suporte para que as bases representativas no poder tivessem o direito de administrar a máquina
estatal e promover, ao mesmo tempo a integração nacional fundada no conservadorismo de
interesses econômicos e políticos. Eram idéias liberais ambíguas e distorcidas por interesses
privados convivendo com a escravidão e a herança patrimonialista, o que resultava em “um
liberalismo conservador, elitista, antidemocrático e antipopular, matizados por práticas
autoritárias, formalistas, ornamentais e ilusórias”3.
Assim, para nossa “realidade” o século XIX, se configurou num panorama de ações e
atividades pela imposição e predomínio dos interesses privados sobre as necessidades públicas.
Interesses guiados por uma esfera privada politicamente ativa e restritiva, que buscou através
de instrumentos como a legislação, os cargos administrativos, a manipulação da opinião
pública, o cerceamento dos direitos fundamentais, a concentração da renda, o monopólio das
decisões e a divisão social do trabalho, imprimir o sentido de universalização e normalização
das ações e condutas em função dos compromissos e necessidades imediatas de uma classe
privilegiada, a elite, que priorizava a regulamentação da economia em detrimento da vida social
e civil.
Convém ressaltar que as concepções do liberalismo em França, Inglaterra e Alemanha,
no século XIX, diferiam em muito da ideologia liberal praticada no Brasil. Nestes países, a
esfera pública burguesa procurava resguarda sua autonomia privada através da Constituição
que limitava as ações do Estado, aqui o Estado penetrava na sociedade através dos grupos
dominantes locais. Conforme analisou Jungen Habermas as mudanças de um Estado liberal de
Direito, naqueles países, para uma sociedade democraticamente organizada só pode ser
analisado considerando-se a continuidade de certas funções e obrigações do Estado, que se
insinua nas legislações democráticas. Com raras exceções, a ideologia liberal estava presente
na maior parte das Constituições modernas:
[...], as seções do catálogo dos Direitos Fundamentais são uma cópia do
modelo liberal da esfera pública burguês: garantem a sociedade como esfera
da autonomia privada; contrapondo-se a ela, um poder público limitado a
umas poucas funções; e, ao mesmo tempo, entre ambos, o setor das pessoas
privadas reunidas num público que, como cidadãos, intermediam o Estado
com necessidades das sociedades burguesas, a fim de, conforme a idéia aí
subjacente, no meio dessa esfera pública, fazer com que a autoridade política
dessa espécie devesse ser mensurada, parecendo então garantido, caso se
partisse do pressuposto de uma sociedade com livre intercâmbio de
mercadorias (com a sua ‘justiça’, intrínseca ao mecanismo de mercado e à
troca de mercadorias, da igualdade de chances em obter propriedades, isto é:
de independência privada e co-gestão política), que o intercâmbio das pessoas
3 NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.67
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Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE | v. 2 - n. 1 | jan-abr | 2024 | ISSN: 2966-0513 | Goiânia, Goiás