Revista Coletivo Cine-Fórum RECOCINE  
RESENHA CRÍTICA DE A HISTÓRIA VERDADEIRA  
DO SAPO LUIZ, DE LUIZ RUFFATO  
CRITICAL REVIEW OF A HISTÓRIA VERDADEIRA DO SAPO  
LUIZ, BY LUIZ RUFFATO  
Noah de Aguiar Pinho1  
Sintonizada com a contemporaneidade, a obra A história verdadeira do sapo Luiz, de  
Luiz Ruffato, retrata os elementos tradicionais encontrados nos contos de fadas usualmente  
utilizados para a educação com reformulações morais. Apropriando-se de cenários comuns  
para a composição narrativa infantil, que são estabelecidos por reis, rainhas e o tema recorrente  
da procura amorosa, o escritor reavalia e atualiza a moralidade vigente do novo tempo sem  
desmantelá-los peremptoriamente com espanto, mantendo o ambiente fantástico enquanto  
moderniza a figura moral.  
De forma análoga, o compromisso de transformação da literatura infantil é fortificado  
por Nelly Novaes Coelho (2000, p. 9, grifos do autor), que com as palavras “revisão” e  
“atualização” inicia o debate sobre reformulação literária: “Revisão e atualização são  
exigências inevitáveis dos livros que pretendem sintonizados com o contemporâneo, isto é, com  
a transformações em curso do novo milênio”.  
Luiz Rufatto é um escritor brasileiro detentor de grande prestígio nacional e  
internacional. Célebre pelas publicação dos livros Eles eram muitos cavalos, Flores artificiais,  
Estive em Lisboa e Verão tardio, o romancista escreve seu primeiro livro infantil A história  
verdadeira do sapo Luiz, içando questões sobre a figura feminina sob um teor irônico ao  
contrastá-la com o julgamento tradicionalista da sociedade, que deprecia o feminino. O autor  
se apropriou do conto clássico A princesa e o sapo, popularizado pelos Irmãos Grimm, para  
tecer questões atuais.  
A narrativa é iniciada com características atemporais, típica dos contos de fadas, com o  
lançamento de “Era um vez”, seguida pela situação inicial de estabilidade, onde o rei e a rainha  
compartilham generosidade em um reino distante, localizado no meio de uma floresta. Em  
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Mestrando em Letras em pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Campo Grande, Mato  
Grosso do Sul, Brasil.  
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contraste com o equilíbrio, as primeiras páginas da obra também lançam o vislumbre do  
primeiro conflito: o rei deseja um filho para dar continuidade à herança monárquica, mas  
carrega uma tristeza, pois a rainha não pode engravidar. Com o progresso narrativo, a soberana  
recebe um anúncio fantástico realizado por um pássaro, que indica o nascimento de uma  
criança.  
Meses depois, o bebê nasce, corroborando o prenúncio dado anteriormente, revelando-  
se do sexo feminino. Com medo da revelação, a parteira entra devagar na sala de espera e  
comunica, em sinal de alerta, que o rei acabara de ter uma menina. Sem arrebatamento, o  
soberano toma a comunicação com surpresa:  
A parteira-mor entrou devagar na sala de espera e comunicou ao rei que o  
bebê acabara de nascer.  
Mas é uma menina alertou.  
Ele, embora surpreso de início, não demonstrou decepção. Saiu pelos  
corredores gritando:  
Nasceu! Nasceu e é uma menina! (RUFFATO, 2014, p. 5, grifos do autor).  
O referido acontecimento exibe, mesmo implicitamente, uma revelação do próprio  
autor, que esculpe a realidade contemporânea: ser menina não é um problema, mesmo com os  
receios sociais circundados, encarnados pelo medo figurado da parteira. Se antes, o papel social  
do feminino era visto com certa indignidade para assumir os compromissos notórios de poder  
e transmissão de conhecimento, para o rei sua filha é uma esmera surpresa, com plena condição  
de assumir a sua voz. Para Carvalho et al. (2009, p. 129), os homens consideram  
[...] o parto como um momento revestido de sentimentos, expectativas, anseios  
e necessidades de naturezas diversas [...] como um momento importante e  
reafirmam que os benefícios são extensivos a todos envolvidos no processo  
em uma relação igualitária. Essas considerações levam-nos ao entendimento  
de que os homens, nas fases do trabalho de parto, vivenciam um processo de  
interação com eles mesmos.  
