RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513  
Paulo Ricardo Gomides Abe  
Paulo Abe é bacharel, mestre e doutorando em Filosofia pela Universidade  
de São Paulo. Em 2020 teve uma estadia de pesquisa no Centro de Pesquisa  
Soren Kierkegaard, onde apresentou seu trabalho e pôde iniciar seu  
trabalho de tradução das obras de Kierkegaard. No campo literário,  
publicou cinco livros de ficção e diversos contos, sendo finalista e  
premiado em diversos festivais.  
Paulo Abe has a bachelor's, master's and doctoral degree in Philosophy  
from the University of São Paulo. In 2020 he had a research stay at the  
Soren Kierkegaard Research Center, where he presented his work and was  
able to begin his work translating Kierkegaard's works. In the literary field,  
he published five fiction books and several short stories, being a finalist  
and award-winning in several festivals.  
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.  
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO COMERCIAL 4.0 INTERNACIONAL CREATIVE COMMONS CC BY-NC  
O CONCEITO DE HISTÓRIA EM CARLYLE E  
KIERKEGAARD  
RESUMO  
Este artigo busca explorar as aproximações entre Thomas Carlyle e Søren Kierkegaard no que  
diz respeito ao entendimento da história e à participação do indivíduo nela. Através da análise  
do ensaio de Carlyle “Sobre a História” e “Ainda sobre a História”, e dos textos de Kierkegaard,  
especialmente “Temor e Tremor” e “O Conceito de Angústia”, o artigo examina como ambos  
os pensadores veem a história como uma combinação de experiências humanas e como essas  
experiências são percebidas e registradas. Carlyle enfatiza a falibilidade humana na  
compreensão da história devido à falta de honestidade e inteligência, enquanto Kierkegaard  
destaca a importância da subjetividade e da interioridade para a verdadeira compreensão  
histórica, colocando ênfase na necessidade de coragem, seriedade e convicção. O artigo conclui  
que, embora ambos reconheçam a grandiosidade daqueles que não estão registrados na história,  
há uma divergência na forma como entendem os obstáculos para uma verdadeira compreensão  
histórica.  
Palavras-chave: História. Kerkegaard. Carlyle.  
THE CONCEPT OF HISTORY IN CARLYLE AND KIERKEGAARD  
ABSTRACT  
This article aims to explore the intersections between Thomas Carlyle and Søren Kierkegaard  
regarding their understanding of history and the individual's role within it. By analyzing  
Carlyle's essay "On History" and Kierkegaard's works, particularly "Fear and Trembling" and  
"The Concept of Anxiety," the article examines how both thinkers view history as a composite  
of human experiences and how these experiences are perceived and recorded. Carlyle  
emphasizes human fallibility in understanding history due to a lack of honesty and intelligence,  
while Kierkegaard underscores the importance of subjectivity and inwardness for true historical  
understanding, emphasizing the need for courage, seriousness, and conviction. The article  
concludes that although both recognize the greatness of those not recorded in history, they  
diverge in their views on the obstacles to true historical understanding.  
Keywords: History. Kerkegaard. Carlyle.  
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INTRODUÇÃO  
Neste artigo, propomos uma análise comparativa entre Thomas Carlyle e Søren  
Kierkegaard, enfocando suas perspectivas sobre a história e a participação do indivíduo nela. A  
obra de Carlyle, particularmente seu ensaio Sobre a História, oferece uma visão onde a história  
é vista como a raiz de toda ciência e um produto essencial da natureza espiritual do homem.  
Carlyle sugere que nossa vida espiritual é construída sobre a história, vista como um conjunto  
de experiências registradas que guiam e preenchem o espírito dos indivíduos. Essa perspectiva  
enfatiza a importância da história para a vida espiritual e a filosofia, uma vez que esta ensina  
por meio da experiência.  
