ahora el
negro del príncipe y el rosa del Monsieur. En el fondo, todo está en perfecto
y triste orden. Con sentimiento amargo pero el fondo también muy aliviada,
Rosa Schwarzer siente que ha vuelto a sumirse en la grisalla de su vida, y se
encuentra bien […]. Tal vez sean mejores así: reales, vulgares, mediocres,
profundamente estúdidas. Después de todo, piensa Rosa Schwarzer, aquello
no era mi vida. (Vila-Matas, 2012, p. 62)
No conto de Vila-Matas, Rosa Shwarzer faz-nos refletir o quanto a vida é frágil, a falta
de amor, reconhecimento, uma vida monótona, leva-nos, a uma melancolia tão profunda que
somente a literatura pode elucubrar por meio da fantasia e representação da mente do ser
humano.
Os sentidos descritos no conto pela perspectiva da personagem, pelo seu amigo ou pelo
quadro, são traços que remetem à questão do vazio e angústia sentidos por Rosa e dão vazão as
pequenas tentativas de suicídio por ela almejados.
Esse sentimento vivido por Rosa é interpretado por vazio existencial, é característico
dos temas atuais de literatura, a realidade dela era acompanhada da escuridão, a começar pelo
seu nome, associados a outros aspectos, faziam com que a personagem depreciasse a vida e a
fizesse pensar em outras possibilidades menos opressoras.
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Revista Coletivo Cine-Fórum RECOCINE | v. 2 - n. 2 | mai-ago | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás
Dessa forma percebemos que Rosa, acredita que dentro ou fora do seu mundo sua vida
continuaria a mesma coisa, a mesma vida triste e monótona de sempre, por isso se diz Rosa
Schwarzer volta a vida.
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REFERÊNCIAS
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