Revista Coletivo Cine-Fórum – RECOCINE
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RECOCINE, v. 1. n. 2 | mai-ago | 2023 | Goiânia, Goiás
ocupa lugar essencial e de destaque na movimentação de nosso pensamento. Proust era movido
pelos fluxos da obra de arte em todas as suas esferas; os signos da arte são o alimento desse
pensamento fértil e criativo, e comparo-o, aqui, mutatis mutandis, ao espírito evoluído,
determinante e criativo de um outro francês: Charles Baudelaire, cujo olhar semiológico girava
para todas as vertentes que brilham ao redor do sol, seja na reflexão sobre as artes, realizando
as críticas de três Salões de arte históricos (1845, 1855, 1859) e Curiosités esthetiques (1868),
seja, sobretudo, na realização de sua obra poética Les fleurs du mal (1857).
Há, entretanto, uma diferença fundamental entre o método do qual Baudelaire se valeu
para tratar as artes e o método utilizado por Marcel Proust. No caso de Baudelaire, ele divisou
as águas: assumiu a função crítica nas suas leituras e análises da literatura e das obras de arte
plástica, bem como da música, haja vista os grandes textos a respeito dos pintores e da música
de Richard Wagner, que pode ser atestado por seu artigo sobre Tannhäuser, apresentação de
Richard Wagner em Paris, em 1861. No caso de Proust, o método é menos explícito, e as águas
se misturam, pois ele constrói – e daí seu grau elevado de originalidade – um fusionismo entre
crítica e invenção, ao que denomino “ensaio ficcional”. Proust realiza um elevadíssimo
procedimento de bricolagem entre dois gêneros distintos: uma narrativa constituída pelo
andamento de atores que perseguem o fluxo dialético da existência, como já dissemos, e um
verdadeiro universo semiológico como uma espécie de parede do imaginário tricotado nos
liames da ficção.
Dentro deste quadro de considerações, devemos dizer que os sistemas artísticos presentes
e perseguidos criticamente por Marcel Proust são os seguintes: a macroestrutura da obra é
sustentada por quatro pilares que se erguem e determinam o conjunto da composição; são eles
a Literatura, a Pintura, a Música e o Teatro e a partir deles outros aparecem, aqui e acolá, e
ganham seu espaço no interior da obra, como a Arquitetura, a Escultura, as instalações
funcionais – os obeliscos e os chafarizes – dentre outros.
Durante toda a obra, Marcel Proust revela a sua profunda visão clássica da arte, o seu
respeito pelas dimensões extensivas dos sistemas artísticos estabelecidos por Hegel. Queremos
dizer que afora os sistemas de arte propostos por Alexander Baumgarten, no século XVIII,
Proust traz para a obra outros procedimentos que deixaram de ser considerados Arte, mas que
antes do século XVIII eram tidos como tais, dentre eles a jardinagem, o mobiliário, a
indumentária, a culinária (quanto a esta, ela forma na obra proustiana um sistema à parte,
chegando a existir um estudo só com as iguarias destacadas por Proust e que na obra eram