Por outro lado, Kierkegaard, em obras como Temor e Tremor e O Conceito de Angústia,  
utiliza personagens históricos e ficcionais para ilustrar conceitos filosóficos, destacando a  
importância da subjetividade na compreensão da história. Para Kierkegaard, a história de  
figuras como Abraão é valiosa não apenas pelos fatos objetivos, mas pela experiência subjetiva  
e a angústia que acompanham essas narrativas. Ele argumenta que a verdadeira compreensão  
da história requer que o indivíduo se veja refletido nos eventos históricos, tornando-se um  
participante ativo na própria história, em vez de um mero observador passivo.  
Ao longo deste artigo, discutiremos as principais seções que abordam a complexidade  
da história e da participação individual segundo Carlyle e Kierkegaard. Examinaremos como  
Carlyle questiona a hierarquia das ações históricas e a falibilidade humana em compreender a  
totalidade da experiência histórica. Em contraste, exploraremos como Kierkegaard destaca a  
dificuldade de comunicar a subjetividade e a necessidade de uma leitura ativa da história, onde  
o indivíduo se encontra e se compreende nos eventos narrados. Por fim, abordaremos as  
dificuldades apontadas por ambos os autores em relação à honestidade, inteligência, coragem e  
seriedade necessárias para uma verdadeira compreensão e participação na história.  
CARLYLE  
Thomas Carlyle em seu ensaio Sobre a História de 1830 afirma que: “A história,  
estando na raiz de toda ciência, é também o primeiro produto distinto da natureza espiritual  
do homem; a primeira expressão do que pode ser chamado pensamento.”1 Uma vez sendo  
considerado pensamento, poder-se-ia dizer que é acessível a todos, pois, como diz, nascemos  
com o talento para a história; é nossa principal herança.  
1 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf. Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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O autor observa que a maioria dos homens tende a apenas narrar a história,  
amplificando-a, sem, contudo, compartilhar o que pensam ou participar da história. Para tanto,  
afirma que nossa própria fala é histórica. Todavia, mesmo isso é colocar a história em certa  
prática.  
Assim, como não fazemos outra coisa senão pôr a história em prática, o que  
dizemos não é senão recitá-la: ou melhor ainda, toda a nossa vida espiritual,  
no sentido mais amplo, é construída sobre ela. Pois, estritamente  
considerado, o que é todo conhecimento senão experiência registrada e um  
produto da história, da qual raciocínio e crença, não menos que ação e paixão  
são materiais essenciais?2  
Nossa vida espiritual é baseada nesta experiência e conhecimento registrados. De  
maneira que guiam e/ou preenchem o espírito dos indivíduos que se encontram na própria  
história. Ela, a história, é essencial para a vida espiritual, pois é, segundo Carlyle, “filosofia  
ensinando por experiência”. No entanto, ainda que definido em tais termos, há uma outra  
definição para essa experiência?  
A história propriamente dita, aquela parte da história que trata das ações  
notáveis, (…) talvez jamais tenha estado em lugar tão alto quanto em nossa  
época. Pois, enquanto outrora o charme da história consistia principalmente  
em gratificar nosso apetite comum pelo maravilhoso, pelo desconhecido, e seu  
ofício não era outro senão o do menestrel e do contador de estória, ela se  
tornou agora, além disso, mestra de escola e declara instruir deleitando. 3  
Essas ações notáveis e heroicas que nos instruem são ações humanas. Isto é, temos nosso  
apetite saciado pelas histórias de pessoas, suas biografias. A própria vida social é o agregado  
de todas as biografias. Contudo, o que categoriza uma ação como heroica ou passível de entrar  
na história e ser recontada inúmeras vezes como parte crucial de seu tecido? Para tanto, Carlyle  
se faz a seguinte pergunta:  
Qual foi o maior inovador, qual foi o personagem mais importante na história  
humana, o que transportou armas por sobre os Alpes e venceu as batalhas de  
Canas ou de Trasimeno, ou o camponês anônimo que forjou para si mesmo  
uma espada de aço.4  
2 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
3 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
4 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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Ou seja, a hierarquia das ações definidamente históricas por sua excelência tem quais  
categorias como medida? No exemplo 1, temos um evento que envolve diversas biografias, na  
qual inclui-se inclusive a morte de inúmeras. No exemplo 2, a grande conquista é parte do  
universo de apenas uma biografia particular. Parece-nos que Carlyle questiona aqui uma  
diferença entre uma questão histórica quantitativa e outra qualitativa. Cada uma traz seu motivo  
de importância em seu bojo, porém em esferas diferentes.  
No entanto, é no primeiro exemplo que a história que conhecemos tende a ter os  
registros, a saber, nos grandes movimentos de massa, que envolvem diversas biografias e não  
no universo íntimo, particular e isolado. Com isso em mente, a história definida nestes termos  
julga como uma qualidade inerente às suas categorias a importância da sociabilidade. Todavia,  
Carlyle nos traz outra reflexão no sentido contrário.  
É preciso olhar com reverência para os escuros lugares desocupados do  
passado, onde, em oblívio informe, nossos principais benfeitores jazem  
insepultos, com todos os seus diligentes esforços, mas sem os frutos destes.  
Tal é a imperfeição daquela mesma experiência pela qual se deve ensinar  
filosofia.5  
Assim, a história, enquanto registro de experiências, pode negligenciar a importância de  
certas biografias em detrimento de outras, ainda que estas possam influenciar a história como  
relato e não tanto quanto um evento de causa e efeito no seu tecido.  
Carlyle nos apresenta outra dificuldade para a história também quando se pergunta:  
Mas se uma biografia, a nossa própria biografia, por mais que a estudemos e  
recapitulemos, permanece em muitos pontos ininteligível para nós, o que dizer  
desses milhões de biografias de que não conhecemos e não podemos conhecer  
os fatos, para não falar do significado deles!6  
Há uma intangibilidade em relação à totalidade de tanto a nossa biografia quanto a  
alheia, seja ela heroica ou não. Conhecer a experiência humana é uma tarefa da qual podemos  
apenas ter uma parte, inclusive de nossa própria. Estamos sempre parcialmente conectados a  
ela, se tomarmos sua inteligibilidade como uma conexão conosco. E, no entanto, sobre esta  
parcela que nossa vida espiritual tem sua base; sobre ela que a filosofia ensina por experiência.  
5 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
6 CARLYLE, T. Sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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Carlyle aponta para a dificuldade de se saber também os fatos, ainda mais de biografias  
desconhecidas, sem falar em seus significados. Contudo, tendo em mente o papel da vida  
espiritual e da filosofia para a história tomada nestes termos, é possível dizer que somente assim  
é possível ter uma filosofia e uma vida espiritual, isto é, sobre a parte que nos é inteligível.  
Neste sentido, o autor afirma: “Ainda que nossa faculdade de ver entre as coisas que passam  
jamais seja completa, há ainda uma discrepância fatal entre nossa maneira de as observar e a  
maneira como ocorrem.” Este abismo é intransponível, ainda que possamos pensá-lo e  
estejamos inclinados à história. Por isso afirma que a história de fato revele algo, mas “somente  
toda a história, e na eternidade, revelará claramente”  
Assim, temos a história em mãos apenas em certo esboço, uma vez que não somos  
oniscientes, tampouco eternos para compreendê-la em sua extensão. A compreensão que se  
pode ter da história é demasiada humana para ser compreendida absolutamente. Nas suas  
palavras: “a história é um manuscrito profético real, e não pode ser plenamente interpretado por  
homem algum.” Ainda que composta apenas pelas biografias humanas, a compreensão de seu  
tecido não se pode dar inteiramente pelos próprios seres humanos que a compõem.  