Na tensão do parto, a relação entre o homem e a mulher permite que certa igualdade,  
ocasionada pelos obstáculos do nascimento, convide o homem para a expansão do “eu-  
feminino”, destruindo paradigmas e regimentos a fim de reconhecer um bem maior para a  
criança e para a mulher. Neste sentido, o rei se avigora de uma nova realidade com o advento  
de sua filha ao deixar “morrer” todo tipo de expectativa social, vendo Juliana com grande  
aptidão e igualdade para assumir a sua posição. A dicotomia igualdade versus desigualdade é  
prevista na reação do rei e da parteira-mor, ocasionando atrito e remodelações morais a fim de  
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acurar o papel feminino. Segundo Hahner (1981, p. 14), as mulheres sempre foram desprezadas  
na história da humanidade, pois:  
Os homens, enquanto transmissores da cultura na sociedade, incluindo o  
registro histórico, a ciência e as artes, veicularam aquilo que consideravam e  
julgavam importante. Na medida em que as atividades das mulheres se  
diferenciaram consideravelmente das suas, elas foram consideradas sem  
significação e até indignas de menção. Por isso as mulheres permaneceram à  
margem das principais relações do desenvolvimento histórico. Na medida em  
que os historiadores, em geral, pertencentes ao sexo masculino, devotaram  
seus maiores esforços à investigação da transmissão e exercício do poder, a  
mulher continuava a ser basicamente ignorada.  
A narrativa prossegue com o surgimento das três irmãs do rei no Palácio Real, que se  
embruxaram à procura do “homem perfeito”. Representantes da antiga visão, ou seja, da  
subalternidade patriarcal, elas exibem os efeitos colaterais da própria anulação identitária por  
não lograrem a conjunção ideal de feminilidade e masculinidade, ambas asseveradas pelo  
discurso patriarcal. No século XIX, o sofrimento psíquico ocasionado pela feminilidade e suas  
exigências alcançou grande patamar nos estudos freudianos:  
Neste conjunto de circunstâncias sociais, que teve como base o modo de vida  
e o ideário burguês, a mulher foi subjugada a uma posição de “feminilidade”,  
forjada pelo discurso masculino. Esta mesma “feminilidade”, entrando em  
crise, ainda no século XIX, produziu a histeria como modo dominante de  
expressão de um sofrimento psíquico. Diante da coerção a seu corpo, sua  
sexualidade e sua vida, de modo geral, as mulheres encontraram, nos sintomas  
histéricos, uma forma de dramatizar sua insatisfação e seu protesto.  
(ALMEIDA, 2012, p. 31).  
Orgulhosas e avarentas, as irmãs lançam uma maldição à princesa Juliana, ainda bebê,  
ao afirmarem que ela também nunca se casará, deixando o rei, moldado por ingenuidade, em  
grande aflição. O anúncio, para além do fantástico, antevê a maldição do mundo real, modelado  
pela histeria da feminilidade.  
De bebê à maioridade, a narrativa sofre um lapso de tempo, convergindo para o ponto  
principal da estória: o momento de se casar. Diante de muita comemoração, muitos rapazes,  
cuja beleza, inteligência e nobreza eram indubitáveis, foram apresentados à Juliana. Com  
simpatia e admiração, a princesa dispensava todos os convites. Diferentemente das insinuações  
das irmãs do rei, que buscavam a perfeição acurada que convergisse com a arbitrariedade do  
feminino, a personagem buscava transformação do amor, conforme identificado no excerto  
abaixo:  
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Ela os observava com respeito e admiração, dedicando-lhes simpáticas  
palavras de encorajamento, mas seu coração não perdia o ritmo por nenhum.  
E, mesmo inexperiente, Juliana sabia que quando se deparasse com o amor,  
alguma coisa dentro dela se transformaria. (RUFFATO, 2014, p. 9, grifos do  
autor).  
O rei, defronte à refutação dada consistentemente pela filha aos pretendentes, passa a  
acreditar na maldição dada pelas irmãs, demonstrando íntegra ignorância aos feitos do coração  
da princesa, que via mais a satisfação interior do que exterior.  
Na solidão, a pequena alteza se refugiou na torre do castelo, amargurada pela pressão  
externa. Na busca de uma resolução, sua aia passa por uma revelação epifanica ao afirmar que  
“[...] o príncipe destinado a Juliana não existe... na forma humana, porque está encantando...  
Assim que for beijado, ele se revelará um jovem bonito, elegante e inteligente, e ela então  
poderá desposá-lo” (RUFFATO, 2014, p. 11).  
Diante de uma busca incessante, beirando à obsessão, pela conformidade social, Juliana  
parte junto da aia aos lugares mais afastados do reino em busca do sapo metamórfico. Após um  
tempo de “venda e expectativa” sob a pressão exterior, um cavaleiro apanha um sapo  
amarelado. Ao entregá-lo aos beijos de Juliana, o anfíbio permanece em sua forma enquanto o  
coração da princesa batia desritmado: era o amor.  
No mundo contemporâneo, muitas obras têm sido lançadas com o intuito de trazer  
questões importantes para a representatividade. A obra cinematográfica A forma da água,  
dirigida por Guillermo del Toro, apresenta abordagens de subversão estética muito similar às  
de Rufatto, cuja narração suscita um revisionismo na história do cinema, onde uma mulher  
muda, cuja existência é menosprezada pela sociedade, se apaixona, sem precisar ser resgatada,  
por um homem-anfíbio (FIORE, 2018).  
As abordagens representativas e contemporâneas que lançam discussões sobre o papel  
da mulher frente ao amor, tanto artísticas quanto literárias, revelam uma nova face do amor:  
não-etiquetado e universalizado fato que Rufatto busca elucidar no conto. Em uma entrevista  
dada à Revista Giz, o autor assevera que trabalhou em A história verdadeira do sapo Luiz com  
a intenção de trazer a subversão estética a fim de abater a constante concepção machista  
apresentada nas narrações infantis, colocando, assiduamente, as princesas de apêndice ao  
homem, se tornando apenas mulher do novo rei (RUFATTO, 2014). Ao beijar e se apaixonar  
pelo sapo, a princesa Juliana trespassa todas as formas, inclusive da feminilidade.  
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Após o decreto da paixão lancinante, o rei se encontra em aflição: aceita a paixão da  
filha, desde que ela e o sapo se amem em segredo o segredo elucida o medo da repreensão  
social, que logo é admitida quando o monarca aprova o casamento, lotando a igreja de  
convidados.  
Na oficialização do matrimônio, Juliana é vista diante de humilhação pelos convivas,  
fechando-se em quatro paredes. Logo, o rei parte em viagem pelos quatro cantos do mundo com  
o sapo em vista de romper com o preconceito e os paradigmas, fazendo todos reverenciarem a  
diversidade e o respeito ao beijar o anfíbio, tornando o “felizes para sempre” aliado à superação  
de paradigmas.  
A história verdadeira do sapo Luiz conta os nuances da vida real, preparando a criança  
para vida adulta, em que muitos dos conflitos só terão resolução ao lume do amor universal,  
não-etiquetado.  
REFERÊNCIAS  
ALMEIDA, Angela Maria Menezes. Feminilidade: caminho de subjetivação. Estudos de  
psicanálise, Belo Horizonte, n. 38, p. 29-44, 2012.  
CARVALHO, Jovanka Bittencourt Leite; BRITO, Rosineide Santana; ARAÚJO, Ana Cristina  
Pinheiro Fernandes; SOUZA, Nilba Lima. Sentimentos vivenciados pelo pai diante do  
nascimento do filho. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, Fortaleza, v. 10, n. 3, p.  
125-31, 2009.  
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. SP: Moderna, 2000.  
FIORE, Matheus. O que torna “A forma da Água” um filme especial? Entenda como o grande  
vencedor do Oscar 2018 se tornou uma obra relevante por questões artísticas e sociais. B9, [s.l.],  
especial/. Acesso em: 21 jun. 2022.  
HAHNER, June. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas. São Paulo: Brasiliense,  
1981.  
RUFFATO, Luiz. A desafiadora história de um sapo que não vira príncipe. [Entrevista  
concedida a] Elisa Marconi e Francisco Bicudo. São Paulo: Revista Giz, 2014. Disponível em:  
RUFFATO, Luiz. A história verdadeira do sapo Luiz. São Paulo: Editora DSOP, 2014.  
**Este trabalho foi originalmente publicado no livro Diálogos Científicos(2023), da  
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