RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513  
Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues  
Pós Doutora em História, pela Universidad Nacional de Jujuy/Argentina,  
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), Mestra  
em História, pela Universidade Estadual Paulista, (UNESP), Profa. no  
Curso de História e Profa. e Coordenadora do Mestrado e Doutorado  
Profissional em Ensino de História ProfHistória, Universidade Estadual  
de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil, e-mail: marizak@uems.br  
Post Doctorate in History, from the National University of Jujuy/Argentina,  
PhD in Social History from the University of São Paulo (USP), Master in  
History, from the Universidade Estadual Paulista, (UNESP), Prof. in the  
History Course and Prof. and Coordinator of the Master's and Professional  
Doctorate in History Teaching ProfHistória, State University of Mato  
Grosso do Sul, MS, Brazil, e-mail: marizak@uems.br  
Este artigo passou por avaliação por pares cega e software anti-plágio.  
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HISTÓRIA E LUGARES DE MEMÓRIA: A  
INTERPENETRAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA COM O  
PRIVADO  
RESUMO  
O artigo analisa a interpenetração entre as esferas pública e privada na sociedade brasileira  
desde a segunda metade do século XIX, utilizando a teoria de Habermas sobre a esfera pública  
burguesa. A metodologia inclui uma análise histórica e sociológica, examinando a evolução da  
legislação brasileira e sua influência na relação entre os interesses privados da elite e as  
necessidades públicas. Os resultados destacam como, no Brasil, o liberalismo se moldou aos  
interesses da elite dominante, resultando em uma democracia limitada e excludente, onde a  
legislação e a prática política frequentemente serviram para preservar o poder e a influência da  
elite sobre a esfera pública. As conclusões sugerem que a construção de uma esfera pública  
verdadeiramente democrática e inclusiva no Brasil requer um enfrentamento das heranças  
patrimonialistas e conservadoras que continuam a permear a sociedade e suas instituições.  
Palavras-chave: História. Legislação. Democracia.  
HISTORY AND PLACES OF MEMORY: THE INTERPENETRATION  
OF THE PUBLIC AND PRIVATE SPHERES  
ABSTRACT  
The article analyzes the interpenetration between the public and private spheres in Brazilian  
society since the second half of the 19th century, using Habermas' theory on the bourgeois  
public sphere. The methodology includes a historical and sociological analysis, examining the  
evolution of Brazilian legislation and its influence on the relationship between the private  
interests of the elite and public needs. The results highlight how, in Brazil, liberalism shaped  
itself to the interests of the dominant elite, resulting in a limited and exclusionary democracy,  
where legislation and political practice often served to preserve the elite's power and influence  
over the public sphere. The conclusions suggest that the construction of a truly democratic and  
inclusive public sphere in Brazil requires confronting the patrimonial and conservative legacies  
that continue to permeate society and its institutions.  
Keywords: History. Legislation. Democracy.  
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Nada é mais característico nos dias atuais do que a indefinição entre público e privado.  
Podemos dizer que o processo de interpenetração da esfera pública burguesa com o privado  
vem se desenvolvendo desde o século XVIII. Jurgen Habermas analisou as mudanças  
estruturais da esfera pública burguesa na Inglaterra, França e Alemanha, evidenciando a  
importância de se pensar a esfera pública burguesa como categoria sociológica e histórica.  
Destacando que para se apreender as transformações promovidas pela interpenetração das  
esferas pública e privada nas sociedades modernas é preciso situar historicamente o termo  
“público” e a relação dos sujeitos com a esfera pública, observando que “o sujeito dessa esfera  
pública é o público enquanto portador de opinião pública1. Para tanto, parte de uma digressão  
aos Gregos para explicar o sentido de “público”, passando ainda pela Idade Média, cujo objetivo  
foi o de demonstrar como esta categoria transformou-se, pouco a pouco, até chegar ao século  
XIX. Nessa perspectiva, o pensador alemão demonstrou como o sentido do termo foi sofrendo  
modificações e sendo incorporado pela sociedade no decorrer de processos políticos,  
econômicos, sociais, religiosos e culturais. Dada a importância de termos e palavras, Habermas  
assinalou que a história da palavra conserva os rastros dessa mudança repleta de  
consequências.”2  
No que se segue, procurar-se-á discutir neste artigo algumas das mudanças mais  
significativas pelas quais passou a sociedade brasileira, a partir da metade do século XIX,  
tomando com eixo norteador a construção teórica de Habermas quando trata da interpenetração  
da esfera pública burguesa e esfera privada a partir da legislação brasileira. Sabemos que após  
a Independência, correntes liberais internas influenciadas pelo discurso liberal europeu  
adotaram como projeto político e econômico, propostas voltadas ao progresso e a modernização  
da nação que se firmava no panorama mundial. No entanto, o liberalismo postulado no Brasil  
primava pela necessidade de se ordenar o poder sem romper com o conservadorismo praticado  
pelos grupos dominantes. Assim, como parte constitutiva das minorias hegemônicas, os  
políticos ligados à elite rural praticavam no país, uma democracia pouco liberal, sem  
representatividade popular, cujo cidadão ficava quase que totalmente excluídos dos direitos  
políticos, civis e sociais.  
Para assegurar, sobretudo, o poder de influência na esfera pública, os grupos políticos  
proeminentes pautavam suas práticas e decisões nos direitos fundamentais, previsto em leis e  
códigos, vinculados as noções de igualdade e liberdade.A valorização destes preceitos dava  
1 HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade  
burguesa. Trad. Flavio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 14.  
2 Idem, p. 40.  
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suporte para que as bases representativas no poder tivessem o direito de administrar a máquina  
estatal e promover, ao mesmo tempo a integração nacional fundada no conservadorismo de  
interesses econômicos e políticos. Eram idéias liberais ambíguas e distorcidas por interesses  
privados convivendo com a escravidão e a herança patrimonialista, o que resultava em “um  
liberalismo conservador, elitista, antidemocrático e antipopular, matizados por práticas  
autoritárias, formalistas, ornamentais e ilusórias”3.  
Assim, para nossa “realidade” o século XIX, se configurou num panorama de ações e  
atividades pela imposição e predomínio dos interesses privados sobre as necessidades públicas.  
Interesses guiados por uma esfera privada politicamente ativa e restritiva, que buscou através  
de instrumentos como a legislação, os cargos administrativos, a manipulação da opinião  
pública, o cerceamento dos direitos fundamentais, a concentração da renda, o monopólio das  
decisões e a divisão social do trabalho, imprimir o sentido de universalização e normalização  
das ações e condutas em função dos compromissos e necessidades imediatas de uma classe  
privilegiada, a elite, que priorizava a regulamentação da economia em detrimento da vida social  
e civil.  
Convém ressaltar que as concepções do liberalismo em França, Inglaterra e Alemanha,  
no século XIX, diferiam em muito da ideologia liberal praticada no Brasil. Nestes países, a  
esfera pública burguesa procurava resguarda sua autonomia privada através da Constituição  
que limitava as ações do Estado, aqui o Estado penetrava na sociedade através dos grupos  
dominantes locais. Conforme analisou Jungen Habermas as mudanças de um Estado liberal de  
Direito, naqueles países, para uma sociedade democraticamente organizada só pode ser  
analisado considerando-se a continuidade de certas funções e obrigações do Estado, que se  
insinua nas legislações democráticas. Com raras exceções, a ideologia liberal estava presente  
na maior parte das Constituições modernas:  
[...], as seções do catálogo dos Direitos Fundamentais são uma cópia do  
modelo liberal da esfera pública burguês: garantem a sociedade como esfera  
da autonomia privada; contrapondo-se a ela, um poder público limitado a  
umas poucas funções; e, ao mesmo tempo, entre ambos, o setor das pessoas  
privadas reunidas num público que, como cidadãos, intermediam o Estado  
com necessidades das sociedades burguesas, a fim de, conforme a idéia aí  
subjacente, no meio dessa esfera pública, fazer com que a autoridade política  
dessa espécie devesse ser mensurada, parecendo então garantido, caso se  
partisse do pressuposto de uma sociedade com livre intercâmbio de  
mercadorias (com a sua ‘justiça’, intrínseca ao mecanismo de mercado e à  
troca de mercadorias, da igualdade de chances em obter propriedades, isto é:  
de independência privada e co-gestão política), que o intercâmbio das pessoas  
3 NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.67  
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privadas ao nível de mercado e na esfera pública estivesse livre de dominação.  
Todas as relações de poder neutralizar-se-iam, então, automaticamente dentro  
de uma sociedade de pequenos comerciantes, constituindo uma esfera  
emancipada da dominação4.  
Se em alguns países da Europa o processo de transformação no que concerne a lei foi  
lento e se concretizou mais plenamente no fim do século XIX, no Brasil, a tradição liberal  
permanece e é utilizada, “não em função de toda a sociedade, mas no interesse exclusivo de  
grande parcela das elites hegemônicas detentoras de poder, da propriedade privada e dos meios  
de produção da riqueza5.  
Nesse horizonte, sob o princípio de universalização dos direitos democráticos e  
normalização da ordem social, o poder político público associado ao poder privado, conciliou  
a práxis liberal com o conservadorismo político assentado no aparelho burocrático-patrimonial,  
utilizando como expediente a concepção do liberalismo posto pela esfera pública burguesa que  
tinha como objetivo reduzir o mínimo de conflitos de interesses e decisões burocráticas6.  
Buscou-se na mesma proporção ritualizar as práticas do Direito estatal em consonância com o  
Estado de Direito, que visava o consenso coletivo e a manutenção da ordem burguesa vigente.  
No fim do século XIX e início do XX a burguesia em ascensão no Brasil ocupando  
postos chaves na máquina administrativa governamental, procurou orientar as práticas jurídicas  
e políticas para uma ordenação do comércio e da produção industrial. Isto porque a classe média  
burguesa proveniente de vários segmentos da sociedade (da elite rural, em especial, que  
promoveu seus próprios filhos a uma elite intelectual e militar) constitui-se como uma classe  
voltada principalmente à industrialização do país, fortalecendo a ideologia voltada ao progresso  
que tinha como modelo a Europa e os EUA. Contudo, a sociedade brasileira não poderia  
corresponder a tais objetivos, pois o longo processo da escravidão, a economia centrada na  
monocultura, a lentidão nas mudanças da legislação interna, o precário desenvolvimento das  
forças produtivas e a relativa permanência da estrutura patrimonialista funcionavam como  
entraves aos objetivos pretendidos para o plano do progresso nacional.  
Nem mesmo com o fim da escravidão e do governos monárquico e a Republica foram  
suficientes para desmontar um estrutura vigente desde o período colonial. Mantinha-se a frente  
das decisões políticas-econômicas os conservadores donos do poder e das riquezas. As  
transformações que mudaram o panorama só ocorreram de forma lenta e parcial.  
4 HABERMAS, J., op. cit. , p. 260  
5 WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p 145.  
6 HABERMAS, J., op. cit., p.271.  
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Com certeza foi um processo longo e tortuoso, mas que neste ensaio basta para situar a  
problemática do suposto alargamento da esfera pública sobre a esfera privada. O termo suposto  
não é acidental, pelo contrário, por um lado podemos pensar no quanto à esfera pública vem  
dominando a vida privada em vários aspectos e por outro como o setor privado vem sendo  
fortalecido pelo próprio poder que o Estado lhe outorga através de contratos, convênios e  
serviços “terceirizados”, no momento atual. O alargamento das fronteiras do público passou  
pela lenta modificação estrutural da esfera privada, entendida aqui como o núcleo restrito das  
relações mais estreitas entre os indivíduos, como por exemplo à família, as associações, as  
agremiações, etc.  
A partir do colapso da economia agroexportadora e da falência das instituições da Velha  
República7 , o Estado passou a determinar os novos rumos do desenvolvimento da economia.  
Ocupando os espaços políticos e enfatizando a unidade nacional em prol do almejado progresso  
racionalizador, buscou, sem resolver as contradições internas entre os setores da esfera pública  
burguesa, mediar os conflitos de interesses através das organizações privadas, dos partidos  
políticos, da imprensa e da opinião pública. Utilizando, nesse procedimento instrumentos como  
à “publicidade” e a publicidade. No entanto, o que ficou como resultado foi uma publicidade  
organizada com fins manipulativos para dar legitimidade ao poder do Estado, o que denotava o  
grau de democracia8 no qual se encontrava a sociedade brasileira até o fim da ditadura militar.  
A população no geral tinha restrita participação ativa no processo político, pois direito  
político e direito social, tanto quanto o Direito Público estavam centrados no  
Constitucionalismo de bases pouco democráticas. Foi com a Constituição de 1988 que o povo  
brasileiro pode alcançar a mais expressiva participação democrática, exercendo seus direitos  
civil, político e social.  
Na década de 1990 houve uma retomada do discurso conservador pela elite nacional,  
ancorado na onda neoliberal que propôs ações privativista e reformistas, ações que geraram  
obstáculos ao exercício da cidadania. Estas ações vêm relativizando interesses díspares e  
levando:  
[...] a um pluralismo continuado, talvez multiplicado, dos interesses, podendo  
fazer com que se perca a natureza aguda dos antagonismos das necessidades  
concorrentes à medida que , conforme seja possível prever, elas forem  
satisfeitas. O interesse geral consiste, de acordo com isto, em gerar  
aceleradamente as condições de uma “sociedade da abundância”, dispensando  
7
WOLKMER, A. C., op. cit., p. 11.  
HABERMAS, J., op. Cit., p.271  
8
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uma compensação dos interesses enquanto tais ditadas pela carência de  
recursos.9  
Processo que generalizou as reais necessidades dos cidadãos. Hoje a consciência da  
cidadania se projeta nas lutas pela ampliação dos direitos sociais, pelo equilíbrio entre os  
poderes, e , principalmente por uma justa distribuição de rendas que suprima a exploração da  
mão-de-obra e diminua a miserabilidade de uma ampla camada social. Com as rápidas  
mudanças produzidas pelo processo de globalização o Estado-nação, paulatinamente perdeu  
parte de suas funções e não se apresenta mais como base para garantir os direitos democráticos  
dos cidadãos.  
Encontramos nas Leis e Códigos, que são representações corporificadas, as memórias  
das reivindicações dos cidadãos pelos direitos fundamentais a vida social. Direitos adquiridos  
ao longo do processo histórica da nação com expressiva representação dos direitos  
consuetudinários. Legislação como o Decreto-lei n.º 25/1937, a primeira lei do país que se  
refere ao patrimônio histórico e artístico nacional, procurava nortear a política de preservação  
do patrimônio cultural no país. Contudo, a lei priorizava o patrimônio edificado, não  
valorizando a diversidade multicultural dos diversos grupos que compunham o país. No  
decorrer do século XX, os esforços de setores educacionais, artísticos, intelectuais e políticos  
ampliaram o sentido do que seria o patrimônio cultural de um país, assim os investimentos  
físicos e financeiros foram direcionados ao conhecimento científico, possibilitando, um maior  
acesso às informações sobre o passado histórico cultural, etnográfico, antropológico,  
arqueológico e as memórias dos grupos que reforçam as identidades individuais e coletivas.  
O Estado que tem como função organizar as relações sociais em seus diferentes níveis,  
tem com uma de suas funções promover o bem-estar social, priorizando a saúde, a educação,  
os transportes, as comunicações, a habitação, a produção intelectual e científica, bem como a  
construção da identidade nacional, entre outras obrigações. No entanto, no interior das ações  
estatais estão os interesses de uma iniciativa privada que redimensiona o mercado, tendo em  
vista a ampliação dos lucros e do poder de barganha que possa advir do patrimônio cultural.  
Tomando como modelo o problema do patrimônio cultural10 brasileiro e as formas de como se  
orientam na prática as preocupações com a história, a memória e a produção dos lugares da  
9
Ibid., p. 272  
10 Utilizo o termo patrimônio histórico com a noção de François Choay: “A expressão designa um bem destinado  
ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de  
uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das  
artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. Termo que remete a  
uma instituição e a uma mentalidade”. P. 11.  
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memória, busco analisar como a legislação serviu para dar sustentação às práticas da esfera  
privada, quando esta se apropria dos bens culturais11.  
Atualmente a nação não é mais o quadro unitário que encerrava a consciência da  
coletividade12, e a história não é mais o locus privilegiado da nação-memória. As sociedades  
fabricam os lugares da memória como representação simbólica daquilo se quer manter afastado  
do processo de esquecimento, contudo o que temos visto é a preservação da memória das elites.  
Problema que os historiadores vem nos últimos anos, após exaustivos estudos e investigações,  
buscando soluções através da criação de centro de documentações, grupos de estudos, centro  
de memórias, voltados a salvaguarda das memórias subterrâneas, aquelas de difícil acesso,  
como dos povos de tradição oral.  
O historiador também se depara com a problemática entre memórias e história quando  
analisa os quadros sociais da memória e as respostas que o público coloca na preservação de  
seus referenciais históricos. Problema que permeia a própria noção de Estado, nação e  
representação. Considerando, que a história de cada individuo está vinculada à história nacional  
através dos acontecimentos que marcaram toda a sociedade, então não há como desprezar o  
processo de classificação e delimitação colocado em prática pelo Estado e pela esfera privada  
quando selecionam o que deve ser valorizado e perpetuado como memória coletiva e histórica,  
ou seja, aquilo que tem valor histórico para o conjunto também na esfera pública.  
Maurice Halbwachs deixa claro que história não é memória. História é a compilação  
dos fatos que ocupou o maior espaço na memória dos homens, é um quadro em mudanças, é  
parcial e se interessa sobretudo pelas diferenças13, sendo assim, a história é diferente da  
memória social ou coletiva que se apresenta como um fenômeno social construído pelo coletivo  
e que se modifica em função do tempo e dos interditos. Buscando dar sentido e coerência a  
identidade nacional a Constituição Brasileira garante juridicamente a preservação da memória  
dos diferentes grupos que compõem a sociedade e visa a valoração dos bens culturais a partir  
de seu valor histórico.  
Assim, aparece na Constituição Federal do Brasil, aprovada em 1988, o conceito de patrimônio  
cultural, conforme o moderno sentido do termo, como explicita artigo 216, Seção II Da  
Cultura :  
11  
O conceito utilizado para bens culturais foi trabalhado por Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, na obra  
Indústria Cultural e Sociedade, onde aparece a questão relacionada ao fetichismo da cultura como consumo e a  
alienação da população frente aos instrumentos da industria cultural que visa o consumismo por meio da  
massificação da informação e dos bens produzidos pelo sistema.  
12 NORA, Pierre. Entre Memória e História. Trad. Yara Aun Khoury. Projeto História. São Paulo: PUC/SP, n. 10,  
p. 12  
13 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais, 1990, pp. 62-89  
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Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e  
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência  
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da  
sociedade brasileira, nos quais se incluem:  
I as formas de expressão;  
II os modos de criar, fazer e viver;  
III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;  
IV as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados  
às manifestações artístico-cuturais;  
V os conjuntos urbanos, sítios de valor históricos, paisagísticos, artísticos,  
arqueológicos, paleontológicos, ecológico e científico14.  
A questão da memória, dos lugares da memória, da esfera pública e setor privado com  
a história permite problematizar as modalidades das representações enquanto parte constitutiva  
das estruturas de poder. O dispositivo constitucional serve para dar testemunho de como a partir  
de generalizações simbólicas contidas no corpo das leis, a classe e/ou grupos de interesse  
instalados no poder conseguem se apropriar do patrimônio cultural, agilizando por organizar e  
ordenar práticas que remetem a preservação e valorização das memórias de uma elite  
privilegiada em detrimento das memórias dos grupos populares. Ao priorizar o sentido de  
universalidade cultural, o poder estabelece um consenso sobre o que se deve valorizar, cultuar,  
preservar e relembrar. No momento em que os movimentos sociais tendo como agentes as  
mulheres, os negros, os índios, os homossexuais, entre outros, lutam por mais direitos  
participativos na política e nos processos de decisões nacionais, o tema do resgate das memórias  
destes também entra nas pautas de reivindicações.  