Em seu ensaio, Ainda sobre a história, Carlyle define a história como “a carta de  
instruções que as gerações antigas escrevem e transmitem postumamente às novas.7  
Entretanto, mesmo neste novo ensaio, seu entendimento dessa compreensão parcial da história  
não é revogada. Para tanto, o autor também escreve:  
Aquele que fosse perfeito em história, que entendesse, visse e conhecesse em  
si mesmo tudo o que a família inteira de Adão foi até aqui e fez até aqui, seria  
perfeito em todo o saber existente ou possível; daí por diante, ele já não  
precisaria estudar; nada mais lhe restaria daí por diante senão ser e fazer algo  
ele mesmo, tal que outros pudessem fazer história disso e aprender com ele.8  
Neste ponto, faz sentido que Carlyle coloque na “perfeição” o entendimento totalitário  
da história desde Adão, pois, como abordamos acima, conseguimos enquanto humanos  
imperfeitos conceber apenas uma ínfima parcela da história. E o problema não reside mais na  
percepção do que no próprio objeto que nos é dado. Como escreve: “Nossa ‘carta de instruções’  
nos chega no mais triste estado; falsificada, manchada, perdida, de sua existência nada mais  
7 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
8 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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resta que uma tira, bastante difícil de ler ou soletrar”.9 Assim, há uma dupla dificuldade na  
mensagem imperfeita para um receptor imperfeito.  
A história, assim, apesar de sua eternidade em si, dado que vai até os confins do passado  
e do futuro, é objeto de representação e de um entendimento aquém do eterno e do perfeito,  
pois, como o autor afirma: “a perfeição, em qualquer gênero, não é o quinhão do homem”.10  
Contudo, também escreve que “este [quinhão] da perfeição na história (também facilmente  
concebível) é talvez o mais miraculoso”.11 Desta forma, é possível agora afirmar que o objeto  
deste ensaio possui tanto o eterno quanto o perfeito em si.  
Como este não é o caso de nenhum ser humano, a saber, ser eterno e perfeito, com a  
citação acima em mente, é possível dizer que não há como “ser e fazer algo ele mesmo, tal que  
outros pudessem fazer história disso e aprender com ele.”12 Por consequência, caberia a nós  
“precisar estudar”. Isto é, estar sempre nos debruçando sobre a história, que vai sendo feita por  
outros na mesma situação, uma vez que, seguindo esta linha de pensamento, não são “perfeitos  
em todo o saber” para “ser e fazer”. Assim, ao menos nestes dois ensaios, parece que há uma  
contradição quanto a quem faz a história, seja o herói ou o anônimo, que não são por definição  
perfeitos ou têm uma compreensão perfeita da história.  
No entanto, avançando para outro ponto, se, como vimos, a história é impossível de ser  
compreendida em sua totalidade, para compreender ao menos uma parte dela, é preciso que seja  
recortada. Como Carlyle escreve: “Antes de se tornar história universal, a história precisa, pois,  
mais que tudo, ser comprimida”.13 Esta seleção do que deve ser lembrado implica também  
numa curadoria do que deve ser esquecido. Para o autor: “o esquecimento é a página escura em  
que a memória escreve seus caracteres luminosos e os torna legíveis; se tudo fosse luz, nada  
poderia ser lido ali, não mais do que se tudo fosse escuridão.”14 Assim, a história universal se  
9 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
10 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki..  
11 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
12 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki..  
13 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
14 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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trata de um duplo trabalho de memória e esquecimento a fim de ser comprimida e compreendida  
em sua talvez parte pelo todo; sua seleção memorável.  
Neste sentido, o homem emprega a arte para ser memorável; ele publica a si mesmo  
para outros homens para tanto. No entanto, nem todos são grandiosos, heroicos ou coisa que o  
valha. Na verdade, segundo Carlyle, “a quantidade de publicação impressa que merece ser  
consumida pelo fogo antes que dela se possa extrair a menor vantagem duradoura, pode nos  
encher de espanto, quase de apreensão”. De maneira que testemunhamos o que se poderia  
chamar de uma produção do esquecimento. Uma das razões talvez seja precisamente o  
desconhecimento da própria história, pois nunca temos uma compreensão perfeita dela também.  
Nas suas palavras: “Somente aquele que entende o que foi, pode saber o que poderia ser e será.  
É da maior importância que o indivíduo averígue sua relação com o todo”. 15  
No entanto, Carlyle apresenta outras dificuldades para esta compreensão.  
