Revista Coletivo Cine-Fórum RECOCINE  
DO POPULAR AO MASSIVO: UM ESTUDO SOBRE AS  
ADAPTAÇÕES DE GABRIELA, CRAVO E CANELA  
PARA AS TELENOVELAS DA REDE GLOBO  
Gedy Brum Weis Alves1  
RESUMO  
A adaptação tornou-se um padrão criativo na produção midiática contemporânea. Essa prática  
envolve intertextualidade, mudança de contexto de realização e, muitas vezes, de mídia,  
intermidialidade, na qual se associam materialidades e sensorialidades distintas, com  
reconfiguração dos procedimentos de feitura e de recepção. Neste artigo, evidencia-se a relação  
entre a literatura popular e as mídias televisivas, especificamente o gênero telenovela. Esse  
produto televisivo assim como as radionovelas- tem em sua gênese traços pertencentes ao  
folhetim e ao melodrama. Para tanto, analisam-se as características folhetinescas e os temas  
melodramáticos presentes nas telenovelas decorrentes das atualizações de gênero, evidenciando  
as marcas do popular que interpela o receptor a partir do massivo na transposição do romance  
Gabriela, cravo e canela (1958), de Jorge Amado, para os produtos culturais Gabriela  
realizados pela Rede Globo (1975, 2012). Na retomada do romance pelos audiovisuais  
midiáticos, verifica-se sobre quais perspectivas esses traços atuam como elementos que trazem  
em si reminiscências do romance adaptado, mas também podem ser entendidos como aspectos  
que atualizam os textos derivados que conciliam em si matrizes curriculares e outras lógicas de  
produção. Constatou-se que a presença das matrizes culturais populares na composição do  
massivo apontam que o gênero, entendido como um conceito que atravessa tanto as condições  
de produção como as de consumo de uma obra, constitui-se em dispositivo para se compreender  
o quanto do popular está presente nos produtos culturais televisivos, ressaltando que nos objetos  
estudados há a presença de ampliação de personagens e tramas, característica advinda do  
folhetim e a luta do bem contra o mal, tema presente nos melodramas.  
.
Palavras-chaves: Adaptação. Gabriela. Telenovela. Gênero. Matrizes culturais.  
1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação de Estudos em Linguagens (PPGEL). Orientadora: Prof. Dr. Márcia  
Gomes, PPGEL/UFMS.  
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FROM POPULAR TO MASSIVE: A STUDY ON THE  
ADAPTATIONS OF GABRIELA, CRAVO AND CANELA FOR  
REDE GLOBO  
Gedy Brum Weis Alves2  
ABSTRACT  
Adaptation has become a creative standard in contemporary media production. This practice  
involves intertextuality, changing the context of production and, often, media, intermediality,  
in which different materialities and sensorialities are associated, with reconfiguration of the  
production and reception procedures. In this article, the relationship between popular literature  
and television media, specifically the soap opera genre, is highlighted. This television product  
like radio soap operas has in its genesis traits belonging to serials and melodrama. To this  
end, the serial characteristics and melodramatic themes present in soap operas resulting from  
genre updates are analyzed, highlighting the marks of the popular that challenges the receiver  
from the mass in the transposition of the novel Gabriela, cravo e canela (1958), by Jorge  
Amado, for the Gabriela cultural products produced by Rede Globo (1975, 2012). In the  
resumption of the novel by media audiovisuals, it is seen from which perspectives these traits  
act as elements that bring within themselves reminiscences of the adapted novel, but can also  
be understood as aspects that update the derived texts that reconcile curricular matrices and  
other logics of production. It was found that the presence of popular cultural matrices in the  
composition of the mass shows that the genre, understood as a concept that crosses both the  
conditions of production and consumption of a work, constitutes a device for understanding  
how much of the popular is present in television cultural products, highlighting that in the  
objects studied there is the presence of an expansion of characters and plots, a characteristic  
arising from the serials and the fight of good against evil, a theme present in melodramas.  
Keywords: Adaptation. Gabriela. Soap opera. Gender. Cultural matrices.  
2
PhD student in the Graduate Program in Language Studies (PPGEL). Advisor: Prof. Dr. Márcia Gomes,  
PPGEL/UFMS.  
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INTRODUÇÃO  
Na contemporaneidade, a produção cultural é marcada pela lógica do fluxo, de usuários  
e de textos (JENSEN, 2014), na qual a retomada de obras anteriores e a transposição delas para  
outras mídias, em outros contextos, torna-se uma prática sistemática. As obras são recontadas  
de formas variadas, sendo uma delas, a adaptação de obras literárias para as mídias massivas,  
dentre elas a televisão.  
Quando a televisão realiza seus produtos de ficção tendo em sua composição um texto  
literário, engendra em seus relatos associações entre matrizes culturais e formatos industriais  
(MARTÍN-BARBERO, 2006). Neste artigo, dentre as especificidades existentes nessa relação,  
destacam-se as atualizações presentes nos produtos televisivos estudados decorrente do gênero  
telenovela, evidenciando as marcas do popular que interpela o receptor a partir do massivo  
(MARTÍN-BARBERO, 2006).  
A telenovela é um dos gêneros que compõe a ficção seriada na televisão aberta, privada  
e comercial no Brasil, com destaque para Rede Globo de Televisão que possui em sua  
programação a exibição de três telenovelas inéditas diárias em sua grade, desde a década de  
1970. O gênero telenovela concilia em si características do massivo e do popular, pois traz em  
sua concepção resíduos do folhetim e do melodrama que interpelam os receptores desde as  
particularidades técnicas do formato industrial. As características do gênero medeiam as  
relações entre as lógicas de produção que envolvem a institucionalidade, a tecnicidade e as  
competências de usos entendidas como o lugar por meio do qual se olha, se decifra e se  
compreende uma narrativa (MARTÍN-BARBERO, 2004), ou seja, de acordos feitos entre quem  
produz e quem recebe essas histórias.  
A reflexão é feita a partir das adaptações do romance Gabriela, cravo e canela (1958),  
de Jorge Amado, para as telenovelas Gabriela da Rede Globo: de Walter Durst (1975) e de  
Walcyr Carrasco (2012), e se propõe examinar como as características do folhetim e os temas  
do melodrama se fazem presentes nesses produtos televisivos e de que maneira essas matrizes  
culturais são atualizadas no formato industrial. A partir dessa premissa, analisam-se os traços  
folhetinescos e melodramáticos nas telenovelas estudadas, tanto no que se refere à forma de  
concepção do produto quanto aos temas presentes no enredo e sobre quais perspectivas esses  
traços atuam como elementos que trazem em si reminiscências do romance adaptado, mas  
também podem ser entendidos como aspectos que atualizam os produtos televisivos.  
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Como resultado alcançado, neste estudo, destaca-se que a presença das matrizes  
culturais populares na composição do massivo apontam que o gênero, entendido como um  
conceito que atravessa tanto as condições de produção como as de consumo de uma obra,  
constitui em dispositivo para se compreender o quanto do popular está presente nos produtos  
culturais televisivos, em especial, nas telenovelas.  
O FOLHETIM E O MELODRAMA: O POPULAR NO MASSIVO  
A telenovela é um gênero que traz em sua constituição características inerentes a duas  
formas de manifestação popular: o melodrama e o folhetim. Convém ressaltar que a concepção  
de gênero adotada neste estudo diz respeito ao conceito trabalhado por Martín-Barbero (2004,  
p. 161), que liga o gênero “ao funcionamento social dos relatos, funcionamento diferencial e  
diferenciador, cultural e socialmente discriminatório”. Os gêneros, para o autor, são pontos de  
mediação, de interseção e estão em constante estado de fluxo e redefinição, mesclando  
particularidades, articulando-se uns aos outros, permitindo o contorno de novas sínteses  
resultados de mestiçagens, dos encontros entre eles.  
Para o autor, os gêneros situam-se então entre as lógicas comerciais e as lógicas dos  
usos e por meio das regras dessas lógicas que configuram os formatos nos quais a ancoragem  
do reconhecimento cultural dos grupos ocorre. É neles que acontecem a troca entre matrizes  
culturais e formatos industriais, tanto a escrita da obra como a leitura, entendida num sentido  
amplo, como o lugar por meio do qual se olha, se decifra e se compreende uma narrativa: “os  
gêneros são o espaço de configuração de determinados efeitos de sentido que falam da  
diversidade de modos de escrita e leitura, de produção e de fruição presentes em nossa  
sociedade” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 175).  
O folhetim surge na França no início do século XIX. Inicialmente designa uma parte do  
jornal, o rodapé da primeira página, posteriormente torna-se romance popular publicado em  
episódios. As condições específicas de publicação influenciam a estrutura narrativa do folhetim  
e criam uma forma diferenciada de composição dessas obras. Nos rodapés de jornais ou em  
fascículos de entrega nos quais o folhetim era veiculado havia a necessidade de prender a  
atenção do leitor por um longo período, o que resulta no aumento de personagens e muitas  
narrativas paralelas concomitantes com a trama principal. A estrutura em capítulos deixa  
ganchos narrativos, cria suspense para a continuação da história e, consequentemente, para a  
compra do próximo número do jornal, o que mistura literatura, ainda que popular, e mercado.  
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Para Martin-Barbero (2006, 176), o folhetim, visto como um fato cultural, desloca a leitura  
de uma perspectiva em que se lê somente a lógica dominante para se lançar o olhar também  
para diferentes lógicas, tanto na produção como no consumo. Destinado a um meio de  
comunicação, a escritura, na qualidade de processo de enunciação, desvencilha-se da estrutura  
fechada do livro e se ajusta à estrutura aberta, característica do jornal ou dos fascículos de  
entrega. As mudanças de lógicas influenciam a produção e o uso dessa literatura de cunho  
popular, os folhetins expõem os seus autores à necessidade de se produzir em curtos períodos  
e pensando na questão mercadológica: os escritores necessitam vender suas histórias a fim de  
que garantam seu salário. A demanda de produção acelerada faz com que os escritores  
contratem auxiliares e o trabalho passa a ter um viés coletivo.  
O folhetim não possui a estrutura fechada de um livro, que só chega ao seu receptor pronto  
e com a história acabada; detentor de uma estrutura aberta, permite a mudança de rota diante  
da interpelação de seus leitores, não há um distanciamento entre que escreve e daquele que lê a  
narrativa, como acontece nos romances, assim, tanto o modo de escrever como o modo de ler  
são outros.  
A telenovela, assim como o folhetim, traz à tona o caráter popular das narrativas  
firmadas na oralidade, de aspectos benjaminianos ao falar do narrador que interage e dialoga  
com o público. Para Meyer (1996), a telenovela é uma versão atualizada dos folhetins:  
[...] um produto novo, de refinada tecnologia, nem mais teatro, nem mais  
romance, nem mais cinema, no qual reencontramos o de sempre: a série, o  
fragmento, o tempo suspenso que reengata o tempo linear de uma narrativa  
estilhaçada em tramas múltiplas, enganchadas no tronco principal, compondo  
uma “urdidura aliciante”, aberta às mudanças segundo o gosto do “freguês”,  
tão aberta que o próprio intérprete, tal como na vida, nada sabe do destino de  
seu personagem. (MEYER, 1996, p. 387)  
A telenovela é produzida pela lógica da serialização, numa apresentação fragmentada  
da diegese em diversos capítulos, com cortes, ganchos, suspense, que ao final ou no meio visam  
a garantia de audiência. Segundo Martín-Barbero (2006, p. 188) a narração popular vive tanto  
da surpresa quanto da repetição ,“situada entre o tempo do ciclo e o tempo do progresso linear,  
a periocidade do episódio e sua estrutura medeiam, levantam uma ponte que permite alcançar  
o último sem deixar de todo o primeiro.”  
A serialidade pode ser entendida como um tipo de apresentação descontínua e  
fragmentada, em que o enredo é estruturado sob formas de capítulos ou episódios, separados  
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em blocos menores, interrompidos durante a exibição pelos breaks, espaços nos quais os  
comerciais são inseridos. Os capítulos, geralmente, possuem uma contextualização com a dupla  
finalidade de relembrar fatos aos telespectadores assíduos e situar no enredo os novos  
telespectadores. No final de cada gancho narrativo insere-se um suspense que mantém o  
interesse do telespectador para o próximo bloco ou capítulo. Machado (2002) atribui à  
organização da telenovela aos princípios do folhetim como um dos motivos de seu sucesso junto  
ao público.  
Ao se tratar de produções intermidiáticas (RAJEWSKY, 2012), observa-se que a forma  
de produzir a obra televisiva a diferencia do livro, assim como acontece com a relação entre o  
romance e o folhetim. A obra pronta e acabada dada ao público, que pode lê-la de uma vez, ou  
conforme lhe convier, em lugares por ele escolhido, possui uma forma de fruição; a obra que  
se estende capítulo após capítulo, é interrompida por comerciais e no final de cada episódio  
diário, para ser retomada no dia seguinte, em horário estipulado pela grade de programação de  
uma emissora, possui outras competências de usos.  
O modo de usos da televisão está relacionado à serialização, porque o consumo de uma  
telenovela se dá em ambiente doméstico, no qual o receptor atende ao mesmo tempo outras  
demandas, por isso, o foco pode ser disperso, distraído, assim a fragmentação, a retomada, a  
circularidade evitam que a atenção do telespectador se perca. Outra característica relevante que  
diferencia a telenovela do romance é o fato de, assim como no folhetim, ela permite a  
participação do público. Como a obra inicia sua exibição durante seu processo de escritura,  
gravação e edição, possibilita que destinos de personagens sejam modificados, que personagens  
secundárias bem aceitas pelo público sejam postas em destaque, que ocorram processos de  
porosidades, em que assuntos da atualidade são inseridos nas discussões da narrativa.  
Esses aspectos podem ser entendidos apenas como exigências mercadológicas; no  
entanto, o aspecto dialógico é uma característica das narrativas populares, na qual o público se  
aproxima de quem conta a história. Essas narrativas tornam-se parte da vida cotidiana das  
pessoas. Nessa relação encontram-se presentes os dispositivos de reconhecimento (MARTÍN-  
BARBERO, 2006) que produzem a identificação entre o mundo narrado e o mundo do leitor,  
dispositivo presente na estrutura do folhetim que é identificado nas telenovelas.  
[...] porque a telenovela é um texto dialógico ou segundo uma proposta  
brasileira que se baseia na bahktiniana, um texto carnavalesco “onde ator,  
leitor  
e
personagem intercambiam constantemente suas posições”.  
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Intercâmbio que é confusão entre o que vive o personagem e o que sente o  
espectador, marca de identidade dessa outra estética que conta e se mantém  
“aberta” às expectativas e reações do público. (MARTÍN-BARBERO, 2004,  
p. 172)  
O gênero telenovela tem em sua composição a presença de temas que possuem  
raízes melodramáticas. O melodrama é um gênero que se origina no século XVIII, seu  
desenvolvimento se dá em um contexto histórico da Revolução Francesa, e cuja estética tem  
sua gênese especialmente no teatro, com público formado pelas classes populares. O melodrama  
constitui-se em uma matriz cultural (MARTÍN-BARBERO, 2004), ou seja, trata-se de uma  
fórmula ou estrutura narrativa que mesmo se repetindo ao longo do tempo, atualiza-se sempre  
produzindo novos sentidos na vida de um determinado público. Entende-se, assim, que uma  
narrativa melodramática também se renova em outras mídias que possuem o formato industrial  
na concepção de suas histórias.  
Segundo Martín-Barbero (2006), o espetáculo melodramático, no que tange ao ponto de  
vista da estrutura, possui quatro sentimentos básicos que são o medo, o entusiasmo, a dor e o  
riso. Também são quatro os tipos de situações ligadas a esses estados de ânimo: terríveis,  
excitantes, ternas e burlescas, que são personificadas por quatro personagens, o Traidor, o  
Justiceiro, a Vítima e Bobo. Ao se juntarem, essas personagens formam a mistura dos quatro  
gêneros: o romance de ação, a epopeia, a tragédia e a comédia. Os melodramas são  
esquemáticos, lidam com arquétipos, são maniqueístas na polarização entre o bem e o mal, e as  
personagens-núcleo do melodrama estão ligadas a esse maniqueísmo.  
O Traidor personifica o mal, o vício, o sedutor, o dissimulador; a Vítima, por sua vez,  
encarna a inocência, a virtude - quase sempre é uma mulher condenada a sofrer injustiça -, o  
Justiceiro exerce a função do herói, é a personagem que salva a vítima e castiga o Traidor, cabe  
a ele desfazer a trama do mal; o Bobo representa o cômico, provoca o riso, a distensão dos  
momentos regidos por forte graus de tensionamento. A figura do Bobo também está presente  
no anti-herói, no herói pícaro que introduz na obra o tom irônico.  
A telenovela traz em suas discussões temas básicos dos melodramas. A respeito dos  
temas discutidos nas telenovelas de matriz melodramática, Gomes (2006, p. 4) afirma que “o  
drama da identidade perdida, desconhecida ou indefinida, e da luta por fazer-se reconhecer,  
caracteriza uma diversidade de situações e fundamenta parte substancial das histórias contadas  
pelas telenovelas”. Esse drama se manifesta de diversas formas no desconhecimento ou  
reconhecimento de paternidade e das origens das personagens centrais, nas perdas de memória,  
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em posição social usurpada e readquirida. A luta pelo reconhecimento se expressa nos trajetos  
de afirmação social, na obtenção de legitimação de projetos de vida, na conquista de novas  
identidades. As telenovelas também apresentam suas raízes no melodrama pela discussão de  
temas como a ameaça de perda, fatalidade, separações de famílias, sequestros, assassinatos,  
estupros, conflitos derivados do sentimento de culpa, da luta entre o dever e a paixão, entre a  
lealdade e o amor.  
ENTRE O ROMANCE E AS TELENOVELAS: O FOLHETIM E O MELODRAMA  
A telenovela é uma narrativa longa, levada ao público durante um grande espaço de  
tempo, diariamente, em um horário previamente estipulado. Gabriela (1975) é transmitida por  
mais de seis meses, a versão de 2012, dura quatro meses. Essa especificidade dos produtos  
televisivos diferencia-se do livro que possui em média 400 páginas, nas quais Jorge Amado  
narra a história de amor de Nacib e Gabriela e os conflitos sociais, políticos e econômicos de  
Ilhéus, imbricando esses dois relatos.  
Gabriela, cravo e canela é ambientado em Ilhéus (BA), em 1925, quando a cidade vivia  
um momento de prosperidade alavancado pela economia cacaueira, o que transforma a região  
e os coronéis (donos das fazendas de cacau) enriquecem. A obra é constituída a partir da tensão  
entre passado e futuro: de um lado estão os coronéis, como representantes da sociedade agrária,  
que se acomunam pelas lutas sangrentas na ocupação das terras, comandados pelo Coronel  
Ramiro; de outro se colocam aqueles que almejam a chegada da modernização e do progresso  
econômico, grupo liderado por um exportador do Sudeste, Mundinho Falcão, recém-chegado à  
cidade. Embora algumas marcas dos “novos tempos” se façam ver em Ilhéus, como o cinema  
e o Clube Progresso, destinados ao lazer dos jovens das famílias tradicionais, as mudanças não  
atingem o cerne da sociedade, com costumes e relações familiares regidos por leis retrógradas.  
No romance, duas linhas narrativas se entrelaçam: uma relacionada ao modelo  
econômico em dominância e suas repercussões na organização social, na qual o atraso e o  
progresso são as vertentes norteadoras do enredo; outra centrada nas relações interpessoais que  
configuram a vida social, na qual se discute a subjugação das mulheres e a demanda pela  
emancipação feminina. As vertentes da narrativa são conduzidas pela tensão das forças na  
esfera pública, e a história de amor de Nacib e Gabriela na privada. Esses planos se intercalam  
e chegam a fundir-se, como acontece quando a Senhora Saad (ao casar-se, Gabriela passa a ser  
chamada pelo sobrenome do marido) ajuda os coronéis a salvarem o jagunço Fagundes que é  
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“caçado” por ter atirado num simpatizante da oposição. Após a chegada da retirante a Ilhéus,  
nenhuma outra mulher é assassinada para “lavar a honra'' do marido e, no desfecho, o coronel  
Jesuíno é condenado à prisão pelos assassinatos de Sinhazinha, sua esposa, e Osmundo, o  
dentista.  
DO FOLHETIM ÀS TELENOVELAS: AMPLIAÇÃO DE TRAMAS E DE  
PERSONAGENS EM GABRIELA  
A relação da telenovela com o folhetim acarreta algumas modificações entre os enredos  
da obra literária e do produto televisivo, tal como, a ampliação de tramas e personagens. Esse  
produto televisivo tem em seu enredo várias tramas e um número grande de personagens  
secundários o que decorre das especificidades do gênero, pois possui um longo tempo de  
duração e precisa prender a atenção do telespectador diariamente. Isso faz com que dentro de  
um arco grande da narrativa televisiva que leva o tempo de exposição do produto audiovisual  
para chegar ao clímax e partir para um desfecho, existam os pequenos arcos que prendem a  
atenção do leitor por menores períodos, bem como, o arco do capítulo, interrompido para exibir  
os comerciais, tendo em vista que as telenovelas são produtos que obedecem à lógica  
mercadológica.  
As duas versões de Gabriela ampliam tramas do livro, acrescentam outras e expandem  
a atuação de personagens, além, de usar o recurso do empréstimo com a finalidade de alongar  
a duração da história e garantir o suspense para gerar os ganchos necessários a uma narrativa  
organizada em episódios.  
Na versão de 1975, uma trama que é ampliada é a que expõe as consequências da morte  
e posterior enterro do dentista Osmundo. No livro, Osmundo é enterrado com uma coroa de  
flores, que um comerciante amigo da cidade providencia a pedido do pai do rapaz, que,  
posteriormente, vem a Ilhéus. A visita do pai do dentista causa uma certa comoção, ele manda  
gravar no túmulo do filho data de nascimento e morte e a frase “Covardemente assassinado”  
para que ninguém se esqueça do crime. Na telenovela, essa trama se estende por um longo  
período e resulta em muitos conflitos.  
No capítulo 25 da telenovela de 1975, Jesuíno (Francisco Dantas) assassina sua esposa  
Sinhazinha (Maria Fernanda) e o amante dela Osmundo (João Paulo Adour) ao flagrá-los em  
adultério. Os acontecimentos que se seguem após o assassinato de Sinhazinha e Osmundo  
assemelham-se aos narrados no livro: os coronéis ajudam o assassino na fuga, a sociedade de  
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Ilhéus oferece um jantar de solidariedade ao coronel Jesuíno, poucas pessoas acompanham o  
velório e o enterro dos amantes. Entremeadas a outras narrativas, Dr Pimentel (Rubens de  
Falco), pai de Osmundo, chega à cidade. Mundinho (José Wilker) e seus aliados criam um fato  
político diante de “tão grande dor” de um pai e conseguem comover à cidade, inclusive às  
mulheres e filhas de coronéis, que à revelia dos esposos e pais acompanham o triste Pimentel  
ao cemitério para prestar as últimas homenagens ao filho morto.  
Ocorre que, paralelo a esse episódio, os coronéis haviam cercado o cemitério com  
jagunços comandados por Berto e seu pai Amâncio. No cemitério, o Dr. Pimentel declara ódio  
ao assassino do filho e os homens abrem uma faixa com os dizeres “Covardemente  
assassinado.” Inicia-se um tiroteio em que um jagunço é ferido e morre, deixando viúva e um  
bebê. Como desdobramento desse fato, Jerusa (Nívea Maria), neta do Coronel Ramiro (Paulo  
Gracindo), encontra a viúva pelas ruas de Ilhéus, passando fome com o filho nos braços  
(capítulo 41). Enternecida com a dificuldade da mulher, pede ajuda ao avô que se recusa a  
socorrer a família do jagunço, a moça decide levar a mulher abandonada ao líder da oposição,  
Mundinho Falcão, por quem já está apaixonada.  
A ampliação descrita acima reporta à presença de modos de escritura e leitura presentes  
no folhetim que se renovam no gênero televisivo - combinando anacronia e modernidade  
(MARTÍN-BARBERO, 2006) envolvendo os dispositivos de sedução na organização por  
episódios nos aspectos da duração e do suspense. Quanto a duração, o episódio que vai da  
chegada do pai de Osmundo até a fuga da viúva de Ilhéus se desenvolve por 30 capítulos.  
Durante o desenrolar dos fatos, o telespectador tem o tempo necessário para se identificar com  
as demandas dos novos personagens que são inseridos na história a viúva, a babá de Jerusa,  
que a auxilia na missão e acompanhar as várias ações e peripécias desencadeadas por esse  
fato, como ocorre nos relatos dos folhetins.  
Uma das tramas acrescidas à telenovela de 2012 é feita por intermédio de empréstimo  
(GENETTE, 2005) da personagem Lindinalva (Giovana Lancelotti) de outra obra de Jorge  
Amado, Jubiabá (1935). A personagem Lindinalva em Jubiabá é filha de um comendador  
abastado e noiva do jovem advogado Gustavo Barreiras. Os pais da moça morrem, arruinados  
financeiramente, e a moça engravida do noivo que a abandona, sem apoio de ninguém, exceto  
da empregada Amélia. Lindinalva é largada na prostituição. Na adolescência a moça é a paixão  
de Balduíno, que é impedido de se relacionar com a jovem branca por ser negro e pobre. A  
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telenovela traz a história da moça e a recria dando-lhe outros sentidos e relações na trama  
televisiva.  
Lindinalva, na telenovela, é filha de um casal dono de um armarinho e noiva do esperto  
Berto (Rodrigo Andrade), o filho mais velho do Coronel Amâncio (Genézio de Barros) e neto  
da vilã D. Doroteia (Laura Cardoso). Os pais da moça morrem em um acidente por ocasião da  
primeira viagem da marinete transporte de passageiros - entre Ilhéus e Itabuna. Já com  
problemas financeiros, eles são roubados durante a tragédia, deixando a jovem filha totalmente  
desamparada, em companhia de Zulmira (Rejane Maia), sua velha babá. Lindinalva pede socorro às  
irmãs Dos Reis, Quinquina (Angela Ribeiro) e Florzinha (Bete Mendes), sua madrinha, que exigem que  
a moça se livre de Zulmira, caso contrário não podem oferecer ajuda. Ela se recusa em abandonar a  
velha babá e fica sozinha, sem dinheiro nem para alimentação.  
Berto, seu noivo, assedia-a e a estupra, obrigando a moça a trajar seu vestido de noiva  
durante o ato sexual. Após esse fato, a jovem se vê totalmente só; num desses dias de tristeza,  
ela ajuda Fagundes (Jhe Oliveira), o jagunço amigo de Gabriela (Juliana Paes), que passa a  
nutrir por ela sentimento de amor e gratidão. Diante do abandono, a moça decide se tornar uma  
das meninas do prostíbulo Bataclan, onde usa o nome de Linda, e entre os múltiplos sofrimentos  
é obrigada a ter relação sexual com o próprio padrinho.  
A ampliação da trama da versão de 2012 por empréstimo também evidencia aspectos da  
mestiçagem entre a narrativa popular e a serialidade televisiva no gênero telenovela. Como  
ocorre na versão de 1975, os dispositivos de sedução na organização por episódios concernente  
à duração e ao suspense estão presentes nesse acréscimo. O suspense que o empréstimo da  
história de Lindinalva traz à telenovela é um elemento que fideliza o espectador na narrativa  
episódica. O percurso da moça é responsável por muitos momentos que chocam e causam  
comoção no espectador.  
A DISPUTA POLÍTICA E A LUTA ENTRE O BEM E O MAL NAS TELENOVELAS  
Dos temas melodramáticos presentes nas adaptações televisivas da obra amadiana em  
estudo, aborda-se a relação entre a luta política e a visão maniqueísta entre o bem e mal. O  
romance de Jorge Amado, ainda que atravessado pela luta entre o velho e o novo, entre o rural  
e o urbano, o tradicional e o moderno, tem como elemento temático de relevo a passagem de  
poder entre setores da burguesia, que lutam entre si, de modo que as novidades introduzidas em  
Ilhéus não promovem mudanças de fundo na sociedade que continua regida por leis e costumes  
retrógrados. No entanto, independente do posicionamento político, conservadores ou  
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progressistas, em algum momento da história esses personagens têm um discurso marcado por  
interesses individuais, com posturas que impedem de serem vistos de forma tão dicotômica.  
No romance o leitor é constantemente informado que por traz do imenso desejo de  
progresso, do bem do povo, sempre há um interesse particular de poder, de reconhecimento, de  
vantagens financeiras que movem os membros da oposição. Um dos aliados de Mundinho, o  
Capitão, sempre desejara mandar na política local, mas não era fazendeiro, não tinha dinheiro  
para gastar e, assim, “estava explicada sua amizade com Mundinho [...]” (AMADO, 2012, p.  
116).  
Mundinho e seus aliados defendem novos tempos para à cidade de Ilhéus, condenam o  
uso da violência na resolução dos problemas, velha prática dos coronéis que usam os jagunços  
para eliminar inimigos, forjar resultados de eleição, apropriar-se das terras cacaueiras e  
incendiar jornais, quando necessário. No entanto, ao se sentirem temerosos em não conseguir  
terminar as obras do Porto da Barra, não titubeiam e utilizam os jagunços para protegerem os  
engenheiros “Das fazendas de Altino Brandão e de Ribeirinho desceram jagunços. Os  
engenheiros, durante algum tempo, andaram acompanhados de estranhos guarda-costas  
(AMADO, 2012, p. 231). Os seus atos eram justificados pelo objetivo de vencer o atraso na  
cidade. Assim, tanto os homens que defendem o velho como aqueles que são adeptos ao novo  
enunciam em seus discursos e têm em suas atitudes posições que visam manter o poder vigente  
e advogam em favor de seus interesses pessoais.  
A relação entre vítima e vilão é um paradigma elementar presente no melodrama. Em  
geral, as narrativas melodramáticas facilitam a identificação das personagens entre essas duas  
vertentes. O aproveitamento desse tema na telenovela é recorrente, essa dicotomia está presente  
em grande parte dos enredos desse gênero.  
Na versão da telenovela de 1975, desde o início da trama, os coronéis mostram os  
métodos usados para manter o poder na cidade. Cel. Ramiro nega recursos para a edição diária  
do jornal de Dr Pelópidas (Ary Fontoura), afirmando que políticos não precisam de jornais  
publicados diariamente que, a qualquer descontentamento, podem se voltar contra eles  
(Capítulo 03). Os velhos coronéis não hesitam em usar jagunços para castigarem Juca Viana  
(Pedro Paulo Rangel) e Chiquinha (Cidinha Milan), rapariga do coronel Coriolano (Rafael de  
Carvalho), quando descobrem o caso amoroso do casal; embora o chefe da intendência diga  
discordar de métodos violentos, não faz nada para impedir sua utilização e afirma que os  
jagunços “são um mal necessário” (Capítulo 13). Ramiro Bastos se apresenta como um homem  
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que defende as leis patriarcais e os costumes da sociedade de Ilhéus, ele entende que o lugar de  
mulher é em casa, conforme Jerusa diz à amiga Malvina (Elisabeth Savala).  
Mundinho é apresentado na obra como um jovem paulista, com ligações com o Governo  
do País no Rio de Janeiro, exportador de cacau que tem interesses no desenvolvimento  
econômico na cidade cacaueira. A fraca oposição ao coronelismo de Ilhéus vê nele o único  
nome capaz de fazer frente à estagnação que impera na cidade. Mesmo antes de ser apresentado  
na obra, o Capitão Cazuza (Sérgio de Oliveira) - que comanda os contatos com Mundinho - já  
anuncia aos aliados e aos receptores da telenovela os feitos do exportador: verbas para  
publicação do primeiro jornal diário, a equiparação - reconhecimento oficial - do ginásio de  
Ilhéus e, as melhorias do porto da cidade, necessárias para evitar os constantes encalhamentos  
dos grandes navios e exportar o cacau sem passar pela capital da Bahia.  
Apesar desses posicionamentos inovadores, espalham-se pela trama diversos indícios  
de que as intenções das personagens que representam os desejos de progresso são também  
permeadas por interesses individuais, e que eles possuem posições retrógradas quando se trata  
das mudanças no cerne da sociedade. Assim como ocorre na obra literária, no episódio em que  
o coronel Jesuíno assassina sua esposa Sinhazinha e o dentista Osmundo em “defesa da honra”,  
o posicionamento dos homens da oposição não difere do demonstrado pelos coronéis que  
protegem o amigo e defendem que o ato praticado foi legítimo. O Dr. Ezequiel (Jayme  
Barcellos), advogado alinhado aos ideais progressistas, insiste em afirmar que a culpa do  
ocorrido é de D. Sinhazinha, porque mulher “vira a cabeça da gente, é tentação, é o diabo”  
(Capítulo 27), para logo a seguir defender que ela não tem desculpa pelos atos, mas que  
Osmundo, por ser homem, “não podia recusar uma mulher bonita” (Capítulo 27).  
Embora a telenovela tenha em sua composição as matrizes culturais presentes no  
melodrama e em vários momentos esses aspectos ficam visíveis na dicotomia entre o bem e o  
mal, dividindo essas estruturas entre as pessoas que defendem o progresso e aqueles que lutam  
pela manutenção da ordem vigente, a versão de 1975 acena para discussões críticas sobre essa  
relação se aproximando do romance amadiano. Isso, no entanto, não impede que a luta política  
seja marcada pelo novo como símbolo do progresso - ligada às boas ações e pelo velho –  
como símbolo da permanência de costumes antigos.  
Na versão de 2012, a polaridade da visão maniqueísta do melodrama é acentuada e os  
personagens são claramente divididas entre os que pertencem ao lado do bem, representadas  
como os defensores do progresso na disputa política, e os pertencentes ao mal, aquelas que  
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defendem o atraso por meio da manutenção do poder vigente. Mundinho (Mateus Solano) é  
convidado pelos membros da oposição para liderá-los, aceita a missão e promete trazer o  
progresso para Ilhéus. Dentre suas lutas estão as melhorias do Porto da Barra, das estradas que  
dão acesso à cidade e o patrocínio do jornal diário de Ilhéus. Ramiro Bastos (Antonio  
Fagundes), por sua vez, mostra sua postura política conservadora ao negar apoio ao jornal, não  
investe no porto, pois tem um compromisso com o governo da Bahia de que todo o cacau  
exportado deve passar pela Capital a fim de gerar lucros para essa cidade em troca de apoio  
político ao coronel e seus aliados.  
Na luta entre o coronel e o exportador encontram-se diferenças entre o livro e entre as  
duas telenovelas, tanto no posicionamento de Ramiro Bastos quanto de Mundinho Falcão. Na  
versão de 1975, o mandatário da região é muito resistente ao uso de jagunços para resolver os  
problemas da cidade, na nova versão, Ramiro não hesita em usar os serviços desses homens  
para amedrontar os adversários, fazer suas vinganças pessoais e manter a cidade sobre seu jugo.  
As posições políticas também refletem nas personagens no que concerne às posturas em  
relação aos costumes atrasados que ainda estão presentes na sociedade ilheense, principalmente,  
no diz respeito às leis patriarcalistas que cerceiam a vida das personagens femininas na obra.  
Os representantes da oligarquia rural refletem, no âmbito de suas atitudes e discursos, a  
desvalorização da mulher na sociedade e o cerceamento de sua liberdade e direitos. Por outro  
lado, as personagens defensoras do progresso econômico são caracterizadas como possuidoras  
de ideais nobres, e isso se manifesta também na forma como tratam as mulheres, nos discursos  
que pronunciam em relação ao tratamento desigual que elas sofrem e nos relacionamentos  
amorosos que vivem.  
O assassinato de D. Sinhazinha (Maitê Proença) e de Osmundo (Erick Marmo) pelo  
esposo causam reações distintas entre as personagens na telenovela de 2012. Os coronéis  
apoiam Jesuíno (José Wilker) e consideram legítima a sua ação em matar a esposa. Coronel  
Ramiro afirma a respeito da atitude do correligionário “... homem que é homem não aceita  
traição, mostrou que é macho” e coronel Amâncio se revolta contra as “novas” leis que  
inventaram e permitem que se abra processo contra um homem que lava a honra com sangue.  
Em contrapartida, os membros da oposição discordam da atitude brutal do coronel  
Jesuíno e consideram o ato um homicídio. Juvenal (Marcos Pigosi) discorda de sua avó D.  
Doroteia, que defende a morte de Sinhazinha como necessária para preservar a moral e os bons  
costumes, afirmando: “a senhora me perdoe minha avó, mas eu penso que respeitar a moral não  
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dá o direito de ninguém matar ninguém”. Mundinho Falcão assume a organização dos velórios  
dos dois assassinados, manda publicar uma notícia sobre o ocorrido, ressaltando que  
“Assassinato. Foi o que aconteceu aqui: um assassinato. E o coronel Jesuíno vai ter que pagar”.  
A adaptação de 2012 evidencia a polaridade na luta entre o bem e o mal, as personagens  
são excessivamente estereotipadas, causando um esvaziamento crítico nas posições expressas  
por elas. Os defensores do progresso estão também ligados às causas sociais, à defesa do direito  
das mulheres, usam de formas legais para resolver seus problemas e almejam igualdade entre  
as pessoas, enquanto os conservadores são incapazes de ações que beneficiem outros, estão  
sempre voltados para seus próprios interesses e usam métodos espúrios para alcançarem seus  
objetivos.  
CONCLUSÃO  
A análise realizada neste artigo alude à presença das matrizes culturais na composição  
do massivo, apontando que o gênero entendido como um conceito que atravessa tanto as  
condições de produção como as de consumo de uma obra constitui em dispositivo para se  
compreender o quanto do popular se tem no massivo.  
Quanto à estrutura do folhetim, que é retomada na telenovela, identificou-se que a  
ampliação de tramas e personagens é um recurso usado nessa narrativa popular que também se  
faz presentes na telenovela, visto que, por serem narrativas episódicas e de grande duração,  
ambas precisam de diversas histórias para contar. As ampliações também se relacionam aos  
suspenses necessários para manter ganchos que a serialidade tanto da narrativa folhetinesca  
quanto a telenovela necessitam para prender a atenção do seu receptor.  
No que concerne aos temas melodramáticos presentes nas telenovelas, verificou-se que  
estão presentes nas duas adaptações. Dentre as abordagens existentes com vieses  
melodramáticos, observou-se que as telenovelas acentuam a diferença entre os bons e os maus.  
Essa polarização é feita por intermédio da luta que se trava pelo poder em Ilhéus.  
Os pontos analisados buscam enfatizar aspectos em que popular e massivo se entrelaçam e  
configuram novas formas de tessituras, um espaço de entrecruzamentos de elementos da  
tradição popular e massiva, concordando com Martín-Barbero (2004) para quem a televisão é  
alimentada pelas matrizes culturais, por isso apresenta desafio particular à pesquisa da  
comunicação que consiste em compreendes aquilo que em seu funcionamento permite articular  
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o discurso da modernização, com a exploração de outros dispositivos, com formas de contar  
histórias existentes na cultura popular.  
REFERÊNCIAS  
AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela: crônica de uma cidade do interior. São Paulo:  
Companhia das Letras, 2012  
GENETTE, Gérard. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Tradução de L. Guimarães  
e M. A. R. Coutinho. Belo Horizonte: UFMG, 2006.  
GOMES, M. Aspectos temáticos do mundo das telenovelas: o que fica dentro e fora do que  
é
narrado  
pelo  
gênero.  
2006.  
Disponível  
em:  
JENSEN, K. B. La comunicación em contextos. In: JENSEN, K. B. La comunicación y los  
médios. Mexico: Fondo de Cultrua Económica, 2014.  
MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo: Editora SENAC, 2000.  
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia.  
Tradução de R. Polito e S. Alcides. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.  
MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de Cartógrafo: Travessias latino-americanas da  
comunicação na cultura. Tradução de F. González. São Paulo: Edições Loyola, 2004.  
MEYER, M. Folhetim. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.  
RAJEWSKY, I. A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas sobre  
intermidialidade. In: DINIZ, T.; VIEIRA, A. (org.). Intermidialidade e EstudosInterartes:  
desafios da arte contemporânea. v. 2. Belo Horizonte: Roma Editora, 2012. P. 51-74.  
OBRAS AUDIOVISUAIS  
CARRASCO, Walcyr. Gabriela. Rede Globo de Televisão, 2012.  
DURST, George Walter. Gabriela. Rede Globo de Televisão, 1975.  
**Este trabalho foi originalmente publicado no livro Diálogos  
Científicos(2023), da Editora Coletivo Cine-Fórum,  
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