A Constituição Federal, em outros dispositivos, estabelece como garantia de que todos  
os cidadãos tenham seus direitos democráticos resguardados. Contempla a efetiva participação  
social nas atividades criativas, científicas, artísticas e na ordem econômica e social. Assim,  
procura-se ampliar de maneira ambígua o sentido de cultura e de atividades a ela relacionadas,  
ao mesmo tempo em que se insinua o caráter de igualdade entre indivíduos dotados de  
capacidades, memórias, direitos e deveres. Isto resulta em uma complexa relação de  
esquecimentos e rupturas com o passado histórico. Busco neste ensaio, além do que já foi  
exposto, refletir sobre os conflitos de classificações que subjazem nas representações sociais e  
que permitem compreender as ações voltadas à participação públicas política ativa nas relações  
entre poder social e dominação política15.  
Dentro desta perspectiva o espaço jurídico, econômico e social interpenetra nas relações  
cotidianas. A interpenetração produz conflitos de interesses entres os indivíduos detentores de  
14  
Constituição Federal do Brasil. Organizada por Yussef Said Cahali. 6a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,  
2004.  
15 HABERMAS, op. cit., p. 273  
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objetos materiais, propriedades e representatividades o que os coloca em luta pela manutenção  
de seus direitos e obrigações. Disto deriva os conflitos mediados pela relação pública de si para  
com os outros e o Estado, pois a lei nos remete a lembrança dos direitos que permeiam nossas  
vidas16. E, parte deste direito se reporta as nossas memórias históricas, ou como denominou  
Pierre Nora, memória transformada por uma passagem em história, que é quase o contrário:  
voluntária e deliberada, vivida como um dever e não mais espontânea; psicológica, individual  
e subjetiva e não mais social, coletiva, globalizante17.  
Memórias que necessitam ser preservadas para dar o sentido de pertencimento que se  
encontra na memória coletiva, ainda que não mais espontânea, mas que dá sustentação à  
memória dos direitos, e que nos leva constantemente a buscar na representação do espaço e nos  
lugares da memória os suportes consagrados à materialização do que se quer conservar para as  
gerações futuras e a afirmação da identidade social e nacional. Daí a importância de legislação  
mais específica e democráticas que tenham em vista a socialização histórica, política, cultural,  
das memórias e dos lugares onde as lembranças dão o sentido de pertencimento ao grupo. Mas,  
este é um processo que não ocorre sem embates internos e externos a sociedade, pelo contrário  
há por parte da iniciativa privada e dos grupos privilegiados uma concorrência com o poder  
público para se definir os lugares da memória.  
Segue-se que as pressões da imprensa, da publicidade crítica e manipulativas, da opinião  
pública e legislação, reorientam, em muitos casos, o trabalho de enquadramento da memória18  
que visa a solidificação da memória social consubstanciada por uma história nacional, cuja  
manutenção da unidade marca a classificação do que é memorável, independentemente de ser  
um acontecimento político, religioso, jurídico, cultural ou econômico. Para que isto ocorra é  
preciso criar lugares para reverenciar, relembrar, rememorar, as memória herdadas e as  
memórias históricas, aqui entendidas como a seqüência dos acontecimentos dos quais a história  
nacional conserva a lembrança19 . Memórias reconstituídas pelo olhar da história, que coloca  
para o historiador a função de realizar a “publicidade” crítica sobre a organização da memória  
constituída politicamente.  
16 Ibid., p.146  
17 NORA, op. cit., p. 15  
18 POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 6  
19 HALBWACHS, M., op. cit. p. 79  
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REFERÊNCIAS  
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dos Tribunais, 2004.  
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Trad. Julia Elisabeth Levy et al. São  
Paulo: Paz e Terra, 2002.  
CHOAY, François. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano V. Machado. São Paulo: Estação  
Liberdade: UNESP, 2001.  
HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma  
categoria da sociedade burguesa. Trad. Flavio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  
1984.  
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais,  
1990.  
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,  
1984.  
NORA, Pierre. Entre Memória e História. Trad. Yara Aun Khoury. Projeto História. São  
Paulo: PUC/SP, 1993, n. 10.  
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5,  
n. 10, 1992.  
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense,  
1999.  
59  
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