A verdade é que se a história universal é tal mísera tira defeituosa, como a  
designamos, a falha não se deve a nossos órgãos históricos, mas inteiramente  
a nosso mau uso deles; digamos, melhor, em tantas faltas e obstruções,  
variando com as várias épocas, que pervertem nosso uso correto deles,  
especialmente as duas faltas que pressionam pesadamente em todas as épocas:  
falta de honestidade, falta de inteligência. 16  
É difícil compreender a história universal quando a humanidade não tem a honestidade  
e a inteligência para seu uso próprio. Paralelamente, é difícil também retirar-lhe um  
ensinamento filosófico se a “experiência humana registrada” chega a nós deturpada. Como  
Carlyle escreve: “numa irracionalidade dolorosa, multidões e gerações inteiras se perderam e  
se perdem naquilo que jamais pode ter proveito.17 Então, é possível ver como a sociedade se  
perde num falatório sem profundidade, sem o necessário para se tornar histórico, heroico ou  
“ser e fazer algo”.18  
Se o que se publica não é verdadeiro, é só uma suposição ou mesmo uma  
invenção premeditada, o que pode se fazer com ele, além de aboli-lo ou  
15  
CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
16  
CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
17 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
18 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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aniquilá-lo? Mas, além disso, verdade, diz Horne Tooke, significa  
simplesmente a coisa encontrada, a coisa acreditada; e então, desta para a  
coisa mesma, por que nova dedução fatal não temos de passar! Sem  
inteligência, mesmo a crença será de pouco proveito: e como sua publicação  
pode ser útil, se nela não há visão, mas mera cegueira? Pois, assim como nas  
nomeações políticas o nomeado não é aquele que é o mais hábil para cumprir  
a tarefa, mas apenas aquele que é o mais hábil para ser nomeado, assim  
também em todas as eleições e seleções históricas, a obra mais maluca é a que  
vai adiante. O acontecimento que mais merece ser conhecido é talvez aquele  
de que menos se fala; mais ainda, alguns dizem que é da natureza mesma de  
tais eventos ser assim.19  
Neste ponto crítico de seu ensaio, Carlyle põe em cheque a capacidade humana de fazer  
uma curadoria justa. A “natureza mesma de tais eventos” dita que seja assim, mas claramente  
há algo errado com o que se categoriza como memorável, cogitando que o esquecido ou menos  
falado seja o merecedor do conhecimento universal. Em outras palavras, que “a verdade” seja  
algo que precisa ser “encontrada”, já que o exposto como tal é talvez também obra de nossa  
falta de inteligência e honestidade. Estamos trocando a luz pela escuridão, dando contraste a  
fenômenos que possivelmente mereçam as chamas, como dito acima. Assim, como exposto no  
início deste texto, a vida espiritual, que se baseia no relato destas experiências humanas,  
encontra-se firmada num engano.  
KIERKEGAARD  
Kierkegaard sempre se utiliza de personagens históricas e da ficção em seus livros. Para  
ele, talvez mais importante do que sua veracidade objetiva é a veracidade que pode adquirir  
pela subjetividade de alguém. Para tanto, ele não poupa esforços em utilizar a moral de diversas  
histórias ficcionais ou biográficas para aprofundar ou ilustrar um conceito em sua filosofia, que  
visa, no fim das contas, despertar a vida espiritual do leitor.  
Em Temor e Tremor, Kierkegaard se debruça sobre a história de Abraão e o sacrifício  
de Isaque. O pseudônimo Johannes de Silentio se apresenta como uma espécie de poeta que  
narra a história de seu herói, Abraão. Ao menos aqui, podemos ver uma semelhança com o  
pensamento de Carlyle. Os heróis são os escolhidos para terem suas histórias narradas na  
história, quer seja ficcional ou não.  
Contudo, a história de Abraão é uma que, apesar de contada de forma objetiva, tem seu  
valor na subjetividade deste herói. Toda a angústia que passou e fé que precisou ter para  
readquirir seu filho no momento do sacrifício fazem parte apenas do universo interior de  
19 CARLYLE, T. Ainda sobre a história. In:  
Hist%C3%B3ria.pdf Acessado em 10 mai. 24. Tradução de Márcio Suzuki.  
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Abraão. Kierkegaard procura paradoxalmente narrar isso, ainda que seja impossível de se  
comunicar ao outro exatamente o que se passa na subjetividade.  
O próprio filósofo dinamarquês separa um capítulo inteiro para a questão: “Pode  
moralmente justificar-se o silêncio de Abraão perante Sara, Eliezer e Isaac?” E a resposta é que,  
uma vez que esta moral está ligada à relação social, o silêncio de Abraão não se justifica, pois  
precisa participar da linguagem, do geral e do comunicável. No entanto, Abraão não está nesta  
esfera. Por esta razão no capítulo anterior temos “a suspensão teleológica da moral”. Isto é,  
Abraão está aquém dessa comunicação. Na verdade, como Kierkegaard escreve, ainda que fosse  
falar a Sara, Eliezer e Isaque que Deus o incumbiu com esta missão e que, mesmo assim, teria  
sua descendência como o número de estrelas, ninguém poderia entendê-lo.  
Nas palavras de Kierkegaard, Abraão falaria a língua dos anjos, falaria em línguas, ou  
seja, não seria entendido, pois o que está vivendo não parte do princípio da lógica ou do  
razoável, mas do absurdo e da fé. Assim, ao contrário de um herói ético, como Agamenon, no  
qual todos entendem seu sacrifício e ele consegue comunicar aos outros o propósito de tal,  
Abraão tem um sacrifício incompreensível que só ele à sua maneira pode “compreender”.  
De maneira análoga a Carlyle, Kierkegaard procura expor a dificuldade em entender a  
história, ao menos no caso de um herói da fé. O próprio pseudônimo que se porta como um  
poeta age nesta incompreensão, no sentido de que ele pode explicar que há um paradoxo, que  
há um absurdo, mas não o que é o paradoxo ou o que é o absurdo. Além desta questão, ele cai  
no erro de gerações ao compreender a questão apenas à distância. Ou seja, elogiar o herói e  
recontar sua história, como se ela pertencesse a ele como que por procuração. E o que seria  
compreender neste contexto?  
Em O Conceito de Angústia, o pseudônimo Vigilius Haufniensis explica com o ditado  
“compreender e compreender são duas coisas diferentes”.20 Por quê? Porque “compreender o  
que se diz, é uma coisa, compreender a si mesmo no que foi dito, é outra coisa.”21 Neste ponto,  
Haufniensis esboça uma teoria da leitura ativa, que traduz sua comunicação indireta por grande  
parte dos seus livros, pois não basta “compreender” determinado tema, conceito ou ideia à  
distância, isto é, in abstracto, é preciso se ver dentro do objeto de discussão, compreender-se  
nele. Neste sentido, “quanto mais concreto for o conteúdo da consciência, tanto mais concreta  
ficará a compreensão.”22  
20 KIERKEGAARD, S. O Conceito de Angústia. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, p. 150.  
21 Idem.  
22  
Idem.  
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A subjetividade do indivíduo é concreta quando sua compreensão é também concreta.  
Deste modo, não dirá como o endemoniado na Bíblia, quando encontra Jesus: “Que tens a ver  
comigo?2324 A razão disso é o ditado que Kierkegaard usa: De te fabula narratur25, isto é,  
“essa história é sobre você”. Assim, apesar das esquivas de responsabilidade, fugas abstratas e  
escapadas da compreensão concreta, é preciso se reencontrar na sua própria história ao ler ou  
ouvir algo, colocando-se como sujeito ativo no que ouve “passivamente”.  
Não se deve perder a si mesmo na história num mal entendido do “De te fabula natur”,  
ignorando a história pessoal e excluindo a questão essencial e a originalidade do indivíduo26.  
De uma mesma maneira, não se deve perder a si mesmo indo mais longe que a história, com  
abstrações que não põem a interioridade e a subjetividade em seu centro, mas, pelo contrário,  
anulam-na na falta de concretude.  
