aniquilá-lo? Mas, além disso, verdade, diz Horne Tooke, significa
simplesmente a coisa encontrada, a coisa acreditada; e então, desta para a
coisa mesma, por que nova dedução fatal não temos de passar! Sem
inteligência, mesmo a crença será de pouco proveito: e como sua publicação
pode ser útil, se nela não há visão, mas mera cegueira? Pois, assim como nas
nomeações políticas o nomeado não é aquele que é o mais hábil para cumprir
a tarefa, mas apenas aquele que é o mais hábil para ser nomeado, assim
também em todas as eleições e seleções históricas, a obra mais maluca é a que
vai adiante. O acontecimento que mais merece ser conhecido é talvez aquele
de que menos se fala; mais ainda, alguns dizem que é da natureza mesma de
tais eventos ser assim.19
Neste ponto crítico de seu ensaio, Carlyle põe em cheque a capacidade humana de fazer
uma curadoria justa. A “natureza mesma de tais eventos” dita que seja assim, mas claramente
há algo errado com o que se categoriza como memorável, cogitando que o esquecido ou menos
falado seja o merecedor do conhecimento universal. Em outras palavras, que “a verdade” seja
algo que precisa ser “encontrada”, já que o exposto como tal é talvez também obra de nossa
falta de inteligência e honestidade. Estamos trocando a luz pela escuridão, dando contraste a
fenômenos que possivelmente mereçam as chamas, como dito acima. Assim, como exposto no
início deste texto, a vida espiritual, que se baseia no relato destas experiências humanas,
encontra-se firmada num engano.
KIERKEGAARD
Kierkegaard sempre se utiliza de personagens históricas e da ficção em seus livros. Para
ele, talvez mais importante do que sua veracidade objetiva é a veracidade que pode adquirir
pela subjetividade de alguém. Para tanto, ele não poupa esforços em utilizar a moral de diversas
histórias ficcionais ou biográficas para aprofundar ou ilustrar um conceito em sua filosofia, que
visa, no fim das contas, despertar a vida espiritual do leitor.
Em Temor e Tremor, Kierkegaard se debruça sobre a história de Abraão e o sacrifício
de Isaque. O pseudônimo Johannes de Silentio se apresenta como uma espécie de poeta que
narra a história de seu herói, Abraão. Ao menos aqui, podemos ver uma semelhança com o
pensamento de Carlyle. Os heróis são os escolhidos para terem suas histórias narradas na
história, quer seja ficcional ou não.
Contudo, a história de Abraão é uma que, apesar de contada de forma objetiva, tem seu
valor na subjetividade deste herói. Toda a angústia que passou e fé que precisou ter para
readquirir seu filho no momento do sacrifício fazem parte apenas do universo interior de
19 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.
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Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás