RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513  
Henrique Campos Freitas  
Doutor em Estudos Linguísticos (PosLin/UFMG). Docente no Programa  
de Mestrado Profissional em Educação: formação docente para a Educação  
Básica da Universidade de Uberaba (UNIUBE). E-mail:  
PhD in Linguistic Studies (PosLin/UFMG). Teacher in the Professional  
Master's Program in Education: teacher training for Basic Education at the  
University of Uberaba (UNIUBE). Email: henrique.freitas@uniube.br.  
Josiane Cristina Cardozo  
Possui graduação em Secretariado Executivo Bilíngue pelas Faculdades  
Associadas de Uberaba - FAZU (2006) e Licenciatura em Letras  
Português-Inglês pela Universidade de Uberaba (2022). É especialista em  
Assessoria Organizacional com Ênfase em Gestão Empresarial - FAZU  
(2010).  
Graduated in Bilingual Executive Secretariat from Faculdades Associadas  
de Uberaba - FAZU (2006) and Degree in Portuguese-English Literature  
from the University of Uberaba (2022). He specializes in Organizational  
Consulting with an emphasis on Business Management - FAZU (2010)..  
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.  
LICENÇA ATRIBUIÇÃO NÃO COMERCIAL 4.0 INTERNACIONAL CREATIVE COMMONS CC BY-NC  
“A MORTE DA MENINA ÁGATHA” - UMA REFLEXÃO SOB  
A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO DISCURSO  
RESUMO  
A Análise do Discurso (AD), uma prática linguística focalizada na análise de diferentes  
discursos em várias situações, baseia-se nas teorias de estudiosos como Pêcheux, Possenti,  
Orlandi e Maingueneau. A pesquisa aprofunda-se nessas teorias, destacando a unicidade de  
cada indivíduo e sua formação ideológica refletida no discurso, influenciando as condições de  
produção. O artigo visa analisar discursos de autoridades e civis sobre A morte da menina  
Ágatha. Acontecimentos são vistos como eventos inesperados envolvendo características  
sociais, incluindo a formação ideológica. A análise revela uma heterogeneidade constitutiva  
nos discursos, com vertentes que expressam opiniões a favor e contra o evento, proporcionando  
uma compreensão mais ampla das perspectivas envolvidas.de Bakhtin (1981), Barthes (1978),  
Eco (1985), González (1994), Hutcheon (1989).  
Palavras-chave: Linguística. Formação Discursiva. Acontecimento.  
“A MORTE DA MENINA ÁGATA” - A REFLECTION FROM THE  
PERSPECTIVE OF DISCOURSE ANALYSIS  
ABSTRACT  
Discourse Analysis (DA) is a linguistic practice focused on examining diverse discourses in  
various situations. Our research delves into the theories of prominent scholars such as Pêcheux,  
Possenti, Orlandi, and Maingueneau to deepen our understanding of DA. These theories  
highlight the uniqueness of everyone, shaped by their ideological background, influencing  
discursive formation and production conditions. The article aims to analyse discourses from  
authorities and civilians regarding the nationally known incident, The Death of Ágatha.”  
Despite a heterogeneity in the analysed discourses, with expressions of both support and  
opposition towards the event, the findings broaden our comprehension of the perspectives  
involved in this tragic incident.  
Keywords: Linguistics. Discourse. Formation.  
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INTRODUÇÃO  
A Análise do Discurso AD é uma área da linguística que consiste em analisar um  
determinado discurso e a partir desta análise, compreender as construções ideológicas presentes  
nos discursos. Todo discurso traz consigo atrelado algumas condições de produção, no qual é  
desenvolvido, ou seja, as ideologias presentes em um discurso são diretamente determinadas  
pelo contexto político-social em que o indivíduo está inserido.  
Um dos primeiros precursores da AD foi Michel Pêcheux que descreve o discurso como  
um acontecimento, como uma construção de características sociais, que envolvem além de  
elementos da língua, a ideologia para se chegar à construção do sentido (França, 2011).  
A linguagem não é mais concebida como apenas um sistema de regras formais  
com os estudos discursivos. A linguagem é pensada em sua prática, atribuindo  
valor ao trabalho com o simbólico, com a divisão política dos sentidos, visto  
que o sentido é movente e instável. O objeto de apreciação de estudo deixa de  
ser a frase, e passa a ser o discurso, uma vez que foge da apreciação palavra  
por palavra na interpretação como uma sequência fechada em si mesma  
(Brasil, 2011).  
Nesse sentido, o homem age de acordo com o contexto que está inserido e mergulhado,  
desta forma, é possível vê-lo na diversidade de suas práticas cotidianas e na variedade dos  
artefatos culturais que inventa como formas de representação de suas crenças e valores. Todo  
esse universo é ressignificado por meio de novos gestos de interpretação e criação. Ou seja, a  
atribuição de sentido vai depender da concepção ideológica, de crenças, entre outras, nas quais  
o indivíduo está inserido.  
Desta forma, o presente artigo tem por objetivo analisar os discursos proferidos por  
diversas autoridades do governo, bem como por civis sobre o fato que ficou nacionalmente  
conhecido como “A morte da menina Ágatha”. E todos esses variados textos só foram possíveis  
a partir de textos jornalísticos veiculados pela imprensa para noticiar o ocorrido.  
A MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO  
Os textos jornalísticos são meios que operam na construção de representações sobre os  
modos de viver e de pensar de uma determinada sociedade, constituindo, reforçando ou até  
mesmo renovando realidades culturais existentes. A partir da publicação das reportagens e de  
fatos ocorridos, a população em geral toma para si o desejo de se manifestar. Atualmente, as  
manifestações mais recorrentes têm sido através de redes sociais como Facebook, Instragran e  
Twitter, com diversos comentários a respeito das matérias publicadas. Os grandes veículos de  
comunicação, além de publicações impressas, também atuam em redes sociais, publicando ao  
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longo do dia as chamadas das matérias, onde o sujeito que se interessar será direcionado para a  
página do jornal. Nesse contexto, o que antigamente era debatido em rodas de conversa, hoje  
em dia se debate por comentários ou likes. Portanto, relações, identidades e comportamentos  
passam a ser criados ou reproduzidos nos discursos veiculados.  
Levando em conta que a linguagem não deve ser vista apenas como um sistema  
simbólico abstrato, mas também como parte da estrutura social da vida concreta dos falantes,  
selecionamos um corpus de mensagem retiradas de jornais online de grande circulação e  
também de redes sociais, nas quais os autores se posicionam de diferentes formas através da  
linguagem.  
Selecionar uma matéria e focar nos comentários que foram produzidos a partir de tal  
fato nos pareceu a escolha mais adequada, tendo em vista que é uma questão recente e que se  
tornou recorrente para os moradores do Rio de Janeiro, além do mais, por se tratar de diversos  
autores trabalhamos com a questão da linguagem que cada um emprega em seu discurso,  
levando em conta o sujeito e a sua história.  
A escolha de um lugar teórico de onde será possível falar sobre o discurso do trabalho  
no texto, entrecruzando a descrição dos fatos da língua e a interpretação dos discursos da  
realidade social. Desta forma, separamos reportagens publicadas que falavam do caso da  
menina Ágatha e, após, buscamos comentários de pessoas em redes sociais falando sobre o  
caso.  
As reportagens analisadas partem de jornais de grande circulação, como G1, Globo  
Rádio, Terra e os comentários de pessoas a partir do Facebook. As reportagens relatam o  
acontecimento ocorrido em uma Comunidade no Rio de Janeiro, e está bem fundamentado, no  
nosso entendimento, que há dois discursos que permeiam as matérias: 1) o discurso que visa  
culpar a polícia pela tragédia ocorrida.  
Um discurso que toma como base uma polícia hostil e sem preparo, que está ali para  
alvejar pessoas inocentes; e 2) o discurso que visa culpar a situação, ou seja, os policiais apenas  
estavam revidando um ataque anterior. Nesse sentido, há dois grupos de pessoas envolvidas, de  
um lado os moradores, de outro a polícia e no meio a mídia.  
Sabemos que todo discurso é fundamentado em uma formação ideológica e de maneira  
geral elas influenciam o que será ou não dito a partir de uma posição dada numa certa  
conjuntura. Desta forma, toda formação discursiva derivará de condições de produção  
específicas. Para Courtine apud Pêcheux (1997, p. 37), as condições de produção podem ser  
apenas circunstâncias. “Circunstâncias onde interagem os “sujeitos” do discurso”, que passam  
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a construir a fonte de relações discursivas das quais, na verdade, não são senão o portador ou o  
efeito.” De acordo com Orlandi (2007, p. 30), “podemos considerar as condições de produção  
em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o do contexto imediato. E se as  
considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico,  
ideológico”.  
Possenti (2004) afirma que para a análise do discurso, os contextos imediatos somente  
interessam na medida em que, mesmo neles, funcionam condições históricas de produção, ou  
seja, os “contextos” fazem parte de uma história, já que, também nessas instâncias de  
enunciação, os enunciadores se assujeitam à sua formação discursiva.  
Os discursos não possuem uma essência, mas nascem na relação com outros discursos,  
com os quais concordam, discordam, mantêm uma neutralidade aparente. Indursky (2001, p.  
30) observa que, embora seja o texto um espaço discursivo heterogêneo, quando ele é  
produzido, surge um sujeito interpelado ideologicamente e identificado com uma posição-  
sujeito inscrita numa formação discursiva (o sujeito produz o seu texto a partir de um lugar  
social e passa, então, a sujeito-autor).  
Salientamos que o conceito de formação discursiva FD criado por Pêcheux como  
“matriz do sentido das palavras e expressões e que, consequentemente, estas ganham um  
sentido na medida em que pertencem a uma FD”, tendo origem na teoria marxista, que  
contempla a formação social, formação ideológica e formação discursiva, pode variar de sentido  
devido a divisão das classes sociais (Narzerri, 2018, p. 652).  
De acordo com as concepções de Michel Pêcheux, na análise o sujeito é compreendido  
observando sua relação entre história e ideologia. Nesse contexto, “o sujeito, na teoria  
discursiva, se constitui na relação com o outro, não sendo origem do sentido, está condenado a  
significar e é atravessado pela incompletude” (Brasil, 2011). Assim, pela formação discursiva  
é possível compreender o repertório lexical escolhido para representar os mesmos fatos.  
Outro conceito que deve ser levado em consideração na AD é o de heterogeneidade  
constitutiva do discurso. Segundo Possenti (2004), os discursos não são homogêneos, eles se  
constituem de outros em relação aos quais mantém proximidade ou oposição, ou seja, um  
discurso nunca está sozinho, ele está sempre ligado a um outro mesmo que esse outro não  
apareça explicitamente.  
Os textos passam a ser vistos como heterogêneos a partir da fase três da AD, proposta  
por Pêcheux. E essa heterogeneidade pode, muitas vezes, deixar marcas no discurso, o que pode  
ser chamado de heterogeneidade mostrada e marcada de diferentes maneiras. Um dos sinais que  
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mostram a heterogeneidade, isto é, a presença de mais de um discurso, são as aspas, que  
demonstram a presença de um discurso no outro ou um recorte de palavras do outro discurso.  
Outra marca importante da heterogeneidade é a negação, que opõe dois discursos.  
Há ainda a memória discursiva que podemos compreender como a “recorrência de  
dizeres que emergem a partir de uma contingência histórica específica, sendo atualizada ou  
esquecida de acordo com o processo discursivo, é algo que fala sempre, antes, em outro lugar.”  
(França, 2011, p. 205).  
APRESENTAÇÃO DO ACONTECIMENTO  
O fato ocorreu na noite de sexta feira, do dia 20 de setembro, a menina Ágatha Vitória  
Sales Félix, de 8 anos de idade, foi morta enquanto voltava para casa com a mãe, as duas  
estavam no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A criança estava dentro de  
uma Kombi, por volta das 21h30, quando foi baleada nas costas na comunidade da Fazendinha.  
A kombi em que a menina estava parou na rua para desembarcar passageiros com sacolas de  
compra na comunidade, a criança estava sentada dentro da van ao lado de sua mãe quando foi  
atingida.  
Para a família e moradores, os policiais atiraram contra uma moto que passava pelo  
local, e o tiro atingiu a criança. Algumas testemunhas dizem que, no momento, não havia  
confronto e afirmam “foi só um único tiro. A moto passou, os policiais desconfiaram da moto,  
atiraram em cima da moto e acertaram na kombi onde a menina estava.” O motorista da kombi  
afirmou que não havia tiroteio e disse “Foram dois disparos que ele (policial) deu. Falou que  
foi tiroteio de todos os lados, é mentira! Mentira!” (ANEXO F).  
A polícia militar afirma que houve de fato um confronto. Segundo o porta-voz da PM  
Mauro Fliess, os policiais disseram que “foram atacados de forma simultânea por marginais  
daquela localidade”.  
Faz-se necessário entendermos as condições de produção em que tudo isso aconteceu,  
o Complexo do Alemão, popularmente chamado de Morro do Alemão ou simplesmente Alemão  
é um bairro que abriga um dos maiores conjuntos de favelas na zona norte do município do Rio  
de Janeiro.  
Durante muitas décadas foi considerado uma das áreas mais violentas da cidade, porém,  
desde 2011, o governo do estado vem atuando no bairro através de unidades de polícia  
pacificadora, o que tem trazido resultados positivos quanto a diminuição dos índices de  
violência no bairro. Sua principal comunidade é o Morro do Alemão, embora haja dezenas de  
comunidades pertencentes ao morro, espalhadas por extensões territoriais enormes. É  
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oficialmente um bairro, mas devido a sua enorme extensão, os limites da área do bairro e das  
favelas pertencentes ao morro se misturam com outros bairros da Zona Norte da capital, como  
Ramos, Higienópolis, Olaria, Penha, Inhaúma e Bonsucesso.  
Ocorre que por mais que a polícia tenha de fazer o seu papel de pacificação, ainda há  
traficantes que imperam e há constantes tiroteios, fazendo vítimas inocentes por balas perdidas.  
Nesse sentido, houve vários pronunciamentos sobre o fato.  
Furlanetto (2015, p. 39) traz uma perspectiva do acontecimento como um fato histórico,  
destacando a perspectiva de Pêcheux:  
de pensar por um lado o discurso como uma materialidade igualmente  
constituída por uma estrutura e por um acontecimento e, por outro, que esse  
estruturamento discursivo se dá sempre não na estabilidade da veiculação de  
valores ideológicos, mas, principalmente, na instabilidade produzida pela  
tensão, pelo conflito, pelo contínuo atravessamento de/entre esses valores.  
Nesse sentido, acontecimento é algo inesperado, o que é de extrema importância para  
nosso trabalho, visto que a escolha do corpus somente foi possível devido ao fato apresentado.  
E em decorrência desse fato, diversas reportagens, declarações e protestos surgiram logo em  
seguida ao evento.  
Por diversos meios de comunicação, políticos, órgãos internacionais como UNICEF e  
cidadãos brasileiros manifestaram suas opiniões acerca do fato que comoveu o país. E esse  
incidente levou a população a refletir sobre outros acontecimentos, como por exemplo a questão  
da segurança do cidadão brasileiro. Nesse sentido, “[...] o conjunto de textos começa a remeter  
não só ao próprio acontecimento, mas também a outros textos e a outros acontecimentos que  
este levou a rememorar” (Possenti, 2006, p. 95).  
Em 2003 foi instituído o Estatuto do Desarmamento, derivado do projeto de lei nº 292  
(PL 155/2003), de autoria do então senador Gerson Camata. O referido Estatuto prevê as  
condições para aquisição e porte de arma no país. Após a posse do presidente Jair Bolsonaro,  
foi assinado um decreto que altera a regulamentação do Estatuto do Desarmamento, facilitando  
a posse de armas no Brasil.  
Nesse aspecto, em virtude da morte da Ágatha, políticos se pronunciaram a respeito do  
‘excludente de ilicitude’ que, no caso dos policiais, esses são excluídos de punição em caso de  
prática de atos que podem ser considerados como criminosos.  
MONTAGEM DO CORPUS  
Partindo do princípio de que as unidades tópicas se dividem em dois grandes tipos de  
unidades, as unidades territoriais e as unidades transversais, esclarecemos aqui que nosso  
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corpus pertence às unidades tópicas territoriais que, segundo Maingueneau (2005, p. 68),  
correspondem a espaços já “pré-recortados” pelas práticas verbais. Pode-se tratar de tipos de  
discursos, associados a certo setor de atividade da sociedade discurso administrativo,  
publicitário, político…”.  
Com relação às unidades não-tópicas, temos as formações discursivas, uma vez que  
essas definem os discursos no que se refere ao seu tipo, como Maingueneau (2005, p. 70) expõe  
“o discurso racista”, “o discurso colonial”, “o discurso patronal”.  
Essa junção das unidades tópicas e não-tópicas se faz necessária, pois conforme destaca  
Maingueneau (2005, p. 72), não há análise discurso se não forem trabalhadas as unidades  
tópicas. No entanto, ressalta também que não é possível existir a análise do discurso sem a  
análise de unidades não tópicas.  
Existe, certamente, uma solidariedade tácita entre um percurso tópico e outro  
não-tópico, que acentua precisamente processos que agem sobre fronteiras.  
Para dizer as coisas de maneira paradoxal: se não houvesse unidades não-  
tópicas, não haveria análise do discurso, a qual não saberia, contudo, se  
restringir a esse tipo de unidades (Maingueneau, 2005, p.73).  
Nesse sentido, a escolha do corpus baseou-se numa busca por reportagens, declarações  
e protestos, em diversos meios de comunicação online como jornais e redes sociais que, de  
acordo com Possenti (2006, p. 96) “[...] se relacionam a um acontecimento (e, evidentemente,  
entre si)”, ou seja, além de cada texto ser independente, ele mantém uma relação de retomada  
com os outros, sendo estes “[...] lugar de manifestação de várias posições” (2006, p. 99), o que  
nos remete ao conceito de heterogeneidade discursiva.  
O corpus foi estruturado pelos analistas que tiveram como trabalho reunir e organizar o  
material que será analisado. Para isso, foi preciso classificar os documentos, separando as  
posições impressas por cada um e também destacando os aspectos relevantes para análise.  
A ANÁLISE  
Ao analisarmos a reportagem veiculada sobre a “Morte da menina Ágatha Felix (2019)”  
observamos que alguns elementos constitutivos fazem com que receba uma grande atenção por  
parte da mídia. Pois, é sabido que a comunidade no Rio de Janeiro sofre há muito tempo com a  
briga entre bandido e polícia e por muitas vezes pessoas inocentes são atingidas, sendo ceifada  
suas vidas.  
Segundo Possenti (2006, p. 100), “[...] o léxico funciona como um bom guia para os  
analistas”. Assim, a princípio iremos nos deter nos títulos selecionados para as reportagens.  
Diversos meios de comunicação retrataram a reportagem como a “Morte da menina Ágatha”,  
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dando ênfase para a palavra menina, na intenção de fazer com que a população ao redor se  
comovesse ainda mais com o ocorrido, pois estamos começando a ficar “acostumados” a ouvir  
nos Jornais televisivos o apresentador dizer que mais um inocente foi alvejado, vítima de bala  
perdida.  
Então, ao retratar o ocorrido e dar um destaque maior ao fato de ela ser apenas uma  
criança traz uma emoção, confere um sentimentalismo maior a reportagem. É como se o autor  
estivesse deixando claro que ela tinha a vida toda pela frente, mas acabou morrendo por uma  
bala perdida. Ou seja, a utilização da palavra “menina” traz um forte impacto emocional no  
discurso, despertando no destinatário o sentimento de empatia.  
Apesar do episódio ser o mesmo, há uma grande diferença de posicionamentos, uma  
heterogeneidade constitutiva que podemos encontrar nos relatos. De um lado temos o relato dos  
moradores, que alegam que os policiais atiraram mesmo não tendo sido provocados e por outro  
lado temos o relato da polícia que afirma que houve uma troca de tiros com os bandidos. Falar  
sobro o Rio de Janeiro é falar de comunidades, de polícia contra bandido e falar de mortes.  
Em relação à heterogeneidade do discurso, podemos observar que a grande parte dos  
selecionados para análise são bem característicos e específicos, tendo em vista que as posições  
são favoráveis ou contra a ação dos policiais. A heterogeneidade constitutiva é marcada na  
superfície do texto, onde podemos ver nas reportagens “Após morte da menina Ágatha no Rio,  
ACM Neto defende desarmamento no Brasil” e “Witzel atribui morte de Ágatha ‘inescrupulosa  
ação do crime organizado’”, as falas demonstram a posição do autor em relação a matéria.  
Conforme dito anteriormente, segundo Possenti (2004) os discursos se compõem de  
outros já existentes, se aproximando ou se opondo a eles. Assim, na primeira reportagem  
observa-se que o autor defende o desarmamento, retomando a questão sobre o desarmamento  
no país, assunto levantado com a posse do presidente Jair Bolsonaro. Desta forma, o discurso  
pronunciado é o seguinte: “O prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, ACM Neto,  
defendeu nesta segunda-feira (23) o desarmamento no Brasil, ao comentar a morte da menina  
Ágatha Félix, de 8 anos, atingida por um tiro nas costas no Complexo do Alemão, no Rio de  
Janeiro, nesta sexta (20).”  
Já na segunda reportagem, o autor atribui a morte de Ágatha aos criminosos, pois a  
questão do desarmamento gera em torno da retirada de armas da população, tendo em vista que  
os bandidos não precisam de autorização para a compra e em nenhum momento possuem o  
porte de armas regulamentado ao contrário da população que utiliza as vias legais para a posse  
e porte de armas de fogo. Assim, “O governador do RJ se pronunciou pela primeira vez desde  
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o assassinato da menina de oito anos, na sexta, e disse que a sensação de segurança está  
aumentando no estado.”  
Com relação às condições de produção, observamos todo um momento histórico que o  
estado do Rio de Janeiro suporta há vários anos, sendo tragado pelo tráfico de drogas e pelos  
assassinatos em massa que comovem a população a cada dia. O embate entre a polícia e os  
bandidos se torna cada dia mais intenso nas comunidades, mesmo aquelas que foram  
pacificadas.  
Estamos diante de uma população que não possui alternativa de moradia, tendo que se  
submeter a essas condições de vida, muitas delas em situação degradante, amontoadas e com  
diversas falhas na prestação de serviços básicos, como água, esgoto e energia elétrica. Nesse  
sentido, as condições de produção se materializam nos discursos demonstrando a formação  
ideológica de cada autor. Ou seja, é possível identificar qual a formação discursiva do autor,  
observando em seu discurso a que ele se identifica ou defende.  
Sobre a memória discursiva, as reportagens que são favoráveis ao pensamento de que a  
polícia estava errada tratam como a morte da menina, uma criança alvejada, tirar a vida de uma  
menina, trazendo todo o sentimentalismo da reportagem para a palavra menina, onde  
demonstram a ingenuidade de uma criança diante de acontecimentos tão ferozes e desastrosos.  
Além disso, observamos que os discursos contra a polícia se manifestam afirmando que  
houve uma “irresponsabilidade da polícia”, demonstrando uma incompetência do órgão. Outro  
trecho afirma que o “disparo feito por Policial Militar”, dando ênfase no sujeito que efetuou os  
disparos, fazendo com o leitor acredite que o Policial disparou com intenção de ferir um cidadão  
inocente.  
Já a parte que diz que a polícia apenas revidou a tiros traz a reportagem como uma  
infelicidade, um evento terrível, um desastre. Nesse contexto, ressaltamos que a memória  
discursiva estabelece relação com eventos do passado. Por exemplo, na reportagem “Maia faz  
alerta sobre o pacote anticrime após morte de Ágatha”. Ele afirma “é por isso que defendo uma  
avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no  
Parlamento”. Na reportagem “Após a morte da menina Ágatha no Rio, ACM Neto defende  
desarmamento no Brasil”, o autor traz a seguinte fala:  
O assassinato a garota que foi vítima de disparo feito por um policial militar,  
segundo testemunhas, suscitou discussões na Câmara dos Deputados sobre o  
Pacote Anticrime enviado à Casa pelo ministro da Justiça e Segurança Pública,  
Sérgio Moro. Entre as medidas propostas por ele, está o excludente de  
ilicitude.  
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Nesse contexto, percebemos a ideologia do autor ao se posicionar sobre a questão do  
desarmamento, especificamente sobre o excludente de ilicitude. Em oposição a esta ideologia,  
Leandro de Jesus “Para quem anda com Vários Seguranças Armados, falar em desarmamento  
usando a morte de uma criança como meio de se promover politicamente chega a ser asqueroso”  
(ANEXO I). Para a Unicef (ANEXO H):  
[...] a violência armada afeta a vida de centenas de milhares de crianças e  
adolescentes, famílias, professores, policiais e toda a comunidade. Todos somos  
afetados. Mas é possível prevenir novas mortes e romper o ciclo da violência. É  
urgente desnaturalizar e investir em políticas e ações que protejam e permitam o  
desenvolvimento pleno de cada pessoa.  
Em relação à forma em que o acontecimento é tratado nos discursos, é possível elaborar  
uma lista que Sírio Possenti (2006, p. 101) chamou de “quase paráfrases”:  
Quadro 1: Referência à Agatha e à Polícia Militar  
FD em prol da PM  
FD contra a PM  
-o tiro que atingiu a criança  
-a morte de uma criança  
-a morte da criança  
Referência  
à Ágatha  
-a morte da menina Ágatha  
-a morte da menina  
-sensação de segurança  
-uma ação policial  
-uma ação da Polícia Militar  
-violência armada  
-relação possível Entre a morte da menina  
com o excludente de ilicitude  
-vítima de disparo feito por Policial Militar  
-moderação no uso da força pela polícia  
Referência  
à Polícia  
Militar  
-ciclo da violência  
-investir em políticas e ações que protejam e  
permitam o desenvolvimento pleno de cada  
pessoa  
-compromisso de proteger o direito à vida  
Fonte: do autor  
CONCLUSÃO  
O discurso é a linguagem em interação, a língua em suas condições de produção, ou  
seja, é a relação estabelecida pelos interlocutores, assim como as condições de produção são  
constitutivos da significação do que se diz. É através do discurso que as pessoas entram em  
contato umas com as outras, demonstram seus interesses e expressam suas opiniões. Desta  
forma, o presente artigo trouxe um caso atual e que possui duas vertentes, ou seja, uma  
heterogeneidade constitutiva.  
Para desenvolver o presente trabalho, tomamos como base alguns princípios da análise  
do discurso como a formação discursiva do sujeito, a heterogeneidade discursiva, a memória  
discursiva e a ideologia do sujeito, para tentar explicar o acontecimento acerca da “morte da  
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menina Ágatha”. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo analisar os discursos  
proferidos por autoridades e também por civis que manifestaram suas opiniões sobre o ocorrido.  
Foram verificadas duas formações discursivas, sendo uma a favor da Polícia Militar, na  
qual ela é responsável pela segurança e patrulhamento do Morro do Alemão, mantendo toda a  
comunidade a salvo da ação dos bandidos. Contrária a esta formação discursiva há aqueles que  
discursam contra a Polícia Militar, afirmando que os policiais não agiram com competência e  
prudência ao dispararem os tiros.  
Com relação a heterogeneidade discursiva fica comprovado que os textos não  
são homogêneos, trazendo em seu discurso ideologias distintas, nas quais os sujeitos se  
apropriam de uma determinada memória discursiva e emanam a sua opinião a respeito de  
determinado acontecimento temporal.  
Para isso, o presente trabalho focou em apresentar uma análise de um corpus  
previamente selecionado a respeito de um acontecimento atual. O estudo foi embasado nas  
teorias a respeito da análise do discurso trazidos por Pêcheux, Possenti, Orlandi e Maingueneau,  
além de outros estudiosos da linguística na atualidade.  
REFERÊNCIAS  
ALVES, Luana; MORGANTI, Maria; MARFAN, Paulo Victor. Dez anos após a ocupação do  
Complexo do Alemão, moradores ainda lamentam a violência na região. Bom Dia Rio.  
violencia.ghtml. Acesso em: 18 de abr. de 2022.  
BRASIL, Luciana Leão. Michel Pêcheux e a teoria da análise de discurso: desdobramentos  
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CBN. Moro lamenta a morte da menina Agatha: 'fatos serão completamente esclarecidos.  
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sobre-pacote-anticrime-apos-morte-de-  
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73  
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ANEXO A  
ANEXO B  
74  
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ANEXO C  
ANEXO D  
75  
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ANEXO E  
76  
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ANEXO F  
'Não teve tiroteio nenhum', diz motorista de Kombi onde Ágatha  
estava quando foi baleada no Alemão  
Declaração aconteceu no enterro da menina de 8 anos no Cemitério de Inhaúma neste domingo (22). Ele afirmou  
que foram 2 disparos e que viu o policial disparar.  
Por Nathalia Castro, TV Globo  
22/09/2019 20h52  
O motorista que dirigia a Kombi onde Ágatha Vitória Vitória Sales Félix, 8 anos, foi baleada no Complexo do  
Alemão, Zona Norte do Rio disse que não havia tiroteio na comunidade no momento em que ela foi atingida dentro  
do carro. Ele disse que viu o policial disparando.  
“Não teve tiroteio nenhum, foram dois disparos que ele deu. Falou que foi tiroteio de todos os lados, é mentira!  
Mentira!”, disse o motorista que esteve no enterro da menina na tarde deste domingo.  
Ágatha morreu na noite de sexta-feira (21). Ela estava dentro de uma Kombi com a mãe, quando foi baleada nas  
costas. Moradores afirmaram que PMs atiraram contra uma moto que passava pelo local, e o tiro atingiu a criança.  
Ela chegou a ser levada para a UPA do Alemão e transferida para Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu aos  
ferimentos.  
O corpo de Ágatha foi enterrado neste domingo (22) por volta das 16h30, no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte.  
Durante o cortejo, amigos e familiares gritaram por Justiça e aplaudiram no momento em que Ágatha foi enterrada.  
Investigação x confronto balístico  
Em nota, a Polícia Civil informou que as armas dos PMs serão enviadas para perícia, bem como o projétil extraído  
do corpo da vítima, para confronto balístico. Eles confirmaram que parentes da menina, o motorista da Kombi em  
que ela estava e outras testemunhas já foram ouvidas.  
Nesta segunda-feira (23) está previsto o depoimento dos PMs que participaram da ação no Complexo do Alemão.  
No decorrer dessa semana, a Polícia Civil também irá definir uma data para reprodução simulada.  
Família diz que não havia confronto  
Familiares e testemunhas contestaram a versão da PM sobre a morte de Ágatha e afirmaram que a menina foi  
atingida por um tiro disparado por um policial.  
Em nota, a corporação diz que policiais revidaram após serem atacados por criminosos na comunidade.  
77  
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Testemunhas que estavam próximas ao local disseram para a família que policiais tentaram atirar em dois homens  
que passavam de moto pela comunidade quando atingiram a criança. Ela estava sentada dentro do veículo quando  
foi atingida.  
“A Kombi parou para deixar um passageiro que tinha compras na mala. Foram tirar as compras da Kombi quando  
passou uma moto. Falaram que eram dois homens sem camisa. Não sei se mandaram parar enquanto passou, e  
o policial atirou, só que pegou na Kombi onde tava minha sobrinha”, relatou Danilo Félix, tio da menina.  
Repercussão sobre morte da menina  
Posicionamentos divulgados ainda no sábado (21) pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública  
e a Anistia Internacional criticaram as políticas de segurança pública do Estado do RJ e manifestaram solidariedade  
e apoio à família da menina.  
Em entrevista à TV Globo, o porta-voz da Polícia Militar Mauro Fliess disse que o governo do estado está no  
caminho certo e que “não irá recuar”. Afirmou ainda que “não há nenhum indicativo, nesse momento, de uma  
participação do policial militar no triste episódio que vitimou a pequena Ágatha”.  
O Governo do Estado do Rio de Janeiro afirmou, em nota divulgada neste domingo (22), que lamenta  
profundamente a morte da menina Ágatha, assim como a de todas as vítimas inocentes, durante ações policiais.  
O governador Wilson Witzel não deu declarações sobre a morte da menina.  
Em nota divulgada na tarde deste domingo, o Ministério da Justiça informou o ministro Sergio Moro lamenta a  
morte da criança e disse que o governo trabalha para que casos semelhantes não se repitam.  
Ágatha é a quinta criança morta em tiroteios no estado do Rio de Janeiro este ano.  
ANEXO G  
Maia faz alerta sobre pacote anticrime após morte de Agatha  
Presidente da Câmara prestou solidariedade aos familiares da menina de 8 anos e falou sobre  
'excludente de ilicitude'  
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), comentou neste domingo, 22, sobre a morte da  
menina Agatha Félix, de 8 anos, atingida por um tiro de fuzil dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, no Rio.  
Além de prestar solidariedade aos familiares da vítima, ele defendeu uma “avaliação muito cuidadosa e criteriosa”  
sobre o “excludente de ilicitude” - item do pacote anticrime do governo Jair Bolsonaro (PSL) que abranda a punição  
de militares e policiais que cometem excessos.  
“Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Agatha e sabe o tamanho dessa dor. Expresso  
minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento”, publicou Maia  
no Twitter. “É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que  
está em discussão no Parlamento.”  
A proposta do governo federal, apresentada pelo ministro Sérgio Moro, propõe mudança no texto do Código Penal  
para o “excludente de ilicitude”, permitindo que o policial que age para prevenir uma suposta agressão ou risco de  
agressão a reféns seja interpretado como se atuasse em legítima defesa. Pela lei atual, o policial deve aguardar  
uma ameaça concreta ou o início do crime para agir.  
Até as 16 horas deste domingo, a morte da menina não foi comentada pelo governador do Rio, Wilson Witzel  
(PSC), pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, ou pelo prefeito do Rio, Marcelo  
Crivella (PRB).  
78  
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ANEXO H  
ANEXO I  
79  
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ANEXO J  
80  
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