O conteúdo mais concreto que a consciência pode ter é a consciência de si,  
que é tão concreta que nenhum autor, nem o de vocabulário mais rico, nem o  
mais hábil nas descrições, jamais conseguiu descrever um único tipo desses,  
enquanto que cada um dos homens é um deles. Esta autoconsciência não é  
contemplação, pois quem acredita nisso ainda não compreendeu a si mesmo,  
já que vê que ele próprio ao mesmo tempo está em devir, e portanto não pode  
ser algo de concluso para a contemplação. Esta autoconsciência é, portanto,  
ato, e este ato é de novo interioridade, e a cada vez que a interioridade não  
corresponde a essa consciência, ocorre uma forma do demoníaco.27  
Desta forma, compreender-se é compreender-se enquanto um sujeito incompreensível  
em devir. Esta autoconsciência é a ação, interioridade, e marca um movimento em direção à  
repetição, ao si-mesmo. Tudo o que não tiver movimento será demoníaco, que só está tão  
espalhado pelo mundo, pois para se tornar demoníaco, basta não fazer nada; se vai mais longe,  
sem nunca perpassar o mais difícil, permanecendo no fácil, cômodo e no socialmente aceito.  
Este último é também elogiar Abraão sem nunca se colocar no seu lugar, mantendo-se sempre  
seguro da angústia, mas também distante de si mesmo.  
CONCLUSÃO  
Carlyle afirma em seu ensaio que a perfeição levaria o indivíduo a “ser e fazer algo ele  
mesmo” e que não se compreende a história majoritariamente por falta de honestidade e  
inteligência. Kierkegaard, por outro lado, não coloca a honestidade e a inteligência como  
23  
Marcos 5:7: “’Que queres comigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te por Deus que não me atormentes.’"  
Ibidem, p. 148.  
Ibidem, p. 79.  
Ibidem, pp. 79-80.  
24  
25  
26  
27  
Ibidem, p. 150-1, grifo nosso.  
91  
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cruciais ao entendimento da história, tendo em mente aqui que falamos da história do herói da  
fé e não do herói da ética que é compreendido com facilidade. Em O Conceito de Angústia,  
colocará como crucial a falta de convicção, seriedade, e, em Temor e Tremor, a coragem. Se o  
indivíduo não quiser apenas repetir as histórias alheias deve adquirir estas três qualidades para  
repetir a própria história, no sentido de readquirir sua originalidade perdida. Isto é o que chama  
de repetição, na qual o eterno se infiltra no temporal. Essas qualidades são necessárias para  
enfrentar a angústia e o sofrimento, de maneira que assim o indivíduo se readquire a si mesmo  
e passa a ser o herói que antes admirava à distância.  
Apesar de tudo isso, como exposto, a história deste herói da fé sempre será algo  
incomunicável e inapreensível na história, pois compreendê-la é colocá-la em ação. De maneira  
análoga, ele será sempre como “o camponês anônimo que forjou para si mesmo uma espada  
de aço” que Carlyle comenta. Mesmo em seu livro Prática do Cristianismo, Kierkegaard  
reconhece a qualidade da irreconhecibilidade ou ocultamento do herói da fé; em Temor e  
Tremor, diz-se que não se pode reconhecê-lo dentro da multidão.  
Assim, ao menos nestes textos, Carlyle e Kierkegaard, cada um à sua medida, debatem  
a importância daqueles que não estão na história, apesar de sua grandiosidade; e também  
debatem as dificuldades de se compreender a história; o primeiro por causa da falta de  
inteligência e honestidade; o segundo, por causa da falta de seriedade, convicção e coragem  
para enfrentar o preço de “ser e fazer ele mesmo” sua própria história. No sentido  
kierkegaardiano, o indivíduo pode entrar na história apenas como um paradoxo incompreendido  
ou sequer é citado quando se torna original, isto é, repete seu ponto inicial.28 Assim como com  
Cristo e Abraão, temos apenas um modelo a seguir e ter uma base para o despertar de nossa  
vida espiritual individual.  
28 Idem.  
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Revista Coletivo Cine-Fórum RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás