é a educação de Estado. Portanto, há a palavra que oprime, a palavra que não tolera a outra
palavra; pode haver uma educação que venha de cima, uma educação para dever ser
subordinados, para ser passivos, para aceitar, para “escutar” no sentido de obedecer, portanto
em pleno contraste com a escuta como compreensão respondente. Pode haver uma educação
nessa direção desejada por alguém, por um, por um grupo, por uma quadrilha. Bakhtin, a
respeito disso, faz referência não só à ditadura em geral, mas também, dado o seu contexto
histórico, à ditadura de classes, qualquer que essa seja. Nas “Anotações” dos anos 19507 ele
escreve: “Se o povo na praça não ri, então o povo cala”. É o calar da compreensão respondente
que pode se tornar ou não palavra expressa, ou que se reprime, pode manifestar-se nas “formas
do calar”, como chama Bakhtin, ao que já nos referimos antes (a ironia, a paródia, a alegoria;
as formas, como ele também diz, do “riso freado”, da “comicidade sutil”).
O povo não leva nunca ao extremo o pathos de uma verdade dominante. Se um perigo
ameaça a nação, então o povo cumpre o seu dever e a salva, mas não leva nunca a sério os
slogan de um estado classista, o seu heroísmo conserva um tom irônico sobre todo o pathos
da verdade de Estado. Por isso a ideologia de classe não pode nunca penetrar com o seu
pathos e com a sua seriedade até o coração da alma popular: ela esbarra a um certo ponto
na barreira, para ela intransponível, da ironia e da alegoria degradante, com a centelha
carnavalesca (fagulha) da alegre imprecação que destrói toda gravidade. Essa centelha
carnavalesca da imprecação alegórico e irônica não se extingue nunca no coração do povo,
é só uma pequena parte da grande chama (incêndio) que arde e renova o mundo (o fogo na
noite de Ivanóv, a vela do carnaval romano). Elementos desse riso se encontram no
“corajoso soldado “Ščeveik”8, mas esses aqui se apresentam misturados a um niilismo
absoluto, estrangeiro, por isso, ao riso rabelaisiano. Muito mais profundo e absoluto ecoa
esse riso em De Coster9. Esse riso popular alegre e irônico é muito distante do niilismo, da
seriedade imparcial e da afirmação direta de uma verdade medíocre.
Mas há a multiplicidade, e a multiplicidade vence. Bakhtin dizia que o povo não suporta por
muito tempo o domínio de uma verdade imposta. Já a língua é multidão, de palavras, de
significados, de sentidos. E como a língua é feita de tantas palavras, significados e sentidos,
cada um diz a sua, se se cada um diz a sua, há o diálogo, e se há o diálogo, há a subversão do
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M. Bachtin, “Sei annotazioni”, in Paolo Jachia e A. Ponzio (a cura), Bachtin e… Averincev, Benjamin, Freud,
ecc. Bari, Laterza, 1993. V. anche A. Ponzio, Tra semiotica e letteratura. Introduzione a Michail Bachtin, Milano,
Bompiani, 2015; A, Ponzio, La rivoluzione bachtiniana, Bari, Levante Editori, 1997, tr. brasiliana, A revolução
bakhtiniana, São Paulo, Contexto, 3021; A. Ponzio, No Círculo com Mikhail Bakhtin, São Carlos, Pedro & João
Editores, 2013.
8 Le vicende del bravo soldato Švejk (romanzo ceco di Jarosalv Hašek, 1921, 1923; titolo originale: Osudy dobrého
vojáka Švejka za světové války, letteralmente Le fatidiche (o fatali) avventure del buon soldato Švejk durante la
guerra mondiale, tr. it. di Giuseppe Diema, illustrazione di Josef Lada, Torino, Einaudi, 2010.
9 Charles de Coster, La leggenda e le avventure di Thyl Ulenspiegel e di Lamme Goedzak nel paese delle Fiandre
(La Légende et les aventures héroïques, joyeuses et glorieuses d’Ulenspiegel et de Lamme Goedzak au Pays de
Flandres et ailleurs, 1867), tr. it di Guglielmo Pennino, Sansoni Editore, 1949.
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Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás