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A LITERATURA SOB OS AUSPÍCIOS DO MERCADO:
A QUESTÃO DO INTERESSE
Jorge Delmar da Rosa da Silva Junior
1
Renato Nésio Suttana
2
RESUMO
O artigo descreve os resultados da pesquisa realizada em duas turmas do ensino fundamental II,
tendo por objetivo abordar questões pertinentes ao ensino de literatura e à presença do texto
literário no ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual localizada no
município de Dourados, Mato Grosso do Sul. Buscou-se fazer, através de perguntas, um
recorte da dimensão da presença e o interesse que a literatura desperta nos educandos, os
incentivos, exemplos e motivações que fazem esses jovens estudantes tornarem-se
efetivamente leitores. Em sua fase bibliográfica, esta pesquisa considerou textos que abordam
a questão da leitura, compreensão e vivência literária, sob a perspectiva das relações que unem
o indivíduo à coletividade, a obra literária, o jovem leitor e o modo como esta obra é percebida
pelos jovens alunos do Ensino Fundamental II. Autores como Jessé Souza, Marisa Lajolo,
Marshal Mcluhan, Michel de Certeau, Ricardo Azevedo, Zoara Failla e outros, que escreveram
e escrevem sobre os desafios enfrentados pela literatura na cultura contemporânea e sua
capacidade de chegar aos leitores, serviram de referência para as reflexões dispostas nesse
artigo. Foram utilizados também, como dados relevantes para balizar a pesquisa, os resultados
da 4ª e 5ª Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, trabalho coordenado pelo Instituto
Pró-Livro (IPL) e executado pelo IBOPE inteligência. Essas pesquisas cobriram nacionalmente
o cenário brasileiro sobre leitura na população brasileira de modo geral, sendo de vital
importância para estimular reflexões sobre a leitura no Brasil e comparar os dados obtidos nas
presentes pesquisas de âmbito nacional com a pesquisa realizada na escola em Dourados, Mato
Grosso do Sul.
Palavras-chaves: Literatura. Ensino. Ensino Fundamental. Livros. Jovens leitores.
1
Mestrando em Letras pela Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da UFGD
2
Professor da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFGD.
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LITERATURE UNDER THE AUSPICES OF THE MARKET: THE
QUESTION OF INTEREST
Jorge Delmar da Rosa da Silva Junior
*
Renato Nésio Suttana
ABSTRACT
The article describes the results of research carried out in two classes of elementary school II,
aiming to address issues pertinent to the teaching of literature and the presence of literary text
in the 9th year of elementary school at a state public school located in the city of Dourados,
Mato Grosso. Grosso do Sul. We sought, through questions, to capture the dimension of
presence and interest that literature arouses in students, the incentives, examples and
motivations that make these young students effectively become readers. In its bibliographic
phase, this research considered texts that address the issue of reading, understanding and literary
experience, from the perspective of the relationships that unite the individual with the
community, the literary work, the young reader and the way in which this work is perceived by
young people. Elementary School II students. Authors such as Jessé Souza, Marisa Lajolo,
Marshal Mcluhan, Michel de Certeau, Ricardo Azevedo, Zoara Failla and others, who wrote
and write about the challenges faced by literature in contemporary culture and its ability to
reach readers, served as a reference for reflections set out in this article. The results of the 4th
and 5th Edition of the Portraits of Reading in Brazil Survey were also used as relevant data to
guide the research, work coordinated by the Instituto Pró-Livro (IPL) and carried out by IBOPE
intelligence. These surveys covered the Brazilian scenario on reading in the Brazilian
population in general nationally, being of vital importance to stimulate reflections on reading
in Brazil and compare the data obtained in the present nationwide surveys with the research
carried out at the school in Dourados, Mato Grosso southern.
Keywords: Literature. Teaching. Elementary School. Books. Young readers.
*
Master's student in Literature at the Faculty of Communication, Arts and Letters at UFGD.
Teacher at the Faculty of Communication, Arts and Letters and the Postgraduate Program in Letters at UFGD.
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INTRODUÇÃO
Na sala de aula da escola onde ocorreram as observações desta pesquisa, foi possível
vivenciar e constatar um fenômeno típico na formação escolar contemporânea. Fenômeno que
foi descrito por Marshal Mcluhan, quando este afirmou que os meios de comunicação se
tornariam uma extensão fundamental da atividade humana. Foi corriqueiro ver que, entre as
carteiras escolares dos adolescentes, os smartphones pareciam desempenhar a função de
ferramenta de interação social entre os educandos, possivelmente os fazendo se sentirem
reconhecidos entre seus pares, o que significa representar suas atuações e desejos através dos
algoritmos das redes sociais e aplicativos. Uma pergunta que se pôde fazer foi: as novas mídias
podem ou puderam ser responsáveis por uma suposta baixa procura ou pouco interesse pelos
livros denominados literários? Se for afirmativa esta resposta, isto tem alguma relação com as
escolhas e atitudes desses jovens alunos da rede pública de ensino frente à leitura?
Neste trabalho, com o intuito de deixar claro o entendimento que será dado ao termo
literatura e Grande Literatura, tomaremos emprestado o conceito descrito por Marcia Abreu:
Para que uma obra seja considerada Grande Literatura ela precisa
ser declarada literária pelas chamadas “instâncias de
legitimação”. Essas instâncias são várias: a universidade, os
suplementos culturais dos grandes jornais, as revistas
especializadas, os livros didáticos, as histórias literárias etc. Uma
obra fará parte do seleto grupo da literatura quando for declarada
literária por uma (ou, de preferência, várias) dessas instâncias de
legitimação. (2006, p. 40)
Um diálogo especial foi estabelecido também com as e Edições da Pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil, trabalho coordenado pelo Instituto Pró-Livro (IPL) e executado
pelo instituto IBOPE inteligência. Essa pesquisa, realizada a cada quatro anos, cobre
nacionalmente o cenário brasileiro sobre leitura na população brasileira de modo geral, sendo
de vital importância para estimular reflexões sobre e o estado da leitura no Brasil e,
especificamente, sobre os dados obtidos na presente pesquisa, realizada na escola Tancredo
Neves, em Dourados, Mato Grosso do Sul.
A proposta desta pesquisa foi de observar de que maneira o jovem leitor em fase final
de formação do Ensino Fundamental lida com seus gostos, preferências e estratégias de
apropriação e interpretação do texto literário. Procuramos saber também de que maneira esse
leitor é estimulado pela escola, pela família e por outras instâncias de interação social. Também
buscamos conhecer mais de perto as perspectivas desse leitor diante da literatura, livros, livro
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didático e outras propostas literárias que circulam no formato impresso e digital, como revistas
e jornais.
Quanto a isso, acreditamos que foi possível observar e levantar elementos e
questionamentos em relação ao interesse pela literatura, como também temos a óbvia certeza de
que os dados e o tema da pesquisa, que foram abordados de forma panorâmica por este trabalho,
merecem ser aprofundados futuramente.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO
Foram tomados como referência para a realização desta pesquisa, as e edições da
pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, coordenada pela socióloga Zoara Failla, do Instituto
Pró- Livro (IPL) e executado pelo instituto IBOPE inteligência, como também, estudos
bibliográficos de teóricos da literatura, entre os quais destacamos Alfredo Bosi, Octavio Paz,
Marisa Lajolo e outros. Foi feito também um pequeno levantamento de textos que abordam
questões de leitura, compreensão e vivência da leitura de modo geral sob a perspectiva das
relações que unem a obra literária e o leitor.
Além da pesquisa bibliográfica, recorreu-se à aplicação de um questionário com os
alunos da Escola Estadual Tancredo Neves, escola da rede pública de ensino, localizada no
município de Dourados-MS, no sentido de obter depoimentos a respeito do interesse pela
literatura e das circunstâncias que envolvem a leitura entre os alunos. Procurou-se estabelecer
relação entre os depoimentos dos estudantes e os elementos que influenciaram suas experiências
de leitura, utilizando como instrumento de pesquisa observações e um formulário com questões
quantitativas e qualitativas, para uma melhor e mais fidedigna captação de dados.
Através do referencial teórico e metodológico apresentados como base para esta
pesquisa, foi feito um recorte de análise em duas turmas de alunos do nono ano do ensino
Fundamental II da Escola Estadual Tancredo Neves.
METODOLOGIA
Em pesquisas qualitativas, entre o período de observação e pesquisa, o pesquisador,
indubitavelmente, envolve-se com o grupo pesquisado, porém, não se deve chegar ao ponto de
converter-se em um nativo e comprometer os dados levantados. Goldenberg (2009) tem uma
posição clara quanto ao envolvimento do pesquisador com seu objeto:
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O pesquisador interfere nas respostas do grupo ou indivíduo que
pesquisa. A melhor maneira de controlar esta interferência é tendo
consciência de como sua presença afeta o grupo e até que ponto
este fato pode ser minimizado ou, inclusive, analisado como dado
da pesquisa. (Goldenberg, 2009, p. 55)
Com vistas a esses princípios, antes de apresentar o questionário desenvolvido para os
alunos responderem, foram realizadas visitas de observação nas salas de aula em que estudam
os educandos a serem entrevistados. Foi feito também contato com os gestores da escola e com
professores, incluindo a professora que leciona língua portuguesa nas turmas observadas, que
muito gentilmente se dispôs a colaborar com a pesquisa.
As observações foram feitas em duas salas de aula da referida escola cuja professora
lecionou a disciplina de Língua Portuguesa, pois, a disciplina específica de literatura foi retirada
do currículo do estado do Mato Grosso do Sul, cabendo ao professor de língua portuguesa, em
suas aulas, contemplar assuntos referentes à literatura.
O material de pesquisa utilizado nas observações e entrevistas na escola foi composto
de um questionário com 15 (quinze) questões divididas em 10 (dez) perguntas com opção de
resposta alternativa (múltipla escolha) e 5 (cinco) na modalidade dissertativa.
OBSERVAR PARA PERGUNTAR
A escola Tancredo Neves está localizada na zona leste de Dourados, tem um amplo
espaço de socialização para alunos e professores, entre inúmeros recursos, conta com sala de
multimídia, notebooks e um Datashow que frequentemente é utilizado em aulas de diversas
disciplinas. Sua clientela consiste nos moradores da zona leste de Dourados e adjacências,
extrato social, em sua maioria, pertencente às classes C, D e E. Por ser uma escola estadual,
atende, em sua totalidade, o ensino fundamental e médio.
Os alunos, durante o período observado
5
, tiveram acesso a textos literários, em suas
aulas, através do livro didático de uma coleção chamada Português: linguagens (CEREJA;
MAGALHÃES, 2015), sendo este o principal acesso à literatura dos educandos das turmas
observadas em sala de aula.
5
Pesquisa de campo na sala de aula da escola Estadual Tancredo Neves ocorreu entre os meses de agosto e
dezembro de 2016
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RESULTADOS PERGUNTAR PARA SABER
Os dezessete estudantes que responderam ao questionário ficaram divididos em dois
grupos: um composto por nove meninas e outro por oito meninos, sendo sete alunos de quatorze
anos, seis de quinze anos, três de dezesseis anos e um de dezoito anos. As entrevistas tiveram a
duração média de vinte e cinco minutos por aluno.
Antes de entrar na análise das respostas, apresento abaixo o rol completo de perguntas
que foram feitas aos estudantes:
1. Você possui hábito de leitura? 8. O que os pais leem, caso sejam leitores?
2. Seus pais têm hábito de leitura? 9. Você costuma ler livro impresso?
3. Você tem horário de leitura? 10. Como o livro chega até você?
4. Vai a alguma biblioteca? 11. Como você avalia a biblioteca da escola?
5. Sabe o que é gênero literário? 12. A escola incentiva a leitura?
6. Tem gênero literário favorito? 13. O professor incentiva a leitura?
7. Cite alguma experiência literária 14. Leitura é importante?
de algum livro que gostou. 15. Que livro você gostaria de ler?
As duas perguntas iniciais do questionário foram feitas para averiguar a percepção dos
educandos a respeito dos hábitos de leitura de seus pais ou responsáveis. A segunda foi para
analisar essa relação no grupo escolar específico, comparando os dados com os de outros estudos
relacionados ao assunto.
Figura 1: Gráfico de alunos e pais leitores. Figura 2: Gráfico de alunos e pais não leitores.
Fonte: os autores Fonte: os autores
Podemos constatar nos dados dos gráficos acima, que a percepção dos educandos de que
seus pais não possuem hábito de leitura (25,5%), tendem a resultar em filhos que se
autopercebem como não leitores (20,5%). Por outro lado, os educandos que percebem seus pais
como leitores (70,5%), tendem a resultar em filhos que se autopercebem como leitores (76,5%).
Na Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, apesar de cobrir um espectro mais
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amplo de pesquisa, todas as regiões do Brasil, nos apresenta conclusões semelhantes quando se
refere sobre a importância dos pais como mediadores de leitura:
A importância da mediação é confirmada quando se comparam respostas de
leitores e não leitores: 83% dos não leitores não receberam a influência de
ninguém, enquanto 55% dos leitores tiveram experiências com a leitura na
infância pela mediação de outras pessoas especialmente mãe e professor. O
exemplo ou a referência mostram sua importância na formação de leitores
quando verificamos que 57% dos leitores viam suas mães lendo sempre ou às
vezes, enquanto somente 36% dos não leitores viam suas mães lendo (em
proporção menor, essa relação acontece também em relação ao pai). (FAILLA,
2016, p. 35-36)
Na Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a mediação para formar um
leitor continua sendo importante:
consenso sobre a importância do mediador na formação de leitores e no
despertar do interesse pela leitura, mas 67% dos brasileiros não identificam
quem despertou seu interesse ou gosto pela leitura, percentual estável em
relação a 2015 (67%). Esse alto percentual, que inclui quem não gosta de ler,
pode revelar a ausência de alguém significativo, na família ou na escola, que
desempenhe essa mediação. Por outro lado, professores (11%) e a mãe (8%)
continuam sendo os mais citados como principais influenciadores do gosto
pela leitura. (FAILLA, 2021, p. 31)
Jessé Souza atribui a importância do exemplo paterno para além da leitura, o exemplo
paterno, nas classes C, D e E, pode influir no sucesso escolar:
São os estímulos que a criança de classe média recebe em casa para o hábito
de leitura, para a imaginação, o reforço constante de sua capacidade de
autoestima, que fazem com que os filhos dessa classe sejam destinados ao
sucesso escolar e depois ao sucesso profissional no mercado de trabalho. Os
filhos dos trabalhadores precários, sem os mesmos estímulos ao espírito e que
brincam com o carrinho de mão do pai servente de pedreiro, aprendem a ser
efetivamente, pela identificação com quem se ama, trabalhadores manuais
desqualificados. (SOUZA, 2017, p.88)
Apesar do recorte da pesquisa ter sido feito no microcosmos de duas turmas de uma
escola de uma cidade média do centro oeste, os dados locais e nacionais convergem para a
mesma afirmação: pais que possuem hábito de leitura, tendem a influenciar seus filhos a serem
leitores.
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Lugar e hora de leitura
Durante as entrevistas com os educandos, apenas 11,5% dos educandos disseram dispor
de um horário específico para essa prática, e, sobre o lugar de leitura na escola, e
especificamente sobre a biblioteca, nossos números, demonstraram a baixa penetração que esse
importante espaço tem no imaginário dos educandos. Apenas 5,5% frequentam alguma
biblioteca pública ou biblioteca escolar.
Figura 3: Gráfico representativo de horário de leitura e frequência a bibliotecas
Fonte: os autores
No caso dos alunos da Escola Estadual Tancredo Neves, esse baixo índice de frequência,
em grande parte, se deve ao fato de a escola, como muitas unidades escolares do Brasil, não
possui uma biblioteca efetiva.
A Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em âmbito nacional, mostrou
diversos indicadores sobre a relação do brasileiro com as bibliotecas, porém o número de
frequentadores assíduos é semelhante (5%), apenas meio por cento a menos que os alunos da
Escola Estadual Tancredo Neves:
Apesar de 55% dos entrevistados informarem que sabem da existência de uma
biblioteca em sua cidade ou seu bairro esse número era maior em 2011 (67%),
66% não frequentam bibliotecas ou frequentam raramente (14%). Somente 5%
da população frequentam sempre, e 15%, às vezes. A biblioteca mais
frequentada por quem frequenta sempre ou às vezes (55% de 20% dos
entrevistados) é a escolar, seguida da pública (51%). (FAILLA, 2016, p. 40)
A 5ª Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que os indicadores sobre
a relação do brasileiro com as bibliotecas, a noção de sua existência ou a frequência do espaço
biblioteca diminuiu em relação à edição da pesquisa de 2011 e 2015:
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Apesar de 47% dos brasileiros com 5 anos ou mais saberem que existe uma
biblioteca pública em seu bairro ou sua cidade (em 2015 eram 55%), somente
4% dizem que a frequentam sempre e 13% que frequentam às vezes. Entre esses
usuários (aqueles que disseram frequentar bibliotecas sempre ou às vezes), as
bibliotecas escolares ou universitárias (53%) e as públicas (54%) são as mais
frequentadas. Porém o percentual de frequentadores de bibliotecas escolares
ou universitárias vem se reduzindo desde 2011, quando 64% informaram
frequentá-las (FAILLA, 2021, p. 33)
A escola em questão possui, no entanto, uma “sala de reforço”, onde constam alguns livros que
são pouco acessados por serem, em sua totalidade, livros do gênero infantil (e, portanto,
desinteressantes para os alunos entrevistados nesta pesquisa). A efetividade do uso desse espaço
como estimulador e garantidor de uma boa leitura não está confirmada. Por outro lado, um
prédio que será destinado à biblioteca, em reforma mais de três anos, funciona como depósito
de carteiras escolares danificadas, materiais de atividades físicas, papéis velhos, não se sabendo
ao certo quando se converterá em biblioteca.
Gêneros e autores literários
Na sequência de perguntas feitas aos educandos, foram abordados seus
conhecimentos efetivamente literários, conforme especificado e delimitado no início desse
artigo. Entre os estudantes pesquisados, 64,7 % sabem o que significa gênero literário (pergunta
05), mas apenas 47% têm algum gênero literário favorito (pergunta 06) ou alguma experiência
literária para mencionar (pergunta 07). Fazendo uma estatística dos jovens que citaram uma
experiência literária, apenas 20% mencionaram livros de literatura literária que
possivelmente será cobrada no ensino médio. Esse número pode ser interpretado como um
diagnóstico da baixa penetração da literatura mais elaborada
para educandos de escola pública, com faixa etária entre quatorze e quinze anos.
O baixo número de estudantes com apreço por um gênero literário específico parece ser
consequência do modo como a literatura chega até esses educandos. Assumindo o valor
simbólico de mero entretenimento, os livros que despertam interesse nos jovens estão atrelados
aos “trustes” midiáticos, onde um produto literário, além de seu valor mercadológico, compõe
um conjunto em que entram o filme, jogos e outros livros. Quando questionados sobre que livro
desejariam ler (pergunta 15), a maioria dos estudantes (70%) mencionaram livros de sucesso
que frequentam o imaginário contemporâneo, sendo que os livros com apelo midiático do
cinema aparecem entre os mais lembrados.
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O teórico Henry Jenkins percebeu esta dinâmica cultural dos cruzamentos de mídias,
como as grandes empresas se beneficiam e como essa convergência influencia a literatura desses
adolescentes:
Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de
universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem
ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em
uma única mídia. (JENKINS, 2013, p. 157)
Livros com apelo comercial, que extrapolam outras mídias, crescem exponencialmente
entre a preferência dos educandos, em detrimento da Grande Literatura brasileira ou mundial.
A eles se soma o livro didático, que, além do seu aspecto corriqueiro, não goza do glamour das
edições literárias comerciais, objeto midiatizado pelo marketing e merchandising gratuitos nos
corredores das escolas e nas redes sociais.
Mesmo não sendo observando nesta pesquisa a professora fazer menção à literatura, a
percepção dos educandos é de que a docente em conjunto com a escola incentiva a leitura
(perguntas 12 e 13).
Os educandos também apontam o jornal e a revista (pergunta 08) como objeto de leitura
mais utilizado por seus pais, sendo possível inferir que a leitura, para esses educandos que
percebem seus pais como leitores, é exercida em seu sentido prático, e não como objeto de
fruição ou de apreciação artística.
Figura 4: Gráfico representativo do conhecimento de gêneros e autores entre os estudantes
Fonte: os autores
Caminhos e desejos de leitura: a questão do interesse
No que diz respeito ao contato com as mídias audiovisuais contemporâneas, os alunos
que vivem esse tipo de experiência de comunicação e contato com a literatura 59% (pergunta
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09) ainda preferem o papel em vez de tablets ou celulares, o que leva a concluir que, apesar
da sedução midiática, o material impresso livro é a referência como experiência literária para
essa parcela significativa de jovens.
No entanto, quando não se dispõe de uma biblioteca adequada ou rede de leitores, a
forma mais comum de o livro chegar aos educandos é pelo comércio, ou seja, por ação do
mercado e da publicidade, que ainda são os principais mediadores de leituras para os educandos
entrevistados na pesquisa.
A última pergunta feita aos educandos era sobre a importância da leitura e da própria
literatura (pergunta 14). A unanimidade das respostas 100% concordam que é importante
ler e que o ato de ler fornece inúmeros benefícios. Neste ponto, surge uma questão: por que,
reconhecida essa importância, os chamados livros da Grande Literatura, pertencentes à
bibliografia literária exigida no decorrer do ensino fundamental II e dio, não despertam
interesse nesses educandos?
Figura 5: Gráfico representativo das formas de acesso a livros entre os educandos
Fonte: os autores
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fenômeno do interesse dos educandos do nono ano do Ensino Fundamental pelo objeto
livro e pelo que chamamos de Grande literatura, delimitado no início desse artigo, passa, em
princípio, pela desejável mediação da família e, posteriormente, da escola. Essas duas funções,
conforme se viu nas entrevistas, não têm sido contempladas de modo conveniente, seja porque
os pais, não leitores de Grande literatura, não podem estimular nos filhos, com o seu exemplo,
a formação de um interesse genuíno pelos livros literários e pela palavra escrita em suas formas
mais elaboradas características da literatura chamada canônica ; seja porque a própria
escola, não dispondo de meios (infraestrutura adequada, tempo disponível para trabalho,
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programas de leitura consistentes e regulares, profissionais adequadamente preparados e apoio
dos órgãos governamentais), não pode cumprir de maneira plena com o seu papel de mediadora,
estimuladora e formadora de leitores competentes para a bibliografia literária do ensino médio.
Do mesmo modo, é possível dizer que, se a escola mantiver uma política de letramento
e exercício de literatura calcada apenas no livro didático, o mercado irá cooptar,
inevitavelmente, cada vez mais os corações, mentes e bolsos de pais e educandos. Os dados da
Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil confirmam o fato de que houve um
aumento de leitores entre os estudantes do ensino fundamental nos últimos anos, porém a
Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil demonstrou que houve uma interrupção no
crescimento de leitores, fato que ocorria desde 2007.
Os materiais literários, atrelado ao mercado editorial de literatura de massa, em vez de
beneficiar o incremento de leitura com maior abrangência do material chamado literário,
contribuirá, conforme se nas entrevistas, para alijar os clássicos nacionais e mundiais,
trocados por produtos de massa, que por si não irão preparar o educando para maiores
exigências e competências literárias, como a literatura do ensino médio.
A conclusão da pesquisa, que não milita contra os livros comerciais, destinados ao
consumo imediato pelos jovens, reconhece que, os educandos, devido ao consumo das
publicações comerciais, estão lendo em maior quantidade materiais impressos (apesar da
redução do crescimento na pesquisa de 2020), o que contraria todo o pensamento do senso
comum que diz que os jovens não possuem hábito de leitura ou leem menos que gerações
pretéritas. Aqui, é possível dizer que os jovens se interessam por leitura, estão lendo mais,
porém os livros mais lidos são os livros comerciais.
Os livros comerciais deveriam ser utilizados como ferramenta facilitadora de acesso ao
livro, como também, despertar o interesse dos educandos do último ano do ensino fundamental
por obras que possam contribuir com uma formação humana e literária de caráter mais
consistente e duradouro
função esta que, segundo os teóricos, se pode esperar da literatura. No entanto, a substituição
das obras clássicas por produtos literários de consumo imediato, sem qualquer compromisso
com a formação intelectual desses jovens em idade escolar, não irá aumentar o interesse dos
educandos de escola pública do ensino fundamental pela literatura literária, literatura que os
aguardam no ensino médio.
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jogo do livro. 1 ed. 2 imp. Belo Horizonte: Autêntica/CEALE/FAE/UFMG, 2007. p. 21-33.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 6 ed. São Paulo: Global, 1987.
**Este trabalho foi originalmente publicado no livro “Aqui jaz
o último ato” (2021), da Editora Coletivo Cine-Fórum,
disponível em www.coletivocineforum.